Postado em 26/01/2010
O que te faz feliz?
O dramaturgo e diretor Newton Moreno fala sobre o projeto do espetáculo Da Possibilidade da Alegria no Mundo e explica como essa proposta deve se expandir
O recifense Newton Moreno chegou a São Paulo em 1990. Dez anos depois, começava a despontar na dramaturgia, bebendo na fonte da cultura popular e da herança nordestina. Do curso de ator na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – concluído em 1995 – surge a colaboração com os diretores João das Neves, Maria Thaís e Marcio Aurélio. Nesse ambiente, cria, em 2000, sua primeira companhia, Os Fofos Encenam, e tem seu texto de estreia, Deus Sabia de Tudo e Não Fez Nada, levado ao palco no ano seguinte. Em 2005, figura entre os autores brasileiros participantes de um intercâmbio na The Royal Court Theatre de Londres, uma das mais renomadas instituições de fomento à dramaturgia do mundo. Em 2007, torna-se doutor em artes cênicas pela Universidade de São Paulo. Ganhador dos prêmios Shell e Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA) por Agreste (2004), dirigido por Marcio Aurélio, Moreno coordenou o projeto de dramaturgia que culminou no espetáculo Da Possibilidade da Alegria no Mundo, dirigido por ele e composto de cinco textos de autores do Uruguai, Portugal, Irã e Brasil. A peça ficou em cartaz de 30 de outubro a 20 de dezembro de 2009 na Unidade Provisória Avenida Paulista.
No bate-papo que teve com a Revista E, o diretor e autor falou do recente projeto e revelou que pretende dar continuação à sua investigação sobre a felicidade numa sequência do espetáculo. “Aí vai ser Da Possibilidade da Alegria no Mundo 2”, brinca. A seguir trechos.
Nova dramaturgia
Dei uma circulada por alguns países antes do projeto todo começar, fui a alguns eventos de dramaturgia, e conheci duas pessoas, a Naghmeh Samini e um dramaturgo alemão que acabou não podendo participar. Depois convidamos a Silvana Garcia [doutora em artes cênicas], professora da USP [Universidade de São Paulo], para fazer uma espécie de curadoria junto com a gente, e ajudar a pensar em outras pessoas que nós poderíamos procurar. Queríamos que fossem dramaturgos emergentes, não consagrados, e que fizessem esse diálogo dentro do mote da felicidade. E foi a Silvana que indicou a Mariana Percovich, do Uruguai, e o Abel Neves [autor português] – que não é emergente, ele já tem 50 anos, mas que é uma pessoa super alto-astral e que se animou em participar do projeto. Então, na verdade, foi um pouco aleatório, não teve um conceito no sentido de “dramaturgas mulheres”, “dramaturgos que trabalham com minorias” ou coisas assim.
Por que a felicidade?
Tudo começou, na verdade, com a minha leitura de alguns filósofos. A questão da felicidade dentro da filosofia é muito potente, desde a Grécia até hoje. Não sou filósofo nem especialista nisso, mas me interessei em investigar esse tema. Primeiro porque a gente tinha já a ideia da feira das nações, da celebração, da alegria, e também esse viés um pouco filosófico, de pensar qual é o espaço da felicidade hoje na nossa vida, o que a gente faz para promover essa felicidade na gente mesmo e no outro etc. Tanto que durante o processo de leitura e ensaio a gente leu filósofos como Epicuro [341 a.C.-271 a.C., filósofo grego], Schopenhauer [1788-1860, filósofo alemão], enfim. Tanto que há frases de vários pensadores no início do espetáculo, ditas por uma atriz que recebe o público do lado de fora da sala. Aliás, aquilo faz parte da nossa gênese também: a gente se projetar dentro da pergunta: a felicidade é possível? E dividir com vocês [com os espectadores] a enxurrada de textos que nós lemos – de Nietzsche [1844-1900, filósofo alemão] àquela filosofia de rua do tipo “para ser feliz basta...”, passando por várias perguntas cabeludas, dos pessimistas, niilistas, dos mais otimistas. A gente achou que era importante essa provocação. Muito mais do que uma resposta, um compêndio filosófico, a gente queria provocar o espectador – com a pergunta feita no início do espetáculo: o que te faz feliz? Aí cada um que processe isso, que faça a sua lição de casa, com ou sem filósofos.
A direção
O primeiro momento foi o de entender cada texto, e tentar respeitar cada autor. E não fazer com que eles ficassem espremidos dentro de uma outra chave – por exemplo: eu gostei do texto de Portugal, então vou tentar aproximar o texto do Irã para o de Portugal. Por outro lado, a gente tinha a questão do espaço, que limita. Nós queríamos organizar uma feira mesmo, um evento diversificado e anunciado como tal – do tipo: “Ah, agora eu vou à ‘barraca’ do Irã.” E a pessoa vai até aquela barraca/palco e lá convive um pouco com aquela cultura. Só que o que ela vai receber não é um prato típico do país...
No geral, eu diria que o trabalho foi muito mais vertical que horizontal. Ou seja, eu pensei muito mais nos diferentes espetáculos que compõem a peça do que na coisa toda como um único espetáculo. Achei que essa seria a melhor saída para ser fiel à ideia do projeto, de organizar na cena, da melhor maneira possível, o discurso, a estética dos dramaturgos. A nossa sensação foi de montar cinco peças dentro desse projeto. O mesmo espaço, mas cinco peças.
Até no que diz respeito à abordagem com os atores. Eles tinham mais intimidade, por exemplo, com os textos brasileiros, com o que se estava falando ali, com as metáforas, eles conhecem os assuntos tratados nesses textos, a prostituição infantil e os assassinatos na Amazônia [respectivamente Quenguinha e Terra do Meio, ambos de Moreno]. Tem coisas ali que eles reconhecem, como o sotaque, por exemplo, já que trabalhei com regiões diferentes do país, a Paraíba [Quenguinha] e o Pará [Terra do Meio]. Busquei descentralizar nesse sentido. Então, tem uma coisa ali da qual os atores tinham outros instrumentos para se aproximar.
Angústia
Quando nós recebemos os textos, sentimos uma camada de inadequação, de perda, de certa melancolia, de uma certa dor. E essa era a tônica mesmo. Essa “festa” estava fadada ao fracasso. Até porque pedimos para que as pessoas criassem uma situação de festa na qual se estabelece um problema, um conflito. Isso estava na base da dramaturgia, nós não podíamos esperar tratados poéticos sobre como é lindo ser feliz. A ideia era problematizar a felicidade. Inadequação e angústia foram duas palavras que apareceram muito, inclusive nas leituras [feitas com a presença do público como parte do processo de construção do projeto]. Teve gente que dizia: “Nossa, eu sinto uma angústia ao ouvir tudo isso”.
Outras possibilidades
A nossa proposta, na verdade, é que o projeto siga e outras dramaturgias sejam incorporadas ou trocadas, para termos a visão de outros lugares. Sempre com o mote da feira das nações, sempre com textos curtos. Mas a ideia de fazer uma segunda edição do projeto é para que se possa ter um olhar, sei lá, da Espanha, da Alemanha ou de Cuba. Esse primeiro espetáculo é quase como um piloto para nós. Pretendemos agora começar a formatar outras trocas, com outras dramaturgias.
Por exemplo, na continuação desse projeto, a gente quer explodir aquela única barraca [o palco], desse primeiro espetáculo, em várias. Assim, o público vai poder circular, como numa feira mesmo. Aí vai ser Da Possibilidade da Alegria no Mundo 2 (risos).
“A questão da felicidade dentro da filosofia é muito potente, desde a Grécia até hoje. Não sou um filósofo nem especialista nisso, mas me interessei em investigar esse tema”