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Em Pauta

Postado em 08/01/2010

Redes sociais

 

 

 

 

Considerada revolucionária por conectar computadores do mundo todo, a internet é o meio pelo qual mais um fenômeno vem se consolidando nos últimos anos: as redes sociais. Sites de relacionamento, como Orkut, Facebook e Twitter, têm deixado de ser instrumentos de mero lazer para se tornarem canais quase oficiais de comunicação – inclusive entre as empresas, que já atingem seus públicos por meio de posts, scraps e outras ferramentas que esses endereços disponibilizam. A seguir, a antropóloga Carla Barros e a doutora em ciências da comunicação Rose de Melo Rocha analisam a questão em artigos exclusivos.

 

 

 

 

 



Redes sociais nas camadas populares: sobre Orkut e identidade
por Carla Barros

A participação dos internautas nas redes sociais pode revelar alguns aspectos da cultura brasileira, da construção das identidades e dos modos de convivência entre diferentes classes sociais.

Destaco aqui a presença das camadas populares – ou “classes CD”, como querem alguns – na rede social Orkut, um dos temas que tenho investigado em pesquisas antropológicas realizadas.

Sabe-se que o Orkut é a rede social de preferência dos brasileiros, com uma penetração de 75% entre os internautas do país, dado que continua crescendo. É ainda o terceiro domínio da internet mais acessado hoje, atrás do Google e MSN, tendo maior inserção nas classes CD do que nos segmentos AB.

Discute-se atualmente, com a chegada do Facebook no país, até que ponto esta última rede social, extremamente difundida no mundo, com mais de 350 milhões de usuários, se constituirá em uma real ameaça ao onipresente Orkut.
Algumas questões podem ser realçadas sobre a rede social preferida no Brasil e seus usos por parte dos segmentos populares. Comecemos pelas lan houses. Temos visto a crescente importância desses espaços, que passaram a ser desde o ano de 2007 o primeiro local de acesso à internet no país, segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Esse aumento da presença das lans deve-se à maior inclusão dos internautas das classes populares, que frequentam esses locais multiplicados no interior das comunidades de baixa renda.

Quais os principais interesses percebidos nas lan houses populares? Preferencialmente, navega-se no Orkut e nos games como Tíbia, World of Warcraft ou Counter-Strike. Podemos encontrar cartazes nas paredes das lans demonstrando a enorme popularidade daquela rede social, como: “Fazemos seu Orkut” ou “Tiramos fotos para o Orkut”. Pela sua grande penetração no Brasil e longo período de navegação, os telecentros patrocinados pelo governo – espaços que oferecem conexão gratuita à internet – passaram a bloquear totalmente ou controlar o tempo de acesso ao Orkut. Trata-se de uma estratégia que merece ser revista, porque afasta a população de baixa renda desses centros, aumentando a atratividade das lan houses, onde se paga pela conexão.

Para as classes populares, de certa forma, estar no Orkut é estar no mundo. Quando cheguei pela primeira vez a uma das favelas onde desenvolvo pesquisa, um menino de 5 anos, filho do rapaz que me levava a conhecer a comunidade, perguntou: “Ela tem Orkut?” Esse mesmo menino, ainda não alfabetizado, sabia entrar nessa rede social e era ajudado por outras pessoas na lan house local quando queria incluir algum material novo na sua página. A alfabetização digital nas camadas populares no Brasil tem sido feita, de fato, pelo Orkut. Sua interface amigável em comparação a outras redes também contribui para a adesão maciça. É através do Orkut que a maior parte das pessoas, especialmente as de camadas populares, tem seu primeiro contato com o universo da internet no país.

O Orkut torna-se, desde cedo, um importante modo de elaboração de identidades, sendo especialmente valorizado pelo seu caráter virtual, já que seus recursos estão disponíveis a todos – é importante ficar de “igual para igual” com membros de outras classes mais favorecidas economicamente. Dominar tais recursos e conhecer as “regras do jogo” tecnológico são passos vividos como uma forma de “empoderamento” social. O uso do Orkut proporciona, assim, uma saída da invisibilidade através do sentimento de acesso à sociedade abrangente. A identidade social passa a ser elaborada como pobre e conectado, onde o segundo termo dá um caráter de positividade frente à estigmatização presente no primeiro.

Curiosamente, ao mesmo tempo que a internet é percebida como “um mundo sem fronteiras”, no qual os laços nacionais e locais vão perdendo sua força, ressurge nesse contexto a ideia de “território”, com as inúmeras páginas do Orkut em que os moradores das comunidades populares afirmam seu pertencimento a esses locais.

As “postagens” no Orkut referem-se, em grande parte, a comentários e fotos sobre eventos ocorridos com amigos de escola ou da vizinhança, com pessoas com as quais acabou de se encontrar ou falar de outro modo, reforçando os vínculos já existentes. O Orkut é apropriado em várias situações dentro de um sentido de compartilhar com o outro, seja, por exemplo, no caso do vídeo musical preferido de uma adolescente de 14 anos que está no Orkut da mãe, seja no caso da turma de futebol da associação de uma comunidade, cujo presidente declara: “São os meninos que mexem no meu Orkut, que fazem tudo, avisam das partidas de futebol, tudo; eu nem sei mexer.”

Quando ampliamos a lente social e olhamos em uma perspectiva mais abrangente, a presença do Orkut no universo da internet no Brasil, surge o tema da “favelização do Orkut”, colocando em pauta as questões da inclusão digital e da convivência com a diferença. Em alguns blogs, listas e fóruns, internautas pertencentes às camadas médias e altas começaram a se expressar – muitas vezes de modo bastante explícito e crítico – contra os efeitos do crescente acesso das camadas populares ao mundo digital. Nesse contexto, surgiu a expressão “favelização do Orkut”, que fazia uma associação entre “favela”, “pobreza” e “mau gosto”, para falar da “invasão” dos pobres brasileiros na internet, visível especialmente em redes sociais como o Orkut. Essa maciça presença traria atrás de si um lastro de gosto “brega”, supostamente expresso nas fotos postadas e no “precário” uso da língua portuguesa.

A sociedade brasileira, que gosta de se ver como uma nação inclusiva, na qual as diferenças convivem de modo harmonioso, revela sua outra face nos espaços de convivência das redes sociais. O “perigo” do mundo virtual estaria exatamente na possibilidade de extrema aproximação das diferenças sociais; os argumentos surgidos na ideia de “favelização do Orkut” apelam para princípios hierárquicos naturalizados e profundamente enraizados na sociedade brasileira, solicitando aos grupos populares que se mantenham em seus espaços restritos, dentro da lógica do “cada um em seu lugar”.

A indesejada inclusão digital faz com que certos grupos economicamente mais favorecidos tenham passado a rejeitar o Orkut, alegando a impossibilidade de conviverem no mesmo espaço virtual com manifestações de “falta de gosto” e “educação” formal vindas da “periferia”. Surge, então, a necessidade de “distinção”, que começou a levar a um movimento migratório para redes sociais mais elitizadas, como o Facebook. Como já disse o antropólogo Roberto DaMatta, existe no Brasil um “horror à mobilidade social”, que aparece agora no ambiente virtual, o que coloca em xeque, de certa forma, o imaginário democrático com o qual se costuma caracterizar a internet. O cotidiano das redes sociais no Brasil mostra, assim, algumas faces de vários Brasis conectados – cabe a nós decifrá-los, compreendendo suas características culturais e modos de convivência.



Carla Barros é antropóloga, doutora em administração e professora-pesquisadora do Centro de Altos Estudos em Propaganda e Marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).


“A sociedade brasileira, que gosta de se ver como uma nação inclusiva, na qual as diferenças convivem de modo harmonioso, revela sua outra face nos espaços de convivência das redes sociais”










O “ser coletivo” como experiência (digital) de socialidade
por Rose de Melo Rocha

A história dos animais da espécie sapiens é uma longa e laboriosa aventura de construção de redes. E, como particularidade desses animais simbólicos que somos, essas redes são erigidas tanto com base em artefatos materiais quanto em outros, de natureza essencialmente imaterial. As redes, estruturantes do processo de comunicação e de socialização dos humanos, permitiram que nossa civilização atingisse o espaço sideral. Também a elas devemos tributar investidas radicais nas profundezas do globo. As fibras óticas e os sistemas de esgoto possuem mais em comum do que se pode a princípio imaginar.

Redes permitem capturar, conduzir, direcionar. Redes permitem compartilhar, distribuir, espalhar. Nas tramas da rede tecida por uma aranha uma presa é detida, retida, dizimada. Com a mobilização de uma rede de amigos, soluções são discutidas, problemas são, de modo colaborativo, equacionados. Um boato, espalhado através de uma rede de fofocas, pode destruir pessoas, instituições, relações afetivas, reputação profissional. Nos meandros das redes de comunicação midiática, cenas cotidianas são apreendidas, transformadas e noticiadas. Afinal – e fazendo uma primeira ênfase – não devemos esquecer que a história dos meios de comunicação, assim como a de todos os meios de transporte, é um assunto de redes, sejam elas de produção, de distribuição ou de recepção. Por anos as teorias da comunicação detiveram-se em algum destes polos do processo comunicacional ao construir reflexões e problematizar visões de mundo.

Com o advento da modernidade e, efetivamente, com a potencialização dos aparatos disponíveis de comunicação a distância, o lugar ocupado pelas redes ganharia, cada vez mais, maior centralidade social. O dia a dia de milhares de pessoas – milenarmente mediado por redes materiais e simbólicas fundadas em certo sentido de proximidade – se alteraria profundamente. O cotidiano de grandes contingentes populacionais iria, a passos largos, ser afetado por redes que operavam a distância, as então nascentes indústrias culturais capitaneando a consolidação desse processo. Imprensa, cinema, rádio, televisão confirmaram-se em tal contexto como verdadeiros operadores de novos padrões de informação sobre o mundo. E não só: como atores do processo de metropolização e de industrialização, contribuíram para azeitar e estruturar novas formas de sensibilidade e de racionalidade. A máxima segundo a qual a TV seria uma janela para o mundo apenas confirmou, na tardo-modernidade, essa perspectiva. Posteriormente, e é este quadro que nos interessa mais diretamente problematizar, a pós-modernidade brindou as redes imaginárias com um curioso mito fundador, aquele que nos informa que o mundo está “a apenas um click”.

O recente boom do que se convencionou denominar “redes sociais” atualiza algumas das ideias acima elencadas. Impressiona, em primeiro lugar, o próprio termo (“redes sociais”) ter sido adotado com efusiva unanimidade por segmentos sociais bastante díspares, de acadêmicos os mais empedernidos a empresários conservadores, de jovens engajados a adolescentes hedonistas, de políticos a atores, de jornalistas a livre-pensadores. E o que isso significa? E será que significa algo em particular para nós, brasileiras e brasileiros?

Quando o Orkut confirmou-se como uma das plataformas de comunicação integrada, mediada por computadores, estrondosamente popular em solo nacional, muito se discutiu sobre possíveis afinidades entre o que seria um modo brasileiro de comunicar e as particularidades da rede. Olhares de desconfiança e recriminação foram dirigidos àquelas e àqueles que se deliciavam nas comunidades “orkuteiras”, neles se identificando uma perversa vocação à devastação da vida alheia, ao exibicionismo, ao já citado modus operandi da fofoca, por exemplo. Postulava-se que o site de relacionamentos replicava, amplificando-o, o modelo da velha fofoqueira do interior que, de sua janela, bisbilhotava a vida alheia. Era muito mais do que isso. Mas uma luz se lançava aí para a compreensão das redes sociais articuladas a partir de meios, ferramentas e plataformas digitais. Elas, de fato, amplificam coisas e casos. E não é, de modo algum, para além do bem e do mal.

As redes sociais, tal como as definimos hoje, respondem a um modelo de comunicação que nada tem de linear. Ou seja, a imagem da “bola de bilhar” (processo unidirecional em que um emissor envia uma mensagem a um receptor), que até meados da década de oitenta ainda era utilizada como paradigma para representar a comunicação de massa, não se aplica às redes sociais tecnologicamente mediadas. São vários os produtores, são múltiplos os intérpretes e os ruídos interpretativos, e estes mesmos que ora se colocam no campo da recepção podem, muito rapidamente, se tornar produtores e/ou distribuidores de mensagens. Como antevisto pelo antropólogo da cultura Edgar Morin no ano de 1975, a hegemonia da cultura de massas entra em crise, renascendo das suas brechas um novo modo de comunicar: policêntrico, plurivocal, complexo. Mas não necessariamente mais humanista ou humanitário.

Perguntar-se sobre a qualidade da interação é, portanto, imperativo, especialmente se nessa trama de trocas vultosa, que caracteriza a dinâmica das redes digitais, se pretende localizar algo de propriamente social. Dirigindo nosso olhar para alguns dos usos que vêm sendo feitos das “redes sociais”, percebemos práticas bastante diferenciadas.  Talvez seja interessante finalizar nossa argumentação justamente propondo algumas distinções. De um lado, e aqui não fazemos um julgamento de valor nem uma ressalva moralista, existem os milhares de usuários que se encantam pela ação do comunicar em si, gerando um segmento de perfil “acionista”. Esses apaixonados pela vinculação podem resvalar em uma verdadeira paixão pela exposição semipatológica de suas ideias, pensamentos e convicções: sempre muitas, sempre publicadas, sempre aguardando a resposta alheia. Todavia, tecnocarentes convivem com ativistas digitais, dos quais se diferenciam menos pela quantidade e mais pela qualidade e objetivos das postagens, por exemplo – visto que, ambos, podem ser “heavy users” das tecnologias e das próprias redes.

Ativistas, se pudéssemos defini-los em poucas palavras, estão aqui associados a usuários das redes que nelas encontram algo a mais do que a mera adição ou o vício compartilhado. Talvez, neste caso, o esforço seja, exatamente, vislumbrando as possibilidades da rede, fazer dela ferramenta e não um objeto em si. E, assim, esses sujeitos, ultrapassando a passiva condição de enredados, poderiam se aproximar mais das aranhas do que das moscas. Nas teias que tecemos em redes digitais, a presa a ser apreendida talvez seja exatamente nossa capacidade de comunicar coletivamente. Redes, neste sentido, serão de fato sociais se efetivamente nos permitirem o salto pós-individualista. Pela via do entretenimento, do debate político, do compartilhamento de sons, ideias e imagens, não importa. Na tão alentada cultura da convergência, convergir e atuar em torno de um projeto comum (que não o próprio “deus tecnológico”) ainda é o grande desafio. Mas, inegavelmente, é uma das mais gritantes necessidades de homens e mulheres contemporâneos, estes mesmos que já perceberam que a sociedade da máxima comunicação convive com o império da incomunicação. Felizmente, nem sempre o cenário aponta para a constituição de uma comunidade de falastrões tecnologizados. Partilhando afetos, estamos, igualmente, reinventando modos de ser e de estar no mundo.



Rose de Melo Rocha é doutora em ciências da comunicação, pós-doutora em ciências sociais e coordenadora adjunta do Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propapaganda e Marketing (ESPM).



“Impressiona, em primeiro lugar, o próprio termo (redes sociais) ter sido adotado com efusiva unanimidade por segmentos sociais bastante díspares (...). E o que isso significa? E será que significa algo em particular para nós, brasileiras e brasileiros?”


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