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Natureza Urbana

Postado em 22/12/2008


Mesmo no meio da selva de concreto e asfalto, as árvores de São Paulo resistem em sua beleza, e ainda desempenham papel essencial na qualidade de vida na metrópole
 

É uma espécie de resistência. Mesmo tendo sido preteridas em nome da “modernização” e do “progresso” de São Paulo, as árvores paulistanas lutam contra as duras condições de sobrevivência da metrópole: da poluição do ar e dos rios que cortam a cidade até a ocupação quase total do solo pelo concreto. Mas ainda bem que elas resistem.

Mais notadas durante a primavera, época em que ganham especial beleza com suas flores e frutos, as espécies encontradas nas ruas, nos parques e em outros espaços públicos e privados da capital não apenas melhoram a qualidade de vida no ambiente urbano, como também contam um pouco da história da cidade e de seus bairros.

A diversidade também surpreende – mais de 150 espécies – não sendo possível afirmar que exista uma árvore que seja a cara de São Paulo – ao menos não há nenhum tipo de deliberação oficial sobre o assunto, como acontece com a azaléia (Rhododendron indicum), transformada em flor-símbolo da cidade por meio da lei municipal 14.472, de 2007. Mas isso não significa que não existam especialistas com sugestões na ponta da língua. “A árvore-símbolo de São Paulo sempre foi o cambuci”, reivindica o engenheiro agrônomo Juscelino Nobuo Shiraki, da Escola Municipal de Jardinagem da Prefeitura de São Paulo. “É que isso é muito pouco divulgado.”

Se pode ou não ocupar o posto ainda não se sabe, mas há um fato em relação à Campomanesia phaea, nome científico da árvore, que merece a atenção de todos os paulistanos: o cambuci encontra-se atualmente quase em extinção na cidade. “Essa frutífera existe aqui desde a fundação da cidade”, explica Shiraki. Natural da Mata Atlântica, vegetação nativa de São Paulo, a árvore era vista em grande quantidade na capital paulista, principalmente nos arredores da Aclimação, do Ipiranga e, claro, do bairro que hoje conhecemos como Cambuci.

“Um dos primeiros [bairros] a ter registro oficial na cidade”, explica a desenhista industrial Juliana Gatti, idealizadora do Projeto Árvores Vivas, que visa à preservação das espécies no ambiente urbano. O cambuci, cujo fruto era utilizado pelos índios em infusão com aguardente, floresce de agosto a novembro.

O pinheiro – ou a Araucaria angustifolia – também poderia muito bem receber o título de árvore mais significativa de São Paulo. Motivo: segundo o dentista e botânico Ricardo Cardim, criador da Associação dos Amigos das Árvores de São Paulo, a espécie é “típica da vegetação original da cidade, usualmente mencionada pelos visitantes estrangeiros da antiga São Paulo de Piratininga”. E, assim como o cambuci, deu nome ao bairro de Pinheiros por ter sido encontrada em grande quantidade na região, mas atualmente também é quase inexistente. “Elas se estendiam por todo o Rio Pinheiros até a vertente dos morros onde hoje são as avenidas Cerro Corá, Heitor Penteado e Paulista”, explica Cardim.

Enquanto algumas espécies típicas, como o cambuci e o pinheiro, estão ameaçadas de desaparecer da cidade, outras árvores acabaram “imigrando” para a vegetação local. Uma delas é a tipuana (Tipuana tipu), que a ONG presidida por Cardim considera ?a árvore mais comum da cidade hoje. “Ela tem origem na Argentina e na Bolívia”, explica o especialista. “Foi plantada pela Companhia City [empresa inglesa de urbanização que começou a atuar em São Paulo no início do século 20]. É bem comum na Alameda Santos [na região da avenida Paulista]”, garante ele.

Outra árvore “estrangeira” que ficou popular em São Paulo foi o ficus (Ficus benjamina). Natural da Ásia e da Austrália, a espécie é bastante vendida em vasos como planta ornamental. Segundo a professora de engenharia florestal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Vera Lex Engel, por crescer muito rápido, o ficus pode se tornar um problema para a paisagem urbana. “Embora gere uma sombra densa e seja fácil de podar, suas raízes podem até estourar encanamentos nas ruas”, explica.

Há ainda inúmeros outros tipos de árvores, oriundos de vegetação nativa e “forasteiros”, que se destacam na paisagem da capital paulista. “Algumas delas são a quaresmeira (Tibouchina granulosa), o ipê-amarelo (Tabebuia serratifolia), a sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides) e o alecrim-de-campinas (Holocalyx balansae Micheli)”, diz Juscelino Shiraki. Em seu livro Árvores Ornamentais na Cidade de São Paulo (Terceiro Nome, 2000), a artista plástica Jean Irwin Smith aumenta a lista com a pata-de-vaca (Bauhinia variegata), o ipê-rosa (Tabebuia ipetiginosa) e o alfineiro (Ligustrum japonicum).

Utilidade

Mas, afinal de contas, por que é tão importante ter árvores na cidade? A resposta mais óbvia é aquela que aprendemos ainda na escola: as plantas são responsáveis por absorver gás carbônico – vilão dos tempos modernos, encontrado em excesso em locais com grande número de carros e outros agentes poluentes – e liberar oxigênio. Além disso, ao eliminarem vapor d’água na atmosfera, aumentam a umidade do ar, diminuindo malefícios causados por climas excessivamente secos e quentes. “Se você acessar mapas de temperatura da cidade, vai perceber claramente que a temperatura é mais amena onde existe vegetação”, informa Juliana Gatti, do Projeto Árvores Vivas.

Em entrevista à revista Viver Bem de janeiro de 2008, a engenheira agrônoma e paisagista Rosana Negreiros cita outros benefícios resultantes do plantio de árvores na cidade: amortecimento do som, atenuando a poluição sonora; limpeza do ar por meio da retenção de poeira e partículas do ar; controle de enchentes por meio da absorção da água proveniente das chuvas; manutenção da fauna silvestre; ação antimicrobiana, diminuindo o número de germes no ar. “Elas auxiliam até em aspectos psicológicos”, complementa o biólogo Marcos Silveira Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da USP. “Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos demonstrou que o índice de depressão é menor em cidades arborizadas.”

Atualmente, São Paulo está bem abaixo do ideal em termos de arborização. A avaliação é de Gregorio Ceccantini, professor do Instituto de Botânica da USP. “Se você comparar com os parâmetros propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – no mínimo, 12 metros quadrados de área verde por habitante –, a cidade deixa muito a desejar, com apenas 4 metros quadrados por habitante. Ou seja, 8 metros abaixo do recomendado”, explica.

Outro ponto importante é que, segundo o especialista, as árvores paulistanas estão mal distribuídas. “Pinheiros, Vila Madalena e Jardins, por exemplo, têm tantas árvores quanto cidades européias. Já se você estiver na Zona Leste, não vai encontrar nada”, alerta.


Mapa das Árvores
Exposição do Sesc Pompéia mostrou quais espécies podem ser encontradas no bairro
 
Árvores nas ruas, rios cortando o caminho, frutas tiradas do pé... Bairros com essas características eram comuns em São Paulo até meados dos anos de 1950, quando teve início o processo de urbanização que transformou a capital na quarta maior cidade do mundo. Dispostos a buscar paralelos e contradições entre passado e presente desse centro urbano, os artistas Diogo Rios e Milene Valentir recrutaram alunos da Escola Estadual Zuleika de Barros Martins, na Pompéia, para juntos mapearem as árvores do bairro. A empreitada desembocou no Mapa Xilográfico do Bairro da Pompéia, em exposição na unidade Pompéia de 4 de novembro a 16 de dezembro.

O projeto surgiu do desejo dos artistas em conhecer melhor o bairro da Pompéia, seus moradores e freqüentadores. “Queríamos estabelecer com eles uma relação mais próxima”, conta Regina Marques Magalhães, animadora cultural da unidade. “Para realizar essa idéia, pensamos num mapeamento que levasse características antropológicas e socioculturais.” A primeira fase do trabalho começou em junho do ano passado e consistiu em levar os alunos participantes a obter informações sobre o passado do bairro com base nas histórias contadas pelos moradores. Nesse processo, as informações captadas foram sendo completadas por fotos, recortes de jornal e outros objetos. “Nesse emaranhado de lembranças, foram determinantes os relatos acerca do cultivo de hortas e pomares na comunidade”, conta a animadora. “Iniciou-se, então, um aprofundamento na história da urbanização do bairro da Pompéia, mediante uma relação com as árvores sobreviventes.”

Na segunda fase, os estudantes tiveram contato com a xilogravura (foto) – técnica de fazer gravuras em relevo sobre madeira – para adquirirem os meios de registrar os troncos de árvores cortadas. Foi, então, realizado o mapeamento. Por fim, montou-se uma exposição com o material coletado e produzido. “O formato consistiu na transformação dos corredores do galpão das Oficinas de Criatividade do Sesc Pompéia em ruas e avenidas do bairro, de acordo com o mapeamento”, diz Regina. Houve ainda uma etapa extra, realizada na escola dos alunos, em que os estudantes montaram em uma sala de aula um espaço cenográfico calcado no conteúdo da mostra e trocaram experiências sobre o projeto.

 


As Dez Mais
Os tipos mais comuns de árvores em São Paulo


Tipuana (Tipuana tipu) – Nativa da Bolívia e da Argentina. Foi muito plantada na cidade entre as décadas de 1940 e 1980.

Ficus (Ficus benjamina) – Nativa do sudeste asiático, tornou-se popular na cidade nas duas últimas décadas.

Alfineiro (Ligustrum japonicum) – Oriunda do Japão, tem hábito ordenado de crescimento, sendo uma boa opção para calçadas.

Jerivá (Syagrus romanzoffiana) – Típica das matas originais de São Paulo, é plantada na cidade desde os tempos coloniais.

Sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides) – Nativa da Mata Atlântica do Rio de Janeiro, é vista em São Paulo desde 1940.

Pau-ferro (Caesalpinia ferrea) – Trazida do Nordeste brasileiro, está na cidade desde o início do século 20. Jacarandá-mimoso (Jacaranda mimosaefolia) – Argentina, é plantada em São Paulo desde o começo do século 20. Tem flores da cor lilás e, no inverno, perde todas as suas folhas. As raízes crescem para baixo, não prejudicando o calçamento.

Ipê-de-El Salvador (Tabebuia heterophylla) – Como o nome diz, é nativa da América Central. Tornou-se mais popular nos últimos 30 anos.

Resedá (Lagerstroemia indica) – Nativa do sudeste asiático, existe na cidade desde a década de 20.

Quaresmeira (Tibouchina granulosa) – Oriunda da Serra do Mar, é bastante comum no bairro da Aclimação.




 

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