Postado em 01/11/1999
Brasil ocupa o quarto lugar em número de tuberculosos
Atuberculose já foi tida como doença romântica, que acometia poetas e boêmios. Hoje, porém, a tísica, como também costumava ser chamada, perdeu seu "charme" e passou a ser considerada doença social, pois a miséria e a falta de higiene estão entre os principais fatores de sua disseminação. E o Brasil está entre os países mais afetados. Segundo relatório divulgado em julho pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), os cerca de 85 mil casos notificados ao ano, com aproximadamente 6 mil óbitos, colocam o país num incômodo quarto lugar no mundo em número de registros, atrás apenas de Índia, China e Filipinas.
Em 1997, um levantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 212 países revelou que a tuberculose é a principal causa de morte de mulheres jovens no Terceiro Mundo e que a maior concentração da doença está na Ásia e na África. Segundo estimativas da OMS, um terço da população mundial está infectada pelo bacilo de Koch, o que levou a entidade a considerar a moléstia uma emergência global.
A tuberculose é causada pelo agente Mycobacterium tuberculosis, também conhecido como bacilo de Koch. Os sintomas são tosse com escarro por mais de quatro semanas, falta de apetite, emagrecimento, dor no peito, suores noturnos, cansaço freqüente e febre baixa, principalmente à tarde.
A doença ataca geralmente os pulmões e pode ser curada em 95% dos casos, desde que cuidada de forma correta. E já no 15o dia de tratamento o paciente não transmite mais a doença, apesar de ainda não estar curado.
A prevenção pode ser feita até a idade de até 4 anos, com a vacina BCG, cuja ação é eficaz por cerca de 12 anos. Nas crianças, a vacina não impede que o organismo se infecte, mas dá condições ao sistema imunológico de evitar o desenvolvimento da doença, ao passo que nas formas detectadas em adultos não tem nenhuma eficácia.
A contaminação se dá pelo ar, agravada por fatores sociais como a precariedade das condições de vida miséria e desnutrição e a Aids, explica Olavo Henrique Munhoz, coordenador do Ambulatório de Tuberculose do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Tanto é assim que os presídios, ambientes que reúnem todas essas características, são um prato cheio para a disseminação da doença. Uma pesquisa realizada entre 1993 e 1994 na Casa de Detenção de São Paulo, do complexo penitenciário do Carandiru, constatou que entre os encarcerados a incidência de tuberculose é 50 vezes maior do que na população em geral.
Mas fora dos presídios a situação também não é boa. As deficiências de atendimento no país contribuem para agravar o quadro de endemia da moléstia. Jorge Barros Afiune, diretor do Instituto Clemente Ferreira, uma das principais referências ambulatoriais do estado de São Paulo, explica que "a inconstância na distribuição gratuita de medicamentos aos pacientes e a falta de profissionais bem treinados comprometem o diagnóstico precoce e a eficácia do tratamento".
Segundo Antonio Ruffino Netto, coordenador Nacional de Epidemiologia Sanitária do Ministério da Saúde, são feitos anualmente no país apenas 270 mil exames para diagnóstico do bacilo. Mas é necessário um esforço bem maior. Ruffino informa que, além dos registros constatados, há aproximadamente 45 mil doentes não identificados pelo sistema de saúde. "São pessoas que, por não saberem que sofrem da doença, não estão sendo tratadas e, conseqüentemente, espalham o bacilo, provocando novas contaminações", diz Ruffino.
Bonificações
Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os que apresentam maior incidência de tuberculose no país e, juntos, respondem por 40% do total de doentes identificados. Em números absolutos, São Paulo é o mais atingido. A diretora da Divisão de Tuberculose do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde, Vera Galesi, informa que são 18 mil novos registros por ano, além de 2 mil reincidências. Segundo ela, o grupo com mais infectados é o de adultos com idade entre 20 e 49 anos.
Apesar dos números elevados, Vera Galesi diz que a estimativa dos casos desconhecidos no estado é de 20%, e uma das principais metas do Centro de Vigilância Epidemiológica é identificar esses doentes e tratá-los. "Mas não é fácil, pois não dispomos de estrutura suficiente e os recursos nessa área são pulverizados. As cidades do interior, onde houve a municipalização da saúde, têm conseguido melhores resultados."
Para atacar o problema, em março deste ano o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Controle da Tuberculose, que oferece bonificações às unidades de saúde pública para cada caso diagnosticado, tratado e que apresente cura comprovada. No caso de tratamento administrado pelo próprio paciente, o bônus é de R$ 100 por cura, e de R$ 150 quando supervisionado. A supervisão, recomendada pela OMS, visa evitar interrupções no tratamento que dura em média seis meses até a cura completa e assim impedir que o bacilo se torne resistente aos medicamentos.
A recomendação tem alvo certo. Segundo Ruffino, "14% do total de pacientes deixam de tomar a medicação após duas ou três semanas, porque se sentem melhor e julgam-se curados".
Vítima do descuido
O relato da dona de casa Denise Bastos Lemes Dias ilustra a dificuldade imposta por uma interrupção no tratamento. Em 1981, após diagnosticada a tuberculose, Denise iniciou o tratamento e não seguiu os horários prescritos corretamente. "O medicamento não fez mais efeito e não consegui negativar. Depois disso, em 92 passei a tuberculose ao meu marido. A dele apresentou sintomas mais graves, mas, já por minha experiência, ele se tratou corretamente e foi curado", conta ela.
A falta de cuidado com a doença custou caro a Denise, que perdeu parte de um pulmão. "Varrer a casa, lavar a roupa, entre outras tarefas domésticas, até hoje me dão um cansaço redobrado. Não posso mais correr, dançar ou fazer movimentos bruscos."
A depressão também veio como conseqüência. "Se não fosse meu marido e meus filhos, não teria vontade de viver. Eles me deram muita força para superar as crises, o que não aconteceu por parte de muitos familiares e conhecidos, que quiseram se afastar de mim." O preconceito abalou seu dia-a-dia, fazendo com que se solidarizasse cada vez mais com outros portadores da doença.
Há um ano, ela negativou a tuberculose, mas faz regularmente exames e recebe orientação médica. "Criei novos hábitos. Faça o tempo que fizer, por exemplo, sempre deixo a casa ventilada. Não fumo, não bebo e tento me alimentar bem."
Descoberta revolucionária
Uma equipe de pesquisadores do Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP) vem desenvolvendo, desde 1990, uma vacina de DNA, ou "gênica", que tem tudo para ser um importante instrumento no combate da tuberculose, reduzindo o tratamento de seis para dois meses.
O coordenador do projeto, professor Célio Silva, explica que um retrovírus, produzido em laboratório pelas técnicas de engenharia genética, foi introduzido no DNA (código genético) de cobaias animais, induzindo-as a fabricar o antígeno que protege o organismo contra a doença.
O especialista afirma que uma das dificuldades foi vencer o problema do estado de dormência do bacilo, que pode ser reativado em estados de imunodepressão. A vacina gênica conseguiu efeitos positivos nesse aspecto, pois não houve reincidência da doença nas cobaias.
A pesquisa ganhou impulso em 1994, quando foi apresentada em uma reunião da OMS sobre tuberculose, realizada em Genebra, na Suíça. A repercussão foi tão boa que levou outros países, como os Estados Unidos, a incentivar projetos semelhantes.
O próximo passo será testar a vacina em humanos que adquiriram resistência aos medicamentos tradicionais, e espera-se obter um resultado efetivo já em 2001. Essa iniciativa terá o apoio da Universidade Federal de São Paulo.
![]() |
|