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Reforma política

Postado em 06/11/2008

Partidos devem ser fortalecidos

HUGO NAPOLEÃO


Hugo Napoleão / Foto: Nicola Labate

Hugo Napoleão do Rego Neto é bacharel em direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É professor do Instituto de Administração e Gerência da PUC do Rio de Janeiro e advogado no escritório Hugo Napoleão Advogados Associados.
Exerceu duas legislaturas como deputado federal e quatro como senador da República. Foi também governador do estado do Piauí em dois mandatos e ministro de Estado da Educação, da Cultura e das Comunicações.
Autor de inúmeras publicações, recebeu, entre outras condecorações, a Ordem do Rio Branco e a Medalha do Pacificador, do exército brasileiro.
Esta palestra de Hugo Napoleão, com o tema “Reforma partidária e quadro eleitoral”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 14 de maio de 2009.

Vou fazer um breve histórico sobre a reforma política, antes de mostrar as propostas em andamento, sobretudo as últimas oferecidas pelo Executivo ao Congresso Nacional. Algumas já passaram pelo Senado e estão em trâmite na Câmara dos Deputados.

O primeiro ato que ocorreu no Brasil em matéria eleitoral adveio das Ordenações Manuelinas, que determinavam a eleição de membros legislativos mediante escolha dos homens bons com votos colocados em cabaças, que eram levadas para uma arca a ser aberta um ano depois. Isso ocorreu em São Vicente, no litoral paulista, em 1532. A esse passo seguiu-se, em 1821, a determinação de dom João VI de convocar eleições para que legisladores fossem escolhidos para as Cortes de Lisboa. De 1824 a 1842 as legislaturas eram absoluta e rigorosamente deploráveis, no dizer do jurista Victor Nunes Leal.

Em 1846 ocorreu uma primeira normatização sobre juntas eleitorais. Tudo se fazia à base de juntas, que promoviam a eleição e colhiam os sufrágios. Em 1855 e 1860 surgiram duas leis, chamadas de Leis dos Círculos, de iniciativa de Honório Hermeto Carneiro Leão, presidente do Conselho de Ministros, que regulamentavam a legislatura. Mais adiante, em 1881, o ministro José Antônio Saraiva, com base num projeto de Rui Barbosa, criou a primeira sistematização mais fidedigna, que ficou conhecida como Lei Saraiva. Ele foi também presidente da província do Piauí e transferiu a capital de Oeiras, que ainda hoje é sede de monumentos históricos, para Teresina, uma homenagem à imperatriz Teresa Cristina. Depois dessa sistematização, seguiram-se dois decretos de Deodoro da Fonseca, o segundo deles chamado de Regulamento Alvim [por ter sido criado pelo ministro do Interior, José Cesário de Faria Alvim].

Mais tarde, em 1904, surgiu a Lei Rosa e Silva, de autoria do senador Francisco Assis Rosa e Silva, que ampliou o número de representantes por circunscrição. Seguiu-se a lei do senador Bueno de Paiva, em 1916, e tivemos essa legislação até a Revolução de 1930. Naquele tempo dizia-se que a lei era feita a bico de pena, ou seja, no “bicório”. Havia a degola, isto é, a dispensa dos que não eram considerados eleitos. As atas eram juridicamente válidas, mas os resultados eram manejados. Foi uma das razões da origem da Aliança Liberal e da Revolução de 1930. Consta que José Gomes Pinheiro Machado, diante de um jovem que foi questionar por que não havia sido eleito, teria dito: “Isso aconteceu por três razões, e a última delas é que não tiveste o número de votos necessário para lá chegar”. Anedota ou não, a coisa funcionava dessa maneira.

Em 1932 foi aprovado o voto feminino, em 1935 o voto profissional, mas em 1937 o Congresso Nacional foi fechado e os partidos extintos pela constituição outorgada por Getúlio Vargas, conhecida como Polaca [por ter sido baseada na constituição autoritária da Polônia].

A legislação eleitoral recebeu em 1971 a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, depois a nova Lei das Inelegibilidades em 1990, a Lei dos Partidos em 1995, revista no ano seguinte, e em 1997 a Lei de Eleições. E agora estamos a braços com uma situação rigorosamente nova, com o Congresso às voltas com várias propostas em andamento para aperfeiçoamento das instituições.

Norberto Bobbio, em O Futuro da Democracia, diz que essencialmente o dissenso faz a democracia, o dissenso é a democracia. Marco Maciel afirma que as propostas relativas à reforma política, partidária ou eleitoral, estão no Congresso Nacional desde a década de 1980, ou seja, há três décadas. O problema é que na hora de fazer a reforma, cada parlamentar pensa em si, na própria situação, e é muito difícil chegar a um denominador comum.

A reforma política deveria se reportar ao sistema de governo, em níveis mais amplos, mas vamos entendê-la também como reforma partidária. Nesse aspecto há três elementos a considerar. O primeiro é o voto majoritário, o segundo o voto proporcional e o terceiro o partido político. O voto majoritário, adotado largamente nos Estados Unidos, é distrital, ou seja, aquele em que o distrito escolhe seu representante. Ele existe na Grã-Bretanha, no Canadá, na Turquia. O voto distrital na realidade é o voto de circunscrição, o dos antigos círculos.

O voto proporcional, que adotamos no Brasil, é utilizado na Suíça, Holanda e em diversas partes do mundo. Na Alemanha há o sistema misto, em que se escolhe metade do parlamento pelo voto majoritário e a outra metade por listas fechadas. Penso que não se pode atribuir todas as mazelas existentes no país ao voto majoritário, mas ele é responsável pela má escolha de candidatos e também pela volúpia financeira e pela inobservância de princípios, doutrinas, normas, programas eleitorais ou partidários. Aqui vota-se num e escolhe-se outro. Ninguém entende por que muitas vezes pessoas capacitadas ficam fora por causa da legenda.

Fidelidade partidária

Outra questão são os partidos políticos. O partido, para ser estruturado, impõe a fidelidade partidária. A reforma política passa por essa questão. A meu ver, quem escolhe uma legenda deve obrigações a ela e nela deve permanecer. A troca de partido deveria ser proibida, com raríssimas exceções. E as decisões dos partidos devem ser seguidas por seus membros, a não ser por uma razão moral irresistível. Fábio Konder Comparato chega a advogar o voto facultativo para evitar essas situações que hoje permeiam as eleições. Ele defende também o sistema de listas fechadas e a ideia de o Congresso ter, como nos Estados Unidos, dois senadores por estado, e não três, e com um mandato de quatro anos, e não oito. O senador Eduardo Suplicy é citado como autor da ideia da redução para quatro anos. Comparato também defende a extinção da figura do suplente de senador.

Manuel Gonçalves Ferreira Filho é mais incisivo: “Mudou de partido, perde o mandato”. Existe de fato um risco com a janela que está sendo proposta para migrações partidárias em cima da hora. No Brasil é lamentável verificar que, terminada a eleição, há uma verdadeira debandada, como se fossem aves que saem do hemisfério norte para o sul e vice-versa, por causa de cargos ou emendas garantidas pelo governo favorecendo este ou aquele estado.

Certa vez perguntaram a De Gaulle o que pensava de um partido único na França e ele respondeu: “Um país que tem mais de 200 variedades de queijo não pode pensar em partido único”. Einstein também dizia que o cidadão deve carregar consigo suas ideias. A esse respeito, Ives Gandra da Silva Martins lembra Robinson Crusoe, dizendo que ele era dono absoluto de sua ilha até que chegou Sexta-Feira e foi obrigado a estabelecer uma normatização. Franklin Delano Roosevelt também dizia que o homem radical é aquele que tem os pés seguramente fincados no ar. Em matéria eleitoral no Brasil, estamos precisando de uma boa revisão de conceitos.

Quais são as propostas de reforma política em andamento? A primeira é a da lista fechada, o projeto de lei nº 4.636/09, em curso na Câmara dos Deputados, que estabelece que a convenção partidária definirá os candidatos integrantes de lista. De acordo com esse projeto, o eleitor vota em candidato apenas nas eleições majoritárias – para presidente, governadores, prefeitos e senadores. Para os votos proporcionais vota em uma lista definida por cada partido. Este poderá registrar até 110% do número de vagas, mas cada grupo de três candidatos tem de incluir pessoas de ambos os sexos, ou seja, dois homens e uma mulher, o que é uma forma, a meu ver, de cerceamento. Significa dizer que a mulher vale só metade do que o homem.

Passei muito tempo combatendo a lista fechada, mas hoje a aceitaria. Não para amanhã ou depois, porém; não é possível fazer essa mudança da noite para o dia.

Dinheiro público

Outro ponto é o financiamento público de campanha. Segundo o senador Jorge Bornhausen, ele só tem sentido se casado com a lista fechada. Se estabelecermos o financiamento público nas próximas eleições proporcionais, como será dividido esse dinheiro? O que existe hoje é o financiamento feito por pessoas físicas ou jurídicas, oficializado, cristalino. É claro que ocorre também aquele que vem à margem, com recursos não oficializados. Porém, vamos suprimir isso tudo e obrigar o governo a injetar tantos bilhões de reais nas eleições? É um risco, e esse sistema somente poderia vir, repetindo Bornhausen, casado com a eleição distrital, em que o dinheiro é dado para o partido e este o administra com transparência.

O terceiro ponto é a fidelidade partidária. Os prazos de filiação partidária fixados no estatuto do partido não podem ser alterados no ano da eleição. Isso não se aplica quando o partido realizou mudanças e quando houver perseguição política. Há mudanças perfeitamente explicáveis e algumas que são meramente pragmáticas e oportunistas.

Outro tópico são as coligações, permitidas e em nível majoritário, o que está absolutamente correto pelas tendências em andamento, sendo que as proporcionais são proibidas. Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados prevê a possibilidade de federação de partidos, mas que passam a agir como se fossem um só, o que é diferente de coligação. Penso que para a pureza de um partido novo é preciso evitar as coligações, que são muitas vezes nocivas. Há, entretanto, uma vantagem nessa proposta, que é a redução do tempo majoritário na televisão, ampliando-se o percentual de tempo proporcional, o que é justo.

De qualquer maneira, o fim das coligações é bom para a formação sadia de partidos políticos. Hoje há 28 partidos políticos no Brasil. Temos três ou quatro correntes de pensamento, não há sentido para essa multiplicidade. As siglas se tornam de fato de aluguel, para negociação política.

Há ainda outra aberração, o projeto de lei complementar nº 446/09, que impede a candidatura daqueles que forem condenados por decisão colegiada de primeira instância. Isso contraria todo o fundamento de uma regra já preestabelecida. Todos têm inimigos e desafetos, pessoas que lançam mão de todos os meios, inclusive judiciais, para denegrir sua imagem. Então, se alguém está respondendo a uma ação local, não pode ser candidato. Não é assim. Às vezes trata-se apenas de injunções políticas e um tribunal distante pode, à luz do direito e dos fatos, analisar melhor a questão.

Chegamos às duas últimas propostas. Uma é perfeita, refere-se à captação de sufrágio, e prevê a punição de quem doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor recursos ilícitos. Isso está corretíssimo. A outra é a cláusula de barreira ou de desempenho. Ela diz respeito aos partidos pequenos, que hoje podem ter assento no Congresso Nacional com 5% da votação em três estados. O governo está propondo apenas 1%, o que é muito pouco. O deputado Ronaldo Caiado, líder dos Democratas na Câmara dos Deputados, propôs 2%, o que considero pouco também. Temos de ser mais severos. Não se proíbe a existência do partido, mas seu ingresso na Câmara dos Deputados, se não alcançar um patamar mínimo. Essa é que é a cláusula de barreira. Adotada em 44 países, é uma norma que permite reduzir o número de partidos, sobretudo as legendas de aluguel. Com maior severidade, ela simplifica o jogo político e lhe dá mais consistência programática.

Debate

CLÁUDIO LEMBO – A visão dos intelectuais é diferente da dos políticos. O senhor citou um intelectual, Fábio Comparato, referindo-se ao voto facultativo. O voto como dever é uma questão técnica e também doutrinária. Em minha opinião, é dever, o cidadão deve obrigatoriamente votar. No Brasil não é obrigatório de verdade, essa é outra falácia.
Quanto ao voto de lista, confesso que tenho sentido um vazio imenso nesse debate. Primeiro, o desconhecimento de nossa história. Falamos sempre olhando o exterior, sem ver nossa realidade ou nosso passado. O voto de lista era conhecido no Primeiro e no Segundo Reinado, na República Velha, e foi uma tragédia. Quando Assis Brasil trouxe o voto proporcional, ele passou a limpo o país. O que está acontecendo é que estamos tratando equivocadamente uma série de temas. O Supremo Tribunal Federal destruiu a reforma política. Os políticos, com todos os seus defeitos – e têm muitos –, tiveram a coragem de cortar a própria carne quando criaram a cláusula de desempenho. O Supremo, em defesa das minorias, afastou essa cláusula, taxando-a de inconstitucional, não vejo por quê. A culpa então no momento não é do Congresso, pois foi o Supremo, com seu ativismo político, que destruiu uma reforma que estava em curso. Agora estamos no caos.
É interessante constatar que o grande erro da Revolução de 1964, o golpe, contragolpe ou o que queiram, foi o ato institucional nº 2. Foi uma tragédia que os militares implantaram no país. Os partidos de então tinham tradição. Castello Branco, que às vezes é citado como um grande intelectual, cometeu um crime político com o AI-2, foi o pior dos atos, porque os outros atacaram pessoas e elas hoje se defendem, a história as defende. Ninguém diz que os grandes partidos brasileiros tinham uma cultura própria, havia fidelidade partidária, ninguém saiu do PSD [Partido Social Democrático] para a UDN [União Democrática Nacional]. Quando alguém fazia isso, era execrado pela opinião pública. De repente os partidos acabaram e se criou essa colcha de retalhos que é o sistema partidário brasileiro. A Arena [Aliança Renovadora Nacional] e o MDB [Movimento Democrático Brasileiro] foram uma tragédia. Eram desiguais unidos numa mesma legenda.
Hoje o Supremo tem errado, como fez com a cláusula da verticalização. Os ministros precisam pensar um pouco mais, ir às ruas e observar o que fazem os partidos políticos. Seria bom que visitassem as sedes dos partidos para ver o que acontece na cozinha partidária, para saber como é difícil fazer política dentro das estruturas administrativas. Quanto a financiamento, ele já existe no Brasil, os partidos têm verba para se manter. Recebem o tempo de rádio e televisão e os veículos têm a contraprestação no imposto de renda. Isso é financiamento. Se o partido tem capilaridade, que vá buscar na sociedade civil a capacidade financeira. Portanto, não há muito que fazer. Uma pergunta: por que os antigos partidos tinham tanta capacidade de se preservar e manter os vínculos, e atualmente só temos fugas e adultério? O que aconteceu no Brasil? E temos também o caso da lista fechada. Sei que nosso partido é a favor, mas sou contra, nesse aspecto sou dissidente.

HUGO NAPOLEÃO – O senador Marco Maciel em discurso recente disse que há quatro espécies de lista: a fechada, a aberta, a flexível e a livre. Ele analisa cada uma delas e mostra que não é uma decisão tomada, mas que a fechada é melhor do que a atual. Mas há a possibilidade da lista flexível também, em que o eleitor escolhe o candidato. Então pode-se chegar a um entendimento, isso tudo vai depender do que for organizado. Com relação a Assis Brasil, ele chegou a observar que naquela época, antes de 1930, ninguém sabia se seria listado. Se fosse, ninguém sabia se ia conseguir votar. Se votasse, ninguém sabia se o seu candidato seria eleito ou se os votos seriam contados. Mas o AI-2, sem dúvida nenhuma, terminou com os grandes partidos, que eram poucos e tinham linhas definidas, como o PTB [Partido Trabalhista Brasileiro].

JOSUÉ MUSSALÉM – O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra] se fortaleceu muito no governo Lula, como já vinha fazendo no governo FHC, que também é um dos responsáveis por essa situação. Um relatório apresentado pela “Folha de S. Paulo” mostrou recentemente que houve mais de cem invasões nos últimos tempos no Brasil, principalmente no nordeste. Além disso, o movimento adotou uma postura que não é só de reforma agrária. Ela talvez seja a última coisa que o MST deseja. Ele quer é a tomada do poder, e aí entra na questão do pré-sal, ataca os trens da Vale do Rio Doce em Carajás e assim por diante.
Outra questão são as cotas raciais. O jornalista Ali Kamel diz em livro que não somos racistas, somos classistas. Não somos racistas, porque somos inclusive misturados, o português com a negra. O que ocorre é uma luta de classes diferenciada.
Outro tema é o aparelhamento petista do Estado. Há 25 mil cargos de confiança no governo federal ocupados por petistas. Eles são obrigados a dar 10% do que ganham. Se cada um colocar R$ 1 mil, serão R$ 25 milhões por mês de recolhimento. Essa é uma das razões para o terceiro mandato, é a maneira de apropriar-se do Estado brasileiro. Finalmente, as reformas eleitoral e política. Sou favorável a uma refusão de municípios. Significa o seguinte: município de 30 mil habitantes se junta com o mais próximo para formar um maior. É impressionante o custo dos municípios, que não têm dinheiro, mas têm prefeito, secretários e vereadores. Esses recursos vem da cota-parte do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], que é do estado, e do Fundo de Participação dos Municípios. Não acredito que tenhamos uma reforma séria se essa questão não for reestudada, já que a base eleitoral vem do município.

HUGO NAPOLEÃO – Dificilmente a população vai aceitar a refusão, por causa do Fundo de Participação etc.

MALCOLM FOREST – Quando chega a eleição, a maioria dos cidadãos brasileiros não sabe em quem votar para vereador e deputado, tem uma preferência por prefeito e governador, uma coisa muito em função da mídia. E aparecem amigos e conhecidos que são boas pessoas, candidatos a vereador, por exemplo, e não sabemos a quem ajudar, porque um consegue uma votação muito expressiva, além do necessário, e outro não. Cito o caso do vereador Aurélio Nomura, pessoa muito honesta e que não conseguiu uma reeleição. Não sei se através do sistema de lista haveria uma forma de solucionar isso, acredito que se poderia votar em mais de um candidato. Sei que isso também vai complicar mais as coisas, devido à ignorância e tudo mais. Para finalizar, há alguns anos pensei no seguinte: em vez de gastar milhões com a mídia, com outdoors etc., por que não publicar uma cartilha pela imprensa oficial com o nome de todos os candidatos, ensinando como votar, mostrando o currículo de cada um, antecedentes criminais e fiscais, declaração de bens e de rendas, proposta de governo, valores e metas? Isso poderia ser vendido ou distribuído amplamente no Brasil em bancas de jornais, além de divulgado nas escolas e na televisão. Teríamos assim um documento para comparar depois com o trabalho dos eleitos.

HUGO NAPOLEÃO – No Brasil temos o hábito de nos inspirar em legislações estrangeiras. O voto proporcional, por exemplo, veio da Bélgica em 1893. A sublegenda foi adotada no Brasil como artifício para favorecer os antigos arenistas, aqueles que estavam apoiando o governo. Ela é proveniente do Uruguai, onde foi utilizada para a eleição de Pacheco Areco para presidente. Isso está no livro de Luís Viana Filho.

NEY PRADO – Esse embasamento teórico que você nos transmitiu é importante, mas é contraditório. O que gostaria de ouvir é como a política funciona em sua raiz. Para isso precisaríamos saber antes de mais nada para que serve o partido, em que medida atua e é vítima de uma baixa cultura política da própria sociedade brasileira.
A raiz de todos os nossos problemas é que o povo não tem condições de atuar politicamente segundo os padrões clássicos da democracia. Nosso passado sempre foi pendular, cíclico, de um lado o autoritarismo militar ou civil e de outro o populismo. As pessoas votam ou por desconhecimento ou por interesse pessoal. Por isso é muito difícil estabelecer listas classificatórias. Dadas essas circunstâncias, como é que um político poderia agir, senão da forma adotada até a presente data?

HUGO NAPOLEÃO – A situação a que se referiu Cláudio Lembo, o ato institucional nº 2, trouxe uma modificação completa e colocou adversários no mesmo lado. No Piauí, com a eleição de Petrônio Portella, fizemos as oposições coligadas juntando udenistas e pessedistas, mas conservamos nossas identidades. Mas na maioria dos estados brasileiros foi um desastre obrigar pessoas adversárias a conviver no mesmo partido. Talvez tenha vindo daí o mal da falta de identificação, e isso acentuou o pragmatismo atual, nunca visto antes no país. Caiu o nível do Congresso, tanto no Senado como na Câmara dos Deputados. Por isso, precisamos fazer mudanças que tragam um novo horizonte partidário. Enquanto não tivermos partidos sólidos, não teremos uma democracia verdadeira.

NEY PRADO – No governo de Jânio Quadros, fui guindado à chefia do gabinete do ministro do Trabalho, Francisco Castro Neves, e a mim foi dada a incumbência de filtrar todos os pedidos para os cargos públicos. O presidente tinha baixado um decreto que tornava sem efeito as nomeações dos últimos seis meses. Não obstante isso, os pedidos foram se multiplicando, para minha surpresa até de figuras exponenciais como Daniel Krieger, que vivia no gabinete e um dia me disse: “O governo vai muito mal graças ao senhor”. Perguntei: “Por quê, senador?” “Porque nós precisamos nomear alguém para a Previdência Social”. Certo dia, o ministro da Justiça, Pedroso Horta, me convocou para dizer: “Louvo sua vocação cívica, seu entusiasmo, mas graças ao senhor estamos tendo problemas no Congresso”. Quando ouvi isso concluí que estava no lugar errado. Depois veio a renúncia de Jânio, e o ato institucional nº 2 não teria acontecido se ele não tivesse renunciado. Sem um partido político que dê governabilidade o Executivo fica nesse processo pendular, procurando atender às partes que se conflitam.

LUIZ GORNSTEIN – Em 1989 você, o senador Edison Lobão e Marcondes Gadelha tentaram uma solução extrapartidária às vésperas da eleição para tirar o candidato Aureliano Chaves e colocar alguém de fora, ninguém menos que Sílvio Santos. Teria sido uma solução para o Brasil?

HUGO NAPOLEÃO – A ideia não foi de Edison Lobão, nem de Marcondes Gadelha, nem minha. Foi do próprio Aureliano Chaves. Isso foi registrado por Ricardo Noblat, em três ou quatro artigos que escreveu no “Jornal do Brasil” na época. Aureliano nos reuniu na casa do ministro João Alves Filho e disse: “Eu seria candidato se unisse o partido, tivesse o entusiasmo de Minas Gerais e se conseguisse angariar a simpatia popular. Os dois primeiros consegui razoavelmente, mas o terceiro não”. Então recomendou que fossem consultar Sílvio Santos, que aceitou. Foi candidato até que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] decidiu por unanimidade cancelar a candidatura, que estava ameaçando a de Fernando Collor de Mello, amplamente preferida.

ÁLVARO MORTARI – Não seria válido formar um colegiado de extrema competência para fazer a reforma política, sem a influência direta dos políticos? Outra questão: os mandatos não deveriam ser unificados? E a terceira pergunta é sobre a escolha do candidato. O senhor falou muito bem que faltam pessoas competentes para o Legislativo. Não seria válido termos uma espécie de exame, um vestibular, para que não houvesse candidatos analfabetos?

HUGO NAPOLEÃO – A ideia da comissão é válida, é boa, mas tudo terá de passar fatalmente pelo Legislativo. Quanto à coincidência das eleições, ela vem sendo defendida, porque hoje vota-se de dois em dois anos. Há quem seja favorável à eleição de quatro em quatro anos para tudo, mas outros acreditam que quanto mais eleições melhor para o país. Eu me incluo na primeira hipótese. Com relação à escolha, às vezes o candidato não está preparado, pode ser até praticamente analfabeto, mas é favorecido pela legislação. Isso é escolha popular. Se o povo quer, nos rendemos a isso.

OZIRES SILVA – Vejo o Brasil como um país de diagnósticos, em que se discute tudo e ficamos sempre no meio do caminho. Há uma distância muito grande entre a vontade da sociedade e a classe política. O mundo hoje é dos valores agregados que estão crescendo no mercado internacional e o Brasil está tentando pagar tudo isso com suas riquezas naturais. Estamos nos atrasando e o mundo não espera ninguém. Não quero ser catastrófico, mas o pedido que deveríamos fazer às autoridades e a todas as instituições é que parem as discussões e busquem soluções. Até o Egito está caminhando nessa direção, como a África do Sul, Angola. O mundo não está esperando que haja clima para reforma no Brasil. É urgente. Não vamos conseguir pagar nossas contas apenas exportando riquezas naturais.

HUGO NAPOLEÃO – De fato o que está faltando é compromisso com a nação. Temos de fazer a reforma, temos de forçar o clima para isso.

JOSEF BARAT – A insegurança que o país vive decorre hoje até de um conflito aberto entre os poderes. Faz parte da democracia a turbulência, mas não a desmoralização persistente do Judiciário e do Legislativo. Não que eles não façam por onde, mas é como se o Executivo colocasse toda a culpa das mazelas do país nesses dois poderes, eximindo-se da responsabilidade. Como é que você vê esse ambiente?

HUGO NAPOLEÃO – Preocupante. Há um trabalho de Marco Maciel que mostra o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo. Enquanto o primeiro debita ao Congresso a lentidão no complexo sistema de tomada de decisões, o segundo reclama do Executivo o uso imoderado e abusivo das medidas provisórias. O próprio Judiciário está legislando, suprindo aquilo que o Legislativo não vem fazendo. Vejo de maneira preocupante um Executivo cada vez mais senhor das ações.

MOACYR VAZ GUIMARÃES – Com referência às propostas atuais de reforma, sem considerar o mérito, sinto que têm sido inspiradas talvez em François de Malherbe, que cantou em verso a curta duração das rosas. Os projetos têm vida enquanto figuram no noticiário, depois são esquecidos e tudo volta ao ponto morto. Foi o que ocorreu com a reforma tributária, por exemplo. Tudo vai continuar como está.

ZEVI GHIVELDER – A lista fechada é característica do regime parlamentarista. É muito difícil conciliá-la com o presidencialismo. Num regime como o nosso e com o panorama atual dos partidos brasileiros, imaginem a briga de foice se tivéssemos de fazer uma lista fechada.

HUGO NAPOLEÃO – Sou presidencialista e concordo plenamente que a lista fechada é mais adequada ao parlamentarismo.

 

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