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O melhor remédio ainda é a prevenção

Postado em 07/05/2008

Apesar das disparidades, o Brasil se destaca na luta contra o câncer

LÚCIA NASCIMENTO


Arte PB

Os brasileiros estão vivendo cada vez mais. A expectativa de vida passou de 67 para 72,5 anos entre 1991 e 2007, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o envelhecimento, aumentam os casos de doenças crônicas degenerativas, entre as quais se destaca o câncer, já que a exposição a fatores de risco – sedentarismo, alimentação inadequada, alcoolismo, fumo, poluição e até alguns vírus – aumenta durante a vida.

Em 2009, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), devem aparecer 466.730 novos casos no país. Estima-se que em 2020 o número chegue a 15 milhões em todo o mundo. Porém, isso não significa que haverá mais mortes pela doença que nos anos anteriores. "O número de pessoas com câncer tem aumentado no planeta, mas o de óbitos não foi alterado. Isso mostra que houve avanço no tratamento e mais pacientes são curados", diz Paulo Vicente de Oliveira Lima, chefe do Departamento de Mama do Hospital de Câncer de Pernambuco.

Não há segredo nessa fórmula. Já em 1933, em uma série de textos publicados no jornal "O Estado de S. Paulo", o médico Antônio Prudente – um dos patronos do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo – afirmou que o câncer "é uma moléstia de perfeita curabilidade quando tratada a tempo. Os fatores essenciais para o sucesso são a educação do povo e o diagnóstico precoce".

Hoje, os tipos de maior incidência no Brasil são os de pele, de próstata, de mama, de colo do útero e de pulmão. Por esse motivo, campanhas de alcance nacional – como as caminhadas anuais contra o tumor de mama, promovidas pelo Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), e os alertas contra o cigarro feitos pelo Ministério da Saúde – são tão importantes. Além disso, a preparação dos médicos para reconhecer a doença é fundamental, como mostra uma iniciativa que vem sendo implantada em Pernambuco. "Estamos realizando diversas aulas para mais de cem funcionários da área da saúde em todo o interior do estado. O objetivo é fazer com que se atualizem sobre a doença, conheçam os sintomas, as formas de diagnóstico e saibam tratar os doentes, além de conscientizá-los sobre a importância de fazer os exames preventivos", afirma Paulo Vicente.

Educação do povo

Há um esforço para que os números do país sejam, de fato, apenas relativos a diagnósticos e não a casos de pessoas que faleceram devido ao tumor. "Sabemos, porém, que demora cerca de seis meses para uma pessoa ter diagnosticado o câncer no posto de saúde e ser encaminhada a um centro de referência como o Hospital A. C. Camargo", diz Carlos Jorge Lotfi, superintendente de operações do hospital. "Imagine um profissional que está acostumado a trabalhar na rede básica, atendendo pacientes com gripe e diarreia, ter de diagnosticar um câncer... Ele demora a fazer isso. Se em São Paulo leva seis meses, pense como é no restante do país."

Da mesma maneira, a preparação da população para reconhecer a doença é importante. Infelizmente, o quadro não é mesmo dos mais animadores quando saímos das grandes capitais. Assim nos mostra a história de dona Maria (nome fictício), que tem câncer de colo do útero. Ela mora em Penalva, uma cidadezinha do interior do Maranhão, a 255 quilômetros de São Luís. Em uma consulta médica esporádica, realizada pelo pessoal da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em uma viagem pelo país, ela relatou ter um sangramento frequente havia mais de um ano. A médica que a examinava percebeu na hora: o estágio da doença era avançado e não havia muito mais o que fazer. A "educação do povo" e o "diagnóstico precoce", preconizados por Antônio Prudente, não são realidade em todo o país.

Se soubesse que um exame simples é capaz de identificar em tempo esse tipo de doença, talvez dona Maria tivesse algo diferente para contar. "É preciso uma mudança cultural", afirma Carlos Jorge. Afinal, só assim "a população perderá o medo de enfrentar o problema."

Descoberto cedo, o câncer do colo do útero é o que apresenta um dos mais altos potenciais de cura, chegando perto de 100%. Aproximadamente 500 mil novos casos desse tipo são descobertos por ano no mundo, com cerca de 230 mil mortes de mulheres. A taxa é altíssima, tendo em vista que o tratamento poderia salvar praticamente todas as vidas. Em países desenvolvidos, a sobrevida média, após cinco anos, varia de 59% a 69%. Porém, segundo dados do Inca, nos países em desenvolvimento – incluindo o Brasil –, os casos são encontrados em estágio relativamente avançado, e esse índice é de cerca de 49%.

Diagnóstico

Diante dessas dificuldades, alternativas interessantes têm surgido no Brasil. Uma delas, no estado de São Paulo, consiste nas unidades móveis de prevenção, criadas pelo Hospital de Câncer de Barretos em 2002. Elas nada mais são do que ônibus e carretas adaptados para comportar mamógrafos e outros aparelhos usados na identificação de alguns tipos da doença.

"As unidades móveis fazem parte da rotina do sistema de saúde da Europa e dos Estados Unidos, mas infelizmente a única instituição que atua dessa maneira aqui é o Hospital de Câncer de Barretos", lamenta seu diretor técnico, Edmundo Mauad.

O que torna a iniciativa ainda mais atraente é que ela não se restringe a Barretos, abrangendo também outras cidades, dentro e fora do estado. Como o foco do atendimento é a população carente, alcançando regiões de difícil acesso, é importante para evitar que alguns tipos simples da doença cheguem a estágios em que o tratamento não funciona mais. Atualmente há cinco carretas em operação, com equipamentos para a detecção de câncer de mama, de próstata, de pele e de colo uterino.

Outra proposta que vem se mostrando bem-sucedida surgiu da união entre o Núcleo de Oncologia da Bahia e o Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. "Trata-se de um convênio para o fornecimento de segunda opinião no diagnóstico pelos médicos do Sírio. A importância dessa parceria é a possibilidade de oferecermos aos pacientes uma discussão ampla com profissionais renomados", afirma Clarissa Mathias, oncologista clínica do Núcleo.

"O programa Rede Nacional de Segunda Opinião via Telemedicina abarca todo o Brasil e atualmente inclui 14 clínicas e hospitais de vários estados, além da Bahia. Seu grande valor é permitir uma segunda opinião mais rápida, evitando a necessidade de o paciente viajar para um centro de tratamento em São Paulo", explica Antonio Carlos Buzaid, diretor-geral do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.

Tratamento

Para que os índices de cura realmente melhorem, no entanto, é preciso mais que um diagnóstico bem-feito. "Em termos de incidência, o Brasil está no mesmo nível de países desenvolvidos, em que a doença tem uma importância muito grande na mortalidade da população. Sabemos que é possível aumentar a expectativa de vida ou mesmo diminuir a mortalidade em algumas situações, mas isso depende de um conjunto de fatores que une diagnóstico precoce e tratamento adequado", enfatiza Maria del Pilar Estevez Diz, coordenadora do ambulatório de oncologia clínica do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

Pouco antes de o câncer de dona Maria ser diagnosticado, o vice-presidente do país, José Alencar, também tomou conhecimento de que estava com a doença pela segunda vez. Em 1997, durante um check-up, ele havia descoberto ter um tumor no rim direito e outro no estômago. Tratado logo no início, em São Paulo, por alguns dos melhores oncologistas da América Latina, recuperou-se em ambas as ocasiões.

A diferença entre a história do vice-presidente e a de dona Maria está exatamente na dobradinha diagnóstico e tratamento, com ênfase na rapidez entre um e outro. "Hoje se diagnostica mais cedo em muitos casos, mas não conseguimos oferecer atendimento pleno à população", afirma Carlos Jorge. Apesar de os gastos do governo brasileiro com tratamento oncológico terem saltado de R$ 570 milhões em 2000 para R$ 1,1 bilhão em 2005, "existem determinados tipos de câncer que não apresentam sintomas. Então, mesmo que haja a educação do povo – e que se fique alerta –, pode surgir um tumor em estágio mais avançado", acrescenta ele.

É por isso que a busca por técnicas de ponta e tratamentos menos invasivos cresceu nos últimos anos. Esse é o princípio que tem levado às chamadas terapias-alvo. "Há certos antígenos no tumor e, se fizermos um medicamento contra esses antígenos, seu efeito se limitará às células cancerígenas", explica Carlos Jorge. "O grande problema da quimioterapia é que ela ataca as células normais também. O paciente perde cabelo, fica com o intestino lesado... Tudo porque recebeu um remédio para tratar o tumor e essa substância afetou também outras áreas. Por isso, é importante encontrar drogas específicas", completa.

As terapias-alvo são as mais modernas técnicas na luta contra o câncer. Muitas, porém, ainda não têm resultados garantidos e, em geral, seus preços são elevadíssimos. Mesmo com toda a expectativa que existe em torno delas, ainda não há uma que seja capaz de curar todos os afetados por um mesmo tipo de câncer. De qualquer maneira, acredita-se que o futuro do tratamento esteja exatamente na individualização, ou seja, em atacar, em cada paciente, exclusivamente as células com disfunções, preservando todas as outras.

Associações

O tratamento do câncer, como se conhece hoje, se dá em três níveis: cirurgia, quimioterapia e radioterapia. A associação entre elas, de diferentes maneiras, tem trazido bons resultados aos pacientes. Uma das técnicas mais recentes, surgida nos Estados Unidos há mais ou menos cinco anos, é a quimioterapia intraperitoneal logo após a cirurgia, "a mesma que foi feita no vice-presidente da República", lembra Carlos Jorge. A diferença dessa para a quimioterapia clássica é que ela permite maior concentração do medicamento no tumor, causando, assim, menores efeitos colaterais – já que não ataca tantas células saudáveis.

O especialista afirma ainda que "existe também uma técnica em que o médico isola o membro com o tumor – seja braço, seja perna – e faz as drogas circularem apenas nos vasos sanguíneos daquela região. Ela é conhecida como isolamento por quimio".

As técnicas cirúrgicas também podem melhorar quando associadas a outras. Por exemplo, fazer a radioterapia durante a operação. Em vez de o paciente se submeter a dez sessões depois da cirurgia, os médicos aproveitam o fato de o local do tumor estar exposto para liberar a radiação diretamente sobre ele, de uma só vez. "É um avanço das associações", diz Carlos Jorge.

Na radioterapia, ainda, surgiram há cerca de 15 anos as técnicas conformacionais, atualmente usadas em grandes centros de tratamento. Recursos de computação permitem limitar a radiação emitida pelo aparelho de radioterapia às dimensões do tumor. Desse modo, menos células saudáveis são afetadas, diferentemente do que ocorria antes. "Todas essas técnicas estão aparecendo principalmente nos Estados Unidos. O ponto positivo do Brasil é estar alerta e trazê-las para cá. Se há alguma adaptação brasileira, não sei dizer. Mas, a princípio, posso afirmar que o país avança muito mais no diagnóstico e na indústria química do que nessa área", explica Carlos Jorge.

Banco de futuro

O problema, entretanto – tanto no diagnóstico quanto no tratamento –, é que os tumores nunca são exatamente iguais de uma pessoa para outra. Além disso, dois pacientes nunca reagem da mesma maneira a determinado medicamento. Daí a importância de catalogar o máximo possível de variações que cada tipo apresente, para facilitar seu reconhecimento e possível tratamento.

Em meio a essas dificuldades, uma boa notícia: o expressivo porte do banco de tumores brasileiro, o maior da América Latina. Uma parceria entre o A. C. Camargo e o Hospital de Câncer de Barretos, assinada no segundo semestre de 2008, resultou na catalogação de 25 mil amostras. Com a unificação dos bancos das duas instituições, Barretos passou a fazer parte do Grupo Brasileiro de Estudos de Tumores Hereditários, que tem por finalidade aperfeiçoar o ensino e a pesquisa dos cânceres que passam de uma geração a outra da mesma família. Fundado em 2003 e incluindo ainda pesquisadores da Argentina, do Uruguai e da Colômbia, o grupo é a maior rede sul-americana de estudo de mutações genéticas.

As conclusões tiradas dos bancos, assim como de outros estudos e pesquisas, darão origem a protocolos de tratamento – listas de medicamentos e terapias considerados válidos pelos profissionais e pelas agências de regulação de cada país. Atualmente há mais de cem doenças que são chamadas de câncer e para cada uma delas existe um desses protocolos. São eles que dão um norte para os médicos, já que, apesar de não haver dois tumores idênticos, é possível dividi-los em grupos que acabam reagindo melhor a um dos tratamentos conhecidos.

A catalogação deve ganhar força também com o avanço do banco de tumores do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira – que acaba de completar um ano de atividades e já é visto como um centro de pesquisa de referência na área. Esse trabalho talvez venha a permitir até que o Brasil desenvolva (ou ajude outros países nessa tarefa) agentes específicos para atacar os tumores de cada um dos pacientes nos próximos anos.

Prevenção

Enquanto a cura universal não chega, há maneiras de se manter longe da moléstia. Nesse assunto, a velha máxima "é melhor prevenir que remediar" é totalmente válida. "A prevenção primária do câncer é possível, já que apenas 10% dos casos têm origem genética. A maior parte encontra-se relacionada à exposição prolongada a elementos carcinogênicos, como o tabaco, a luz solar em excesso, o álcool, as infecções virais (como o HPV) ou fatores hormonais e dietéticos (obesidade)", explica Edmundo Mauad.

Nessa etapa, manter hábitos alimentares saudáveis é o principal. Já nos primeiros estudos sobre o assunto, na década de 1960, afirmava-se que uma alimentação rica em fibras é capaz de prevenir o câncer de intestino, por exemplo. De lá para cá muitas outras pesquisas demonstraram que uma dieta variada, composta de alimentos orgânicos, pode ajudar na prevenção. Por outro lado, também tem se chegado a conclusões que mostram que o maior consumo de comida industrializada é uma das principais causas de doenças crônicas degenerativas.

"Com hábitos saudáveis, tanto os indivíduos predispostos geneticamente quanto os que não têm alterações cromossômicas suscetíveis à doença se beneficiam. Isso porque alguns compostos presentes nos alimentos naturais têm propriedades antioxidantes, que protegem as células do ataque dos elementos degenerativos que causam câncer", diz a nutricionista Katia Gavranich Camargo. Algumas outras medidas são bastante conhecidas: parar de fumar, reduzir o consumo de álcool, evitar viver em cidades muito poluídas e colocar o corpo em movimento.

As vacinas também são vistas como forma de prevenção no futuro, embora com restrições. "Tanto a feita para hepatite B quanto aquela para o HPV – que já estão sendo utilizadas – mostraram resultados positivos em estudos. Entretanto, se o paciente tiver influência genética, pode ter câncer mesmo após ter tomado a vacina. De qualquer maneira, elas podem ser coadjuvantes na redução de casos da doença entre a população", afirma Carlos Jorge. "As vacinas vão resolver o câncer? Não, mas são um bom caminho a seguir", conclui.


Quando aparece na infância

Em janeiro deste ano, uma notícia comoveu o país. Em meio às chuvas torrenciais em São Paulo, Jéssica, de oito meses, precisou ser resgatada por um helicóptero da Polícia Militar. Ela viajava de Minas Gerais para São Paulo, e a ambulância onde estava ficou presa em um alagamento na entrada da cidade. Seu destino era o Hospital A. C. Camargo, o único da América Latina que poderia dar a ela o tratamento de que precisava: um transplante. Seu problema era um tipo raro de câncer, que acaba fazendo com que o fígado perca suas funções. Infelizmente, ela não sobreviveu o tempo necessário para que o tratamento fosse efetivado.

Apesar de o câncer ser visto, principalmente, como uma doença do envelhecimento, ele não escolhe idade para ocorrer. Na infância, porém, os tumores têm outro perfil. Afinal, poucos se devem à mutação de células ao longo da vida, estando mais associados a fatores genéticos. "Leucemias, linfomas e tumores do sistema nervoso central são os mais frequentes", explica Algemir Brunetto, chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica e presidente do Instituto do Câncer Infantil do Rio Grande do Sul.

Mesmo assim, os prognósticos não são ruins. "A atuação conjunta do instituto e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, por exemplo, fez do nosso trabalho uma referência no tratamento do câncer na América Latina, com índice de cura de 70% das crianças atendidas", explica Algemir. Apenas no estado, 300 novos casos da moléstia infantil são registrados por ano.

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