Postado em 28/07/2009
O fotógrafo Cristiano Mascaro esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 19 de junho de 2009
por Cristiano Mascaro
O fotógrafo Cristiano Mascaro, nascido em Catanduva, no interior do estado de São Paulo, em 1944, formou-se em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) em 1968. Não fossem as “grandes mudanças” dos anos de 1960, segundo ele conta, Mascaro seria hoje um nome das pranchetas em vez de ser uma das referências do universo das lentes. “Descobri a fotografia de uma forma que acho que muitos jovens descobrem”, afirmou na conversa que teve com o Conselho Editorial da Revista E. “Ou seja, por meio de uma coisa meio apaixonada. Era uma época de transformações de costumes, havia uma ditadura, que foi uma coisa horrorosa, mas que nos unia, pois tínhamos um inimigo comum. Isso fez com que o período da faculdade fosse de intensa atividade de política universitária.”
Juntem-se a isso outras influências, como as revelações na música brasileira que “jamais se repetiram”, como ele diz – “Chico Buarque, Caetano etc.” –, e o resultado não poderia ser outro senão um jovem com uma câmera (fotográfica) na mão e um milhão de ideias e sonhos na cabeça. “Acho que isso contribuiu muito para o entusiasmo que eu tive pela fotografia”, confessa. “Havia a revista Realidade, publicada pela Abril, que me deixava fascinado.” Mascaro iniciou a carreira profissional em 1968, na revista Veja, mas desde o início optou por uma produção independente, marcada por livros como São Paulo (Senac, 2000) e Cristiano Mascaro – Desfeito e Refeito (Bei, 2008). A seguir trechos do bate-papo durante o qual falou, entre outros assuntos, de fotojornalismo e da influência das novas tecnologias.
Fotojornalismo
Na minha geração, o que cativava era o fotojornalismo. Não existia ainda, como hoje, uma certa movimentação, uma aproximação maior, e que é muito bem-vinda, [da fotografia] com o mercado de artes. No entanto, acho que nesta aproximação há vantagens e desvantagens. A minha geração era, digamos assim, “pura” em relação à fotografia. Fazíamos o trabalho com espírito de aventura, em busca de uma notícia, e a fotografia podia ser reproduzida de forma infinita. De repente – e eu vivo isso por estar ligado a uma galeria, essa possibilidade de vender fotografias, ter que estabelecer tiragem etc. –, isso parece ser um pouco contra a natureza da linguagem fotográfica, da possibilidade que a fotografia oferece de ser multiplicada aos milhares, em livros, jornais etc. No entanto, reconheço que o mercado de artes coloca novas possibilidades de criação fotográfica.
Na geração anterior à minha, os fotógrafos muitas vezes eram escolhidos ao acaso. Havia ótimos fotógrafos, mas não havia uma formação dirigida como hoje em que há cursos de nível superior de fotografia. Já na minha geração, quem se interessava por fotografia eram os estudantes de arquitetura. Os cursos tinham (e ainda têm) um currículo muito amplo e diversificado, diferente do de engenharia ou medicina, por exemplo, que são mais específicos.
Intuição
Um aspecto fundamental na fotografia que eu faço, e que gosto de fazer, é a construção de uma imagem a partir de uma ação puramente intuitiva, pois é nessa atitude de percepção imediata de uma cena que reside a qualidade da fotografia. Se você desenhar uma cena, ela não terá o elemento da surpresa ou do espanto que tem uma cena que existe e que alguém desconstruiu e reconstruiu simplesmente com a força transfiguradora do olhar. E depois, evidentemente, há um período de reflexão, que é quando você revela os filmes ou pega o cartão de memória [no caso das câmeras digitais] e coloca no computador. Você vê fotos que tirou e faz uma edição, como no cinema se faz uma montagem. Seleciona-se aquilo e passa-se a dar um sentido para aquele conjunto de imagens. Agora essa atitude intuitiva não aconteceria se você não tivesse uma formação sólida que, através de um radar, possibilitasse aquela reação.
Muitos trabalhos que hoje são considerados fotografia são resultado de uma instalação de um artista plástico que foi registrada fotograficamente. São interessantes, alguns verdadeiramente criativos, mas aquilo não é fotografia, é uma reprodução. Como se faz a reprodução de um quadro.
Hoje a expressão de vários artistas contemporâneos não é para você colocar na parede, são instalações, performances. Eu sou meio “ortodoxo”. Digo isso entre aspas, pois na verdade considero-me “avançado” a ponto de não me impressionar com pretensas transgressões que vez ou outra aparecem por aí. Para mim, sair para a rua [para fotografar], caminhar sobre as calçadas mais parece uma aventura e eu acho isso sensacional. Mas é claro que é possível criar imagens e se emocionar em estúdio também. Eu, por exemplo, tenho enorme curiosidade de entrar em algumas casas (meus estúdios) e fotografar os objetos que vejo sobre as mesas, pendurados nas paredes etc.
Novas tecnologias
Nunca dá para saber o que vem primeiro, se uma necessidade criativa arrasta a tecnologia, para que ela resolva aquele problema, ou se são as novas tecnologias que colocam à disposição novos passos na criação. Na verdade, acho que essas coisas vêm se alternando ao longo da história. O que vejo hoje é o trabalho do fotógrafo autoral, que veio logo após a descoberta da fotografia, se diluindo. O ápice dessa época foi com Cartier-Bresson [1908-2004, um dos mais importantes fotógrafos do século 20]. De lá para cá [dos anos de 1930, 1940 e 1950], a coisa se banalizou, devido a uma quantidade enorme de imagens.
Isso já falávamos na época da faculdade, quando todos tinham sua câmera. Hoje em dia, então, com a proliferação dessas máquinas [digitais], celulares... Por exemplo: eu gosto muito de viajar, mas, como não posso sempre, às vezes eu entro no Google Earth [site utilizado para “buscar” pessoas em diversos lugares do mundo] e fico “viajando” e vendo como é Cabul e outras cidades. Você clica naqueles pontinhos e aprece um monte de fotos do lugar que são de autoria de pessoas anônimas. Apesar de não estar tão inserido, fico maravilhado com essas possibilidades da internet e das tecnologias digitais.
Eu tenho um amigo publicitário que uma vez teve que ir ao Atacama [Deserto do Atacama, ao norte do Chile] para fazer a fotografia de um carro para o lançamento de uma campanha. Hoje em dia não se faz mais isso, você compra a foto do Atacama pela internet, tira a foto do carro num estúdio e pronto. Nem fundo precisa, pois hoje em dia você tem o Photoshop. Então, acho que a fotografia passou a ser mais burocrática, de gabinete, e usada mais como suporte de outras manifestações artísticas. Não há mais necessidade de enviar um fotógrafo para cobrir uma guerra, pois lá já existe um corpo de fotógrafos que manda tudo pela internet. Isso faz com que o mercado fotográfico e a própria fotografia sofram grandes transformações.
Posso estar enganado, mas não é por acaso que hoje em dia, nas escolas de fotografia – onde antigamente a procura era por fotojornalismo ou mesmo publicidade –, o interesse maior está voltado para a área artística.
Muitos sonham em ser artistas de bienal. Os trabalhos não são mais realizados com o espírito romântico da aventura e com o rigor que as câmeras analógicas exigem. Fotografa-se com a crença de que o Photoshop vai acudir. Mas como sei muito bem que não há mais volta (onde irei encontrar meus filmes?), já comprei minha câmera digital...
“Um aspecto fundamental na fotografia que eu faço é a construção de uma imagem a partir de uma ação completamente intuitiva, pois é nessa atitude de percepção imediata de uma cena que, imagino, reside a qualidade da fotografia”