Postado em 26/01/2010
Na ponta do lápis
por Eduardo Baptistão
Paulistano nascido em 1966, o ilustrador e caricaturista Eduardo Baptistão aprendeu os segredos do traço em casa – como se diz, “no olho”. Grudava no irmão mais velho e o observava desenhar, depois pegava o lápis e tentava reproduzir seus personagens favoritos das histórias em quadrinhos. “Ele [o irmão] é seis anos mais velho e, na prática, foi o meu professor de desenho”, afirmou durante conversa com o Conselho Editorial da Revista E. “Eu ficava olhando meu irmão desenhar, tentava imitar. Ele era meu crítico, me orientava, era um cara até rigoroso comigo.” Formado em publicidade e propaganda pela Faculdade Cásper Líbero, nunca deu muita bola para o universo das marcas e comerciais de TV, sonhava mesmo em arrumar um jeito de ganhar a vida com o que mais gostava de fazer – embora fosse reticente em transformar seu prazer em profissão. “O receio que eu tinha era de que, a partir do momento em que eu começasse a desenhar profissionalmente, eu perdesse o interesse, que a coisa ficasse cansativa.” No entanto, parece que o “medo” foi superado. Há 19 anos, Baptistão – que já passou pela Folha de S.Paulo e pelas revistas Carta Capital e a extinta Placar – tem seus trabalhos publicados no jornal O Estado de S. Paulo. E, embora confesse que seu interesse maior sejam as caricaturas, admite que, no dia a dia da redação, encara o que for preciso. “Lá [no jornal] eu sou um ilustrador, que é um pau pra toda obra”, conta. “Ilustro textos, crônicas, matérias.”
A seguir trechos do bate-papo no qual falou sobre o cotidiano de trabalho e seu blog – que, segundo ele, mudou sua carreira.
Caricatura, charge ou cartum?
Tecnicamente, a caricatura é a distorção humorística dos traços de uma pessoa. Não só dos traços físicos, mas o desenho deve passar um pouco da personalidade dela também. Até tem uma diferença técnica de caricatura para charge e cartum. As pessoas confundem muito, mesmo os jornalistas, que deveriam estar familiarizados com isso. Vejo isso na redação. A charge é um desenho, uma piada gráfica, localizado no tempo. Ela diz respeito a um fato que aconteceu, ou esteja para acontecer, ou seja, uma situação que existe, uma situação real. O cartum é uma espécie de charge, mas atemporal, e não está ligado a um fato específico, é uma piada de entendimento universal. Então, ele não diz respeito especificamente a um fato. Por exemplo, se eu for fazer uma charge sobre o Lula, uma pessoa de outro país pode não entender. Nem digo o Lula porque é o presidente, mas um prefeito, digamos, que é uma coisa mais local. Uma pessoa de fora não vai saber do que se trata. Já um cartum, que é uma piada que não está especificamente ligada à política, pode ser entendido em qualquer lugar. A charge pode usar uma caricatura eventualmente, mas são duas coisas diferentes.
Desenho diário
O trabalho do ilustrador num jornal é basicamente de encomendas. No jornal eu não posso só fazer caricaturas. Se eu pudesse, faria, mas não posso. Então, lá eu sou um ilustrador, que é um pau pra toda obra. Ilustro textos, crônicas, matérias, a ilustração pode ser usada em infográficos, que são a mistura da ilustração com a informação, e a gente recebe então as encomendas da redação. É um grupo de ilustradores que recebe os textos. Há alguns que são fixos, que saem todos os dias, então a gente já sabe que naquele dia tem que ilustrar aquele texto, tem textos eventuais, coisas que aparecem e a gente tem de fazer. A gente recebe os textos, lê, tem uma medida que vem especificada para gente, o espaço onde a gente vai encaixar aquele desenho, e a gente tem que bolar a representação gráfica daquilo que a gente leu e preencher aquele espaço. Já nas matérias que a gente chama de frias, que não são aquelas diárias, do chamado hard news, a gente tem mais tempo para elaborar, para fazer pesquisa, conversar com o diagramador. Mas o trabalho diário mesmo a gente tem pouco tempo para fazer, geralmente duas horas para fazer um desenho e mandar para a gráfica. E não sobra tempo para errar, tem que publicar o que foi feito. Então, se sair um negócio ruim, o que acontece muito, vai ter que ser publicado.
Up grade
Não consigo ainda desenhar direto no computador. Eu faço a lápis e escaneio. Antes eu tinha fobia a computador, não chegava perto. E entrei no jornal, no Estadão, já há 19 anos, e a redação não era informatizada ainda. Tinha os primeiros computadores, mas para o pessoal de texto. Na arte eu passei muitos anos fazendo o desenho no papel e mandando o boy levar aquele original para a gráfica – e muitas vezes não voltava, ou vinha amassado. Quando eu comecei a ver os primeiros computadores chegando na arte, fiquei preocupado. Pensei: “Vou ficar obsoleto. Se eu não entrar nessa, estou fora do esquema”. Aí eu aproveitei uns cursos que fizeram lá de Photoshop – ministrados por uns colegas nossos mesmo, que já dominavam o computador – e eu me agarrei nesses cursos, precisava aprender de qualquer jeito. Tive que fazer três cursos lá, cabeça-dura que eu sou, até pegar alguma noção de como colorir meus desenhos. Até hoje o que eu sei é básico para fazer isso. Não conheço muitos recursos do Photoshop, não conheço outros programas, o que eu sei é escanear meus desenhos e colori-los no computador. E é essa a forma como eu trabalho até hoje. Eu ainda faço desenhos totalmente manuais, mas o computador agiliza o processo. Principalmente no jornal, onde tenho que ser rápido, é muito difícil eu ter tempo de fazer um desenho todo a mão, colorir com lápis de cor, como eu gosto de fazer, então faço o acabamento mais no computador do que a mão.
http://baptistao.zip.net/
O blog mudou muito a minha maneira de trabalhar. Teve uma influência decisiva até na minha carreira. Ele pegou os meus desenhos que saíram no jornal, para o público de São Paulo, e divulgou para o mundo inteiro, como acontece com qualquer um que tem um blog na internet. Vi um colega fazendo e decidi fazer também. Eu tinha preguiça de fazer um site, não conhecia quem fizesse e tal, mas o blog é simples. Pois eu comecei a descobrir que pessoas acompanhavam o meu trabalho de várias partes do Brasil – de fora só começaram depois do blog. Mas havia gente que via meu trabalho nos jornais e revistas e que não tinha um canal comigo. E passei a receber mensagens de pessoas dizendo que admiram meu trabalho, ou seja, comecei a estabelecer um diálogo com o público que não acontecia no jornal – é muito raro alguém escrever para um jornal para comentar uma ilustração. A única vez que isso aconteceu comigo foi para falar mal (risos). Uma mulher dizendo que eu tinha estragado o café da manhã dela, que ela não tinha conseguido terminar de ler o jornal e que tinha saudade do ilustrador antigo, que tinha morrido. Ou seja, algo pouco animador. Mas, enfim, antes a gente fazia o trabalho e, em geral, não obtinha retorno. Certo que antes havia aquelas ilustrações esportivas de página inteira que alguns leitores colavam na parede – e, claro, outras vezes em que você via seu desenho forrando a gaiola do papagaio. É a efemeridade do nosso trabalho. O jornal de hoje está velho amanhã, e as pessoas jogam fora mesmo. E essa é outra questão interessante com a internet, porque lá você consegue uma perenidade. Ela está lá o tempo todo e pessoas do mundo todo têm acesso.
“O blog mudou muito a minha maneira de trabalhar. Teve uma influência decisiva até na minha carreira. Ele pegou os meus desenhos que saíram no jornal, para o público de São Paulo, e divulgou para o mundo inteiro (...)”