Postado em 15/04/2009
Intimidade no século 21
Tanto a internet, com seus sites de relacionamento, de postagem de vídeos, e com os blogs, quanto a TV, que agora vive a era dos reality shows, têm causado um curioso impacto no conceito de intimidade nos novos tempos. Teria a vida privada das pessoas se tornado pública, acessível num clique no computador ou no controle remoto da televisão? Quem responde essa pergunta é a doutora em comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha) e professora do mestrado em TV Digital da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Cosette Castro, autora do livro Por que os Reality Shows Seduzem as Audiências? (Paulus, 2006), e a jornalista e autora do livro Blog: Comunicação e Escrita Íntima na Internet (Civilização Brasileira, 2004).
Blog: o discurso privado para um público de desconhecidos
por Denise Schittine
Em fins dos anos de 1990, surgia uma ferramenta que parecia ser mais uma inovação de vida curta na internet: o blog. Ao mesmo tempo, crescia um fenômeno singular do nosso século: o interesse público pela vida privada. No ano de 1998, os arquitetos Arturo Torres e Jorge Cristi desenvolviam, com a subvenção do governo chileno, um projeto artístico, o Nautilus. A ideia era discutir as tensões entre público e privado por meio da construção de uma casa de vidro. Só no início de 2001, o Nautilus foi colocado em prática com a contribuição da atriz Daniela Tobar, que aceitou o desafio de ficar durante dois meses expondo a sua intimidade numa das principais ruas de Santiago do Chile.
Quase dez anos depois, a mesma experiência se repete com a casa de vidro instalada no shopping Via Parque para o programa Big Brother Brasil. O interesse do público não arrefeceu. O mesmo impulso que levou aquelas pessoas a causarem engarrafamento na rua Moneda, no Chile, fez com que elas enchessem o shopping carioca.
Essa curiosidade é a mesma que alimenta os programas de televisão e as revistas de fofoca. Nada escapa desses olhos perscrutadores: a vida dos políticos, o casamento das celebridades e o cotidiano dos vizinhos. O interesse foi migrando aos poucos do ato de observar a vida e os passos de pessoas conhecidas para fazer o mesmo com anônimos.
Os blogs apareceram aí: exatamente nesse meio-termo entre a vida pública e a privada. O mundo assistia ao vivo ao desdobramento do caso de Bill Clinton e da estagiária Monica Lewinsky, mas queria mais, queria algo distinto do que os meios tradicionais de comunicação podiam dar. O público já não estava mais interessado somente no que era possível ser encenado pelas celebridades, mas no que podia ser encenado por pessoas comuns. O blog era a ponta do iceberg deste enorme fenômeno submerso: sob a proteção corriqueira de uma página pessoal na internet, escondia-se o desejo de um escritor opinar sobre os acontecimentos que via sem precisar mostrar a cara. Do outro lado, aparecia um público, crescente, disposto a ler sobre essas opiniões.
Era uma intimidade assustadora, que só era possível porque era mediada pela tela opaca de um computador. O blogueiro colocava o seu texto numa rede infinita e era observado, ao mesmo tempo, por uma série de leitores. O texto não tinha o aval de um editor para ser publicado, mas agora contava com a avaliação direta do leitor. É ele quem vai apontar os erros, as impropriedades e as novas necessidades de leitura. A estrutura privada e individual do texto passa a receber influências exteriores que não são apenas as do próprio autor. Ele pode operar mudando ou não o próprio texto de acordo com as sugestões externas. É a primeira vez (nos blogs que aceitam comentários, claro) que é permitida a escrita coletiva, forjada a quatro, oito ou mais mãos. Avanço que talvez não fosse possível se o computador não gerasse a distância física entre quem escreve e quem lê.
Claro, mais do que isso, a expectativa de vida de um blog cresce em relação ao número de leitores que ele arrebanha. Um blog sem leitura, sem comentários, sem manipulação diária é um blog morto. Para se adequar às necessidades dos leitores, os blogueiros precisam encontrar o seu público-alvo. Nestes dez anos, apareceram cada vez mais blogs sobre os assuntos mais variados, cobrindo vários nichos. Desde aqueles escritos por políticos, para levar a cabo as próprias candidaturas e linhas partidárias, até os jornalísticos, chegando finalmente aos mais literários e poéticos. Cinema, teatro, televisão, cultura ou acontecimentos polêmicos cotidianos são apenas alguns dos segmentos que possuem blogs especializados.
Aos poucos, esse grupo de internautas foi conquistando um lugar antes impensado. Em 2005, Garret Graff foi o primeiro repórter de blog a obter um credenciamento para participar das coletivas diárias de imprensa na Casa Branca. Os principais sites de notícia (CNN, BBC e Fox News) se tornaram tão lentos com o número de acessos no atentado de 11 de setembro, que os blogs fizeram o trabalho complementar de noticiar o que estava acontecendo. Esses “repórteres anônimos” estavam por toda parte, escrevendo textos impressionistas sobre o que viram e que reações tiveram. Os leitores se envolviam, comentavam, participavam de seus blogs e de suas vidas.
Por mais que a maioria dos blogueiros preferisse associar a própria escrita à jornalística, o discurso do blog é híbrido: jornalístico, mas também íntimo; factual, com toques de emocional; imparcial e ao mesmo tempo literário. Essas forças, aparentemente antagônicas, existem no blog exatamente por conta da tensão entre o público e o privado. A tentativa de imparcialidade é suplantada por um desejo enorme de opinião. E o que é a opinião senão uma maneira de falar de si mesmo? Cada vez que um blogueiro escreve suas impressões sobre um tema, seja ele político, econômico ou cultural, ele está falando um pouco de si mesmo, contando uma parte de sua história. É quando, surpreendentemente, a escrita do blog se associa à escrita íntima.
Dessa forma, assim como o e-mail é o novo tipo de troca de correspondência, e os chats, os novos “lugares” para bater papo, o blog aparecia como uma revisão do diário íntimo. A periodicidade (exigência dos posts diários) e o texto personalizado fazem do blog um descendente direto do diário íntimo. Mas a disponibilização do texto na rede e o fato de ter leitores distanciam bastante o blog das noções de intimidade que conhecemos até hoje. O diário, como objeto fechado e escondido, dono de um conteúdo secreto sobre o seu autor, não se parecia em nada com essa ferramenta virtual que possibilitava partilhar opiniões e segredos mais íntimos de um autor com um público de desconhecidos.
A resposta para esse paradoxo estava clara: a internet possibilitava novas formas de negociação da intimidade. Com a tela opaca do computador entre o autor e o leitor, era possível para o primeiro escrever coisas que anteriormente só partilharia consigo mesmo e, para o segundo, mostrar o real interesse por essas coisas. A conexão tão esperada pelo antigo diário íntimo se faz: o texto, guardado, escondido à espera de um leitor que o descubra, se revela a esse leitor. A internet deu os meios e a coragem para esses blogueiros ou “diaristas virtuais” exporem suas intimidades literárias a um público de desconhecidos. E, pasmem, deu certo. Cada blog foi encontrando, ao poucos, os seus leitores pares.
Restavam apenas duas perguntas: por que tantas pessoas estão dispostas a blogar? Por que um outro grupo está interessado em ler esse conteúdo? A principal resposta para um interesse público em um universo de caráter privado é o espelhamento. Quem escreve busca uma maneira de definir-se: a narração e a escrita sempre foram as principais ferramentas que o homem usou a vida inteira para entender a si mesmo. Mas tudo o que é falado ou escrito supõe uma leitura. Buscar o outro, sua análise e suas respostas é fundamental. Mais do que isso, quando encontramos no outro um espelho, alguém que compartilhe as opiniões e os desejos que nós mesmos temos, a busca parece completa. A internet possibilitou, por meio dos blogs, o encontro desse espelho sem a difícil prova do enfrentamento face a face. Uma vez vencida essa etapa no terreno virtual, cabe às duas faces espelhadas decidirem se querem partilhar um encontro real.
“Cada vez que um blogueiro escreve suas impressões sobre um tema (...), ele está falando um pouco de si mesmo, contando uma parte de sua história. É quando, surpreendentemente, a escrita do blog se associa à escrita íntima”
Quando a vida privada se torna pública
por Cosette Castro
Muita gente pensa que a curiosidade pela vida alheia é um
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“Embora o voyeurismo e o exibicionismo (gostar de se mostrar) existam há muito tempo, é possível afirmar que a chegada de diferentes tecnologias, como a TV, os computadores com internet e mesmo os celulares, tornou públicas situações antes restritas ao campo privado”