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P.S.

Postado em 28/07/2009

Simples e direto, como as crianças

Um dia, durante o ensaio do coral infantil, alertei:

- Muito bem pessoal, mas essa última parte da música é mais grave.

Ao mesmo tempo em que falava, pensei que talvez alguns deles não soubessem a diferença entre sons graves e agudos. Então perguntei:

- Quem sabe o que é grave? Escolhi uma das mãos que se levantaram e o Lucas respondeu:

- Grave é quando você está muito doente, vai ao médico ele diz: é grave!

Resposta inesperada e simples, como são as crianças.

Ao longo de muitos anos de trabalho nos Centros de Música do Sesc, essa história ficou para mim como uma síntese no trabalho com crianças: é necessário ser direto, verdadeiro e estar preparado para surpresas.

Quando no início de 2008 o Sesc Vila Mariana abriu as inscrições para o curso de Coral Infantil não sabíamos quem viria, mas já tínhamos um projeto: gravar um CD com a cantora Fortuna, de canções que teriam como letra as poesias de Ruth Rocha, que ganhariam melodias compostas por Helio Ziskind.

Simples. Tínhamos uma proposta bem formatada e um grupo de crianças interessadas e curiosas. Afinal, quem já havia entrado em um estúdio de gravação, ou ainda, conhecido de perto uma cantora “de verdade”?
Incrível, inesperado.

Percorremos por quase um ano um longo processo onde aprendemos que o esforço geralmente traz bons resultados, que conhecer mais a nossa voz nos ajuda também a perceber nossos limites, e observamos que esses limites são diferentes de pessoa para pessoa. Mas é isso que faz um coral: soma pequenas deficiências e faz com que elas se tornem imperceptíveis. Entendemos ainda que a cooperação e a tolerância são fundamentais no trabalho coletivo e que a disciplina não é uma inimiga e sim uma aliada.

Nesse período também acompanhei, entre orgulhosa e emocionada, as sugestões que as crianças faziam ao diretor do espetáculo, Naum Alves de Souza, durante os ensaios. Estavam crescendo e participavam de tudo. Assim, simples, falavam de igual para igual.

Vejo tudo isso e lembro que só entrei em um estúdio de gravação quando já havia terminado a faculdade, que só pisei no palco de um teatro depois que comecei a trabalhar no Sesc, e que já era adulta quando pude trabalhar com grandes músicos e diretores de teatro. Acredito que ter essa vivência aos oito, nove.....até doze anos, deve fazer uma diferença na vida adulta. Acho que deve ser incrível alguém “começar” a vida tendo seu nome impresso no encarte de um CD e mais, se ver atuando num show gravado em DVD. Oportunidade rara, mas que faz parte do cotidiano do Sesc: proporcionar experiências únicas, especiais, marcantes. Eu, mesmo depois de muitos anos na casa, trabalhando com música e com crianças, ainda me surpreendo e me empolgo com situações como esta, inesperada na vida dessas crianças e de suas famílias, e por que não, também na minha?

Simples, direta e verdadeira foi uma conversa, no camarim antes de um show, quando eu conversava com o coral sobre o que eles achavam de participar de “Na Casa da Ruth”. Pelas respostas maduras e inteligentes, mais uma vez constatei que aprender música é mais do que ampliar conhecimentos ou adestrar talentos. Claro que é bom saber que grave também é um som de baixa freqüência. Mas a prática musical é uma oportunidade de solidificar bons valores, desenvolver a criatividade que alimenta as mudanças e transformações, questionar hábitos e cultivar boas lembranças.

Inesperado: depois do show encontro meus amigos e colegas do Sesc muito emocionados:

- Que trabalho lindo!, eles dizem.

Eu, surpresa, respondo com um simples e direto: muito obrigada!



Gisele Corrêa da Cruz, maestrina, é instrutora de música do Centro de Música do Sesc Vila Mariana, responsável pelos cursos de voz e musicalização.


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