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Um bom negócio chamado turismo

Postado em 05/11/2008

País se prepara para a lucrativa atividade de receber visitantes

LILIANA LAVORATTI


Barco-hotel em Rondônia: diversificação de roteiros
Foto: Divulgação

A arquitetura de taipa de pilão, característica da ocupação do oeste paulista pelos bandeirantes, pode ser conhecida em seis cidades que integram um roteiro lançado em julho. Uma maquete a céu aberto, na cidade do Rio de Janeiro, feita a partir de uma brincadeira de adolescentes para retratar um complexo de favelas cariocas, virou ponto turístico. O vale do rio Guaporé, em Rondônia, onde a cultura brasileira se mistura à boliviana, é explorado num passeio de barco-hotel.

Essas são apenas algumas dentre dezenas de iniciativas que estão diversificando e interiorizando o turismo no Brasil, ampliando a atividade para além de atrativos como sol e mar, futebol e carnaval. E, à medida que deixa de depender de roteiros consolidados, o setor ganha sustentabilidade e peso na economia brasileira. “Nosso maior trunfo é a imensa riqueza natural e cultural, que oferece a brasileiros e estrangeiros a possibilidade de vivenciar várias experiências diferentes em um único país”, afirma Jeanine Pires, presidente da Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo, autarquia vinculada ao Ministério do Turismo.

Entre 2000 e 2005, a indústria do turismo cresceu 76% no Brasil. Em 2009, o setor não será afetado pela crise e deverá alcançar crescimento semelhante ao dos últimos anos, na faixa de 15%. Nada mal, quando a previsão para a atividade no mundo é de queda de 3,5% neste ano, conforme estudo do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês).

Os 50 ramos que compõem a indústria turística brasileira – hotelaria, gastronomia, agenciamento de viagens, transportes, entre outros – já respondem por 2,23% do PIB nacional e formam o quinto item da pauta de exportações (em que se enquadram as receitas relacionadas a entrada de moeda externa), segundo dados oficiais. Em 2008, os visitantes estrangeiros gastaram aqui US$ 5,785 bilhões, contra US$ 2,479 bilhões em 2003. Com os mais de 900 mil postos de trabalho gerados nos últimos anos, já são quase 6 milhões de trabalhadores empregados no setor.

Dois fatores alavancam a conta turismo: os investimentos diretos estrangeiros no setor e o avanço no segmento de eventos, segundo Francisco Américo Cassano, pesquisador de internacionalização de negócios da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Com a globalização e, em decorrência, o deslocamento de centros de produção industrial em torno do mundo, o setor terciário da economia passou a receber investimentos que antes iam para o secundário.

“Aqui esse processo ocorreu a partir de 1995, mas nos últimos cinco anos ficou perceptível na atividade turística”, completa o professor do Mackenzie. A região nordeste, onde as belezas naturais atraem portugueses, britânicos e espanhóis para grandes projetos hoteleiros e imobiliários, recebeu expressivo montante de recursos externos.

Mais recentemente, a conquista do status de grau de investimento pelo Brasil chamou a atenção de grandes grupos internacionais para as oportunidades de negócios. “Os projetos assumem características específicas das regiões. No nordeste, o sol durante todo o ano é a principal razão que leva os europeus a construir ali sua segunda residência. O Pantanal e a Amazônia ainda merecem ser mais bem examinados. Pela grandiosidade do território nacional, podemos esperar um novo fluxo de investimentos estrangeiros”, prevê Cassano.

O avanço do turismo de eventos é outro chamariz para os investidores. Embora novato nesse disputado mercado, há três anos o Brasil está entre os dez países que mais receberam eventos internacionais no mundo, superando destinos tradicionais, como Áustria, Holanda, Bélgica e Austrália. Segundo a Associação Internacional de Congressos e Convenções (ICCA, na sigla em inglês), o Brasil lidera o ranking na América Latina.

Em 2003, somente 22 cidades brasileiras se encaixavam nos critérios da ICCA, a maior entidade mundial do setor de eventos. Em 2008, esse número saltou para 45 cidades – Ouro Preto (MG) e Campinas (SP), entre outras, entraram no circuito antes dominado por São Paulo, Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu, Porto Alegre, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Florianópolis, Recife e Fortaleza.

Para sair na frente, as estratégias são as mais variadas. No Ceará, o governo está investindo R$ 350 milhões num moderno centro de convenções para disputar com o Anhembi, em São Paulo. Razões para isso não faltam: o gasto médio diário do turista estrangeiro de eventos no Brasil é de US$ 314,70, contra US$ 73,53 de quem vem ao país a lazer.

A diversificação dos pontos de chegada por via aérea também contribuiu para a ampliação dos destinos. Apesar de São Paulo e Rio de Janeiro ainda serem os polos de maior atração, os estrangeiros já dispõem de outras opções, de norte a sul. “Bonito, em Mato Grosso do Sul, algumas regiões do centro-oeste e do nordeste são exemplos dessa descentralização. Não só concordamos como apoiamos essa iniciativa, que resulta de várias políticas públicas”, afirma Álvaro Bezerra de Mello, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih).

Espiral de recursos

Nos últimos sete anos, os bancos oficiais liberaram mais de R$ 13 bilhões para investimentos e capital de giro a empresas de turismo – somente no ano passado, foram R$ 3,6 bilhões. A Caixa Econômica Federal, que nesse período desembolsou R$ 5 bilhões, inovou em maio ao financiar diretamente o turista em viagens dentro do Brasil. O Banco do Brasil aplicou R$ 7,4 bilhões; o Banco da Amazônia, outros R$ 263 milhões; o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), R$ 445 milhões; e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 412 milhões.

Esses recursos para o turismo tendem a aumentar com as oportunidades criadas pela Copa do Mundo de Futebol em 2014. O BNDES, por exemplo, prevê a concessão de R$ 250 milhões em crédito para reforma e construção de hotéis. Segundo o ministro do Turismo, Luiz Barreto, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) exige no mínimo 32 mil quartos de hotel para cada uma das 12 sedes.

A espiral das verbas para empreendimentos turísticos é evidente no nordeste, onde, de cinco anos para cá, o número de desembarques subiu 76,5% – acima, portanto, da média do país (51,7%). A capacidade instalada na rede hoteleira nas capitais nordestinas saltou de 49.299 unidades, em 2003, para 59.892 em 2008.

O BNB aprovou R$ 185 milhões para esses projetos no ano passado – valor 294% superior ao de 2007, segundo o gerente do Ambiente de Estudos, Pesquisas e Avaliação do banco, Biágio de Oliveira Mendes Júnior. A segunda fase do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur/NE II) conta com mais US$ 400 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de governos estaduais para elevar a qualidade de vida das populações locais, por meio da capacitação profissional e empresarial, urbanização e transporte, contribuindo para melhorar a infraestrutura turística da região.

Horizonte ampliado

Embora sol e praia ainda sejam a principal motivação dos visitantes estrangeiros, outros atrativos vêm ganhando fôlego. O ecoturismo, por exemplo, já é a segunda razão das viagens ao país. No ano passado, São Paulo sediou o Adventure Travel World Summit (ATWS), um dos maiores fóruns globais de turismo de aventura. “Foi a primeira vez que o evento aconteceu fora da América do Norte”, destaca a diretora do Departamento de Estruturação, Articulação e Ordenamento Turístico do Ministério do Turismo, Tânia Brizola. Além disso, o Brasil foi eleito neste ano pela “National Geographic Adventure” o melhor destino para apaixonados por esportes radicais.

Esses segmentos, somados aos de cultura e esportes, ampliam o espectro de interesses, permitindo ao turista ter uma visão abrangente da riqueza natural, histórica, cultural e econômica do povo brasileiro. A diversificação facilita ainda o desenvolvimento do turismo em lugares onde a atividade não era explorada ou existia timidamente. É o que acontece, por exemplo, em Morretes, pequena cidade entre a serra do Mar e o litoral paranaense, o terceiro destino turístico mais importante do estado, atrás apenas de Foz do Iguaçu e Curitiba. “Até alguns anos atrás, 70% de nossa economia era baseada na agricultura, agora 70% da população sobrevive do turismo”, afirma o secretário municipal de Turismo, Julio Cesar Cassilha.

A Calango Expedições, agência mais antiga de Morretes, recebe em torno de 115 grupos de 50 a 80 pessoas por ano, na maioria europeus que gostam de escalar a serra e passear de bicicleta nos vilarejos onde até hoje funcionam alambiques de cachaça dos tempos do Império. “No entanto, paranaenses também estão vindo cada vez mais passar o fim de semana para saborear nosso prato típico, o barreado”, diz Tiago Choinski, de 21 anos, um dos sócios da agência, referindo-se aos turistas que descem a serra pelo trem de luxo que cobre o trecho Curitiba-Morretes.

Para Gislaine e Sérgio Saraiva, proprietários da Ecoturismo Nova Vida, a falta da exuberância da Amazônia em Rondônia não é problema. O rio Guaporé, na fronteira com a Bolívia, virou roteiro de sete dias num barco-hotel. “Além da pesca, temos uma rica cultura nas comunidades locais, onde se misturam os hábitos brasileiros e bolivianos”, diz a empresária. Entre os clientes estão empresários paulistas, que compram a lotação completa (dez passageiros) para confraternização em grupo. O passeio custa R$ 1.750 por pessoa e já chama a atenção de vários operadores do sul. Com isso, o casal traça planos para levantar um financiamento de R$ 500 mil para adquirir um novo barco-hotel.

Outro roteiro que demonstra a diversidade da oferta turística foi lançado em julho por seis cidades vizinhas a São Paulo: o Circuito Taypa de Pilão, que mostra o patrimônio histórico tombado da Aldeia de Carapicuíba, de Barueri (Capela de Nossa Senhora da Escada), de Cotia (Sítios do Mandu e do Padre Inácio), de Santana do Parnaíba (Casa do Anhanguera), de Embu (centro histórico e Museu do Convento Jesuítico) e de São Roque (Sítio Santo Antônio). “Em três dias, é possível conhecer o DNA da formação de São Paulo e a cultura herdada de jesuítas, bandeirantes, caboclos e imigrantes”, assinala Sergio Barbi, secretário de Turismo de Embu, cidade onde vale a pena visitar também a tradicional feira de artes.

Agregar valor

“Visitar propriedades agroecológicas, agroindústrias familiares produtoras de uva e de vinho, além de ter contato com a cultura rural, as festas típicas e a gastronomia local são grandes atrativos para os visitantes. A oferta de produtos orgânicos e artesanais também é uma forma de agregar valor ao pacote turístico”, afirma Arnoldo de Campos, diretor de Geração de Renda e Agregação de Valor da Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Oferecer um suco de frutas da Amazônia, uma salada orgânica ou peças do artesanato regional são exemplos de como um hotel, um bar, um restaurante ou uma pousada podem faturar mais e gerar mais empregos. “Até mesmo a decoração, os utensílios e os brindes podem buscar esse tipo de diferencial”, acrescenta.

Desde 2003, o MDA aplicou R$ 5 milhões no Programa Nacional de Turismo Rural na Agricultura Familiar. Essa modalidade se divide em duas vertentes. Numa delas, o agricultor acolhe o visitante em sua propriedade, ao passo que a outra está associada à produção de doces, compotas e mel.

Há ainda o Programa Talentos do Brasil, que promove o artesanato focado em gestão participativa, como a confecção de roupas com matéria-prima extraída da natureza de forma sustentável, a exemplo da palha de buriti, do coco de babaçu e do couro de peixe. O estilista Renato Loureiro é um dos profissionais que participa do projeto e contribui no intercâmbio de diferentes saberes, durante oficinas realizadas com as artesãs. O projeto já marcou presença em eventos como Paralela Gift (em São Paulo), Capital Fashion Week (em Brasília) e Rock in Rio Lisboa.

Assim como as bordadeiras do Talentos melhoraram sua renda, a vida de muita gente humilde no Brasil está sendo transformada com o turismo de base comunitária. É o caso de Felipe Souza Dias, de 21 anos, um dos criadores da maquete de 300 metros quadrados, num bairro carioca, que virou ponto turístico e deu origem ao Projeto Morrinho. A ONG, uma das 50 iniciativas de base comunitária apoiadas pelo Ministério do Turismo, comemora a instalação da primeira pousada para receber os visitantes. “É incrível que em uma das cidades mais procuradas do Brasil, com tantas atrações, os turistas queiram se hospedar em nossa comunidade”, comenta Felipe, que em 1997 ajudou a construir a réplica de um complexo de favelas com 16 mil tijolos reciclados.

Estudante do segundo grau e orgulhoso de ter viajado sete vezes com a maquete em exposições pela Europa, Felipe sabe que o projeto mudou sua vida. “Se o Morrinho não tivesse acontecido, hoje eu seria empregado de uma firma de limpeza”, afirma.

O potencial do turismo como ferramenta de desenvolvimento local e regional já foi descoberto pelos gestores públicos. O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, recomenda aos 3,5 mil prefeitos filiados pegar carona nessa onda positiva e buscar parcerias públicas e privadas em novos investimentos no setor. “O retorno para os municípios é imenso. Além de aquecer a economia, gera empregos”, diz Ziulkoski.

Embora a cadeia turística comece a ser tratada no Brasil como uma atividade econômica de peso, que precisa de gestão, organização, infraestrutura e qualificação da mão de obra, ainda há muito a ser feito. “O grande desafio que o setor deverá enfrentar nos próximos anos é a qualificação. A formação anual de grandes contingentes de profissionais de nível superior infelizmente não significa excelência nesses ramos. É necessária uma política governamental forte voltada também à profissionalização no ensino médio, além de parcerias com a iniciativa privada”, afirma o professor Cassano, do Mackenzie.


Turismo com conteúdo social

O Serviço Social do Comércio (Sesc) de São Paulo desenvolve, desde 1948, um programa de turismo comunitário que contempla não só as expectativas dos usuários mas também os objetivos das comunidades visitadas, que se organizam para mostrar seu modo de vida e assim buscar inclusão social, por meio da geração de renda.

“A proposta é mais do que consumir o lugar visitado”, diz Flávia Roberta Costa, coordenadora do programa, que atende em torno de 75 mil comerciários por ano. Apenas o custo direto do pacote – hospedagem, alimentação e guia – é cobrado.

Embora a estabilidade econômica e o ingresso de parte das classes C e D no mercado do turismo tenham aumentado a demanda, o Sesc não pretende ampliar esses serviços. “Nossa meta é aprofundar os conteúdos, com roteiros que permitam um contato maior com as comunidades”, explica Flávia.

Quem vai a Guarapari (ES), por exemplo, conhece como são feitas as panelas de barro pelas artesãs locais. Outro diferencial são os guias – especialistas no tema envolvido. “Roteiros focados em temas históricos pedem um historiador ou um antropólogo, e o conteúdo do programa fica bem melhor que os comercializados no mercado”, comenta Flávia.

Da mesma forma, a colônia de férias que o Sesc mantém em Bertioga, no litoral norte paulista, serviu de modelo para centenas de equipamentos similares em todo o país. Seu maior mérito, entretanto, foi o de inserir o lazer no cotidiano dos trabalhadores numa época em que o tema era ignorado.

O turismo entra também no modelo educacional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de São Paulo, por meio do conceito hotel-escola. O projeto, do final dos anos 1960, hoje integra o Grande Hotel São Pedro, em Águas de São Pedro, e o Grande Hotel Campos do Jordão, na cidade de mesmo nome, ambos no interior paulista.

Esses empreendimentos aliam requinte e qualidade de atendimento à função pedagógica, colocando estudantes em situações reais de trabalho. Essa é uma receita que tem dado bons resultados – após o término do curso, a maioria dos alunos é contratada.

 

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