Postado em 28/07/2009
Um segundo músico vindo de Cachoeiro de Itapemirim – município do Espírito Santo que já tinha oferecido Roberto Carlos ao Brasil – disputou a atenção com o “Rei” durante o ano de 1972. Foi Sérgio Sampaio, que, naquele ano, subiu ao palco do Festival Internacional da Canção (FIC), aos 25 anos, para defender a marcha-rancho Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua. Mesmo não levando o primeiro lugar, a música, cujo compacto vendeu mais de 300 mil cópias, tornou-se um sucesso.
Foi um início de carreira bastante promissor para um jovem que sofria de tuberculose e que estava tão magro que seus amigos o chamavam de transparente. Mas o fato é que a trajetória de outras grandes figuras da música brasileira – Raul Seixas, Waly Salomão, Jards Macalé e a lista vai longe... – já mostrou que a MPB sempre reservou a nomes improváveis e a “marginais” alguns dos capítulos mais interessantes de sua história. E Sérgio Moraes Sampaio foi um desses caras.
Nascido em 13 de abril de 1947, era filho de Raul Gonçalves Sampaio, fabricante de tamancos e maestro de banda, e de Maria de Lourdes Moraes, professora primária. Chegou ao Rio de Janeiro em 1967, com a bagagem de locutor da XYL-9 Rádio Cachoeiro, onde ficou fã de Francisco Alves, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Silvio Caldas, entre outros. Em 1970, ao entrar na gravadora CBS para acompanhar um amigo músico, conseguiu mostrar uma canção sua a um produtor de lá. Essa pessoa, que viria a ser seu parceiro e amigo, era Raul Seixas.
Eis a virada: Raulzito – apelido do compositor entre amigos e fãs – não só colocou Sérgio no quadro de músicos da gravadora como o levou para morar em sua casa, tirando-o dos quartos de pensão de reputação e higiene duvidosas. E a troca entre os dois não parou por aí: Raul Seixas se beneficiou da cultura popular de Sérgio, um profundo apreciador de música brasileira. “O samba de tamborim e outros ritmos populares estavam na raiz musical do Sérgio”, afirma o percussionista Luiz Gaiotto, que acompanha a cantora Miriam Maria em shows em homenagem a Sampaio (veja boxe De novo na rua). “Sua aguda vocação para a rebeldia o tornava apto a captar todas as influências do pop urbano tropicalista, da simplicidade da jovem guarda, da bossa nova, do blues e do rock.”
Juntos, Sérgio e Raul, acompanhados de Edy Star e Miriam Batucada, fariam, em 1971, o disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez. “Era uma verdadeira sessão de escracho musical”, avalia Gaiotto. “Uma coleção de pastiches de rock, samba e ritmos nordestinos, com letras sarcásticas, entremeadas por piadas e sátiras ao cotidiano em forma de vinhetas.” Ainda em 1971, antes do sucesso no FIC, saiu o primeiro compacto solo de Sérgio, com as músicas Coco Verde e Ana Juan. A direção artística foi de Raul Seixas e os arranjos de Ian Guest. O primeiro êxito comercial do artista foi mesmo em 1972, com Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua; porém, a boa aceitação não se repetiu com o disco de mesmo nome que seguiu o compacto em 1973.
Evolução
Em 1975, a balança do show business volta a ficar favorável para Sérgio. Uma canção sua, a marchinha Cantor de Rádio, foi incluída na coletânea Convocação Geral Nº 2, organizada pela gravadora Som Livre. Além disso, um novo compacto – com as músicas Velho Bandido e O Teto da Minha Casa – foi bem recebido pelo público e pela crítica. “A preocupação de Sérgio era traçar uma linha evolutiva a cada disco”, afirma Gaiotto. “E é possível perceber isso em suas obras, todas são bem acabadas e cada disco tem características muito específicas, porém, todos têm a mesma qualidade.”
Dois anos depois, Sérgio Sampaio lançou mais um compacto, que trazia as canções Ninguém Vive por Mim e História de Boêmio (Um Abraço em Nelson Gonçalves). O trabalho seria o último por uma grande gravadora. “Dali em diante, assim como outros artistas do período – Jorge Mautner, Luiz Melodia, Jards Macalé, Tom Zé, entre outros –, ele foi rotulado de ‘maldito’ e ficou, de certa forma, associado a um período em que vigorava uma contracultura brasuca”, conta o músico e pesquisador musical Rodrigo Moreira, autor da biografia Eu Quero É Botar o Meu Bloco na Rua (Muiraquitã, 2009). “Ele seria ?um artista independente, sem gravadora e sem música no rádio, vivendo apenas de shows eventuais para um fiel séquito de admiradores em todo o país.”
No entanto, diferentemente de outros “malditos” que lhe fizeram companhia na época da contracultura, Sérgio Sampaio não conseguiu virar a página. “Ele poderia hoje estar ao lado de caras que tiveram reconhecimento, como o Melodia ou o próprio Raul”, avalia Luiz Gaiotto, referindo-se à posição que os nomes citados desfrutam hoje no chamado ?mainstream. “Mas com ele, infelizmente, não foi assim.” Rodrigo Moreira acrescenta: “Sérgio não conseguiu tirar muito partido das oportunidades”, diz. “Em parte por não ter uma vida pessoal muito organizada, mas também por não dispor de uma boa estrutura profissional, como um empresário eficaz, uma banda e tal. Ele não teve, por exemplo, nenhuma temporada de shows bem produzidos. Ele aparecia nos programas de TV, meio a contragosto, e só.”
Novos fãs
Sérgio foi morar em Salvador no início dos anos de 1990, momento que lhe inspirou novas composições, as quais ele mostrava em shows em bares da periferia da cidade. Em 1994, o selo paulista Baratos e Afins o convidou a lançar um disco de músicas inéditas. O CD Cruel poderia ter significado a volta de Sérgio, caso uma crise de pancreatite não tivesse tirado seu bloco da rua. “Ele morreu da mesma doença de seu amigo Raul”, comenta Luiz Gaiotto. Mesmo postumamente, em 2006, Cruel, produzido pelo músico Zeca Baleiro, foi lançado, com 12 canções inéditas. Além do disco, a biografia Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua também contribui para despertar a curiosidade das novas gerações.
Entre os fãs que não deixam a música e a memória de Sérgio desaparecerem, estão a cantora Miriam Maria, que inclui algumas músicas do compositor em seu repertório atual, acompanhada do músico Luiz Gaiotto, e a banda Cérebro Eletrônico, com uma homenagem a Sérgio na faixa Sérgio Sampaio, do CD Pareço Moderno (2009). Já o selo musical Saravá Discos planeja o lançamento de outro CD de inéditas, Sinceramente, para ainda este ano.
A presença de alguns Rauls na história pessoal e musical de Sérgio Sampaio é curiosa e bem marcante. A começar pelo pai, Raul Sampaio, que fazia tamancos, regia uma banda e compunha hinos e sambas sempre tendo os filhos como “plateia” – o próprio samba Cala Boca, Zebedeu, um dos sucessos de Sérgio, é de autoria do velho Raul. Depois veio o primo, o também cachoeirense Raul Coco Sampaio, a quem Sérgio cresceu muito ligado. Por fim, o último Raul que fez parte da vida do músico: o mais conhecido deles, Raul Seixas, o Raulzito. A dupla gravou o disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez, para o qual Sérgio trouxe a influência de música brasileira de raiz. Sampaio era muito grato a Raul; primeiro pela chance profissional e segundo porque Raul o tirara das pensões imundas, levando-o para morar em sua casa, no Rio de Janeiro. Quando esteve desempregado, vagando pelas ruas do Rio, Sampaio chegou a passar dificuldades sérias. “Nessas condições você torce para que haja um velório na casa de um conhecido só para ter um lugar para passar a noite”, ironiza o pesquisador musical Rodrigo Moreira num trecho da biografia de Sérgio Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua (Muiraquitã, 2009). “Essa é uma das barras mais tristes que podem acontecer a qualquer um.”
Projetos das unidades do Sesc reúnem livros, filmes e discos para homenagear Sérgio Sampaio
Durante o mês de julho, o Sesc São Paulo, por meio das unidades Pinheiros e Vila Mariana, promoveu shows, bate-papo e exibição de filmes numa homenagem póstuma ao músico capixaba Sérgio Sampaio. Em Pinheiros, o espetáculo Cruel – Tributo à Vida e à Obra de Sérgio Sampaio, realizado nos dias 4 e 5, reuniu no palco antigos companheiros do músico, como Jards Macalé e Luiz Melodia – além de outros artistas e fãs confessos de sua obra, como a jovem cantora baiana Márcia Castro e o maranhense Zeca Baleiro.
Além das músicas inéditas do CD póstumo Cruel (2006), sucessos de Sérgio, como Cala a Boca, Zebedeu, Tem Que Acontecer, Velho Bandido, Meu Pobre Blues e, claro, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, ganharam novas roupagens.
Ainda na mesma unidade, o músico e pesquisador musical Rodrigo Moreira participou de um bate-papo sobre a biografia de Sérgio Sampaio, de sua autoria, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua (Muiraquitã, 2009), no dia 4 de julho. Já o Sesc Vila Mariana preparou os shows Tangos & Outras Delícias Canta Sérgio Sampaio, no dia 24, e Miriam Maria canta Sérgio Sampaio, no dia 31.