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Lamartine Babo

Postado em 08/10/2010

Rei do carnaval

Compositor de sucessos dos bailes e dos estádios de futebol cariocas, Lamartine Babo escreveu seu nome na história da música brasileira com versatilidade e muito bom humor

No país do Carnaval, quem nunca cantarolou um versinho de Lamartine Babo, o Lalá, certamente é “ruim da cabeça ou doente do pé”. Se a pessoa estiver no Rio de Janeiro, então, nem se fala. Na cidade, às famosas marchinhas carnavalescas do Lalá somam-se os hinos populares que ele compôs para os maiores times cariocas (veja boxe Na boca do povo). Na definição do musicólogo Ricardo Cravo Albin em O Livro de Ouro da MPB (Ediouro, 2003), Lamartine Babo era dono de um estilo que o destacava: “O mais completo e o mais visceralmente carioca dos compositores populares que desabrocharam na Era de Ouro”. No texto, Lalá é ainda mencionado como o maior compositor do canto coletivo no país, devido às massas que entoavam seus sucessos durante o Carnaval. “[Lamartine] redescobriu e recriou a alma das ruas, produzindo o mais sensacional repertório carnavalesco que a MPB registra”, escreve Cravo Albin.

Concorda com Cravo Albin o músico paulistano e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) Luiz Tatit. Para ele, o auge das marchinhas carnavalescas era sustentado por dois nomes, em especial: o de João de Barro e o de Lamartine. Para Tatit, esses artistas conseguiram, como ninguém, atingir a meta musical do período, que era “unir texto e melodia com o máximo grau de eficácia”, como definiu em O Cancionista – Composição de Canções no Brasil (Edusp, 1996). Nos anos de 1930, quem não agradava ao público estava fora do páreo, e o pagamento pelo esforço na composição, como relembra Tatit, eram apenas “o prestígio e o reconhecimento popular”.


Berço musical
A música fez parte da vida de Lalá desde a infância. Filho da classe média carioca, nascido a 10 de janeiro de 1904, cresceu em casa onde mãe e irmãs tocavam piano. Músicos como Ernesto Nazareth e Catulo da Paixão Cearense, dois expoentes no cenário carioca do início do século 20, eram visitas frequentes. A verve musical apareceu cedo: ainda no ginásio compôs Pindorama, usando apenas as notas sol, dó e mi; em 1917, fez Torturas de Amor, sua primeira valsa. Em 1919, compôs a Ave-Maria, pensada para o seu casamento, que nunca se realizou – ao menos não no religioso. Lalá teve apenas uma tardia união civil, aos 47 anos.

Mas o sucesso veio mesmo em 1932, com O Teu Cabelo Não Nega. Junto da aprovação popular, a polêmica: os irmãos Valença, autores pernambucanos de frevos, reivindicaram na Justiça a autoria da canção, retirada, em partes, de Mulata – frevo escrito por eles e enviado a uma gravadora do Rio, que, considerando que a letra não cabia no gosto carioca, pediu a intervenção de Lalá. Como resultado da reclamação, os irmãos pernambucanos ganharam o direito de assinar a canção junto a Lamartine.

O trabalho de reinvenção de Lalá pode também ser visto em No Rancho Fundo (1931) e Uma Andorinha Não Faz Verão (1933). Na primeira, com autorização de seu autor, Ary Barroso, Lamartine reescreveu a letra da canção, que tinha o nome de Na Grota Funda (1931). Já na segunda, de Braguinha, Lalá sugeriu modificar alguns versos, mas sem alterar o refrão. Em ambos os casos, assim como em O Teu Cabelo Não Nega, as modificações “lamartinianas” foram uma espécie de toque de Midas, transformando em sucesso composições que já existiam.

Fina ironia
“Quem foi que inventou o Brasil?”, pergunta Lamartine na canção História do Brasil, de 1934. E os versos seguintes respondem: “Foi seu Cabral! No dia vinte e um de abril. Dois meses depois do Carnaval”. E a história do descobrimento segundo Lamartine não para por aí. Na conquista do território tupiniquim tem ainda lugar para a menção ao amor entre Ceci e Peri, personagens do clássico O Guarani, do escritor José de Alencar, que teriam se amado ao som da opereta homônima de Carlos Gomes.

Da esquerda para a direita: Ataulfo Alves,
Humberto Teixeira e Lamartine Babo, nos
anos de 1950.

Se no mundo real a chegada dos portugueses e as obras de Alencar e de Carlos Gomes pertencem a tempos distintos, para Lamartine tudo cabe no mesmo espaço: o de uma bem-humorada origem poética para o país. A capacidade de Lamartine de criar situações inusitadas entre personagens históricos ou lugares distantes foi definida por Cravo Albin como uma inovação do arcabouço literário da MPB por meio do nonsense. “Ele manuseou com intimidade o surreal e o absurdo, o que talvez seja a sua contribuição estética mais importante para a cultura musical do país”, define.

O mesmo apelo ao absurdo pode ser visto em outras marchinhas suas. Entre elas, Isso É Lá com Santo Antônio, de 1934, que narra a saga do homem que quer se casar e que pede um matrimônio a São João. Mas o santo, muito zangado, diz não ser dele a tarefa, pois cuida apenas de batismos. O homem então insiste, tenta São Pedro, que sorrateiramente se sai com esta: “Minha gente, eu sou chaveiro! Nunca fui casamenteiro!”. Os insucessos narrados pela canção são entrecortados pelo refrão: “Matrimônio! Matrimônio! Isso é lá com Santo Antônio”.

O humor e a fina ironia de Lalá não ficaram restritos às marchinhas. Colaborou com frequência para revistas, entre elas Dom Quixote, Paratodos e Shimmy – todas publicações em cujas páginas o humor tinha cadeira cativa. Lamartine também teve uma carreira de sucesso nas rádios, tendo integrado a equipe de vários programas, nas principais emissoras da época.

Entre eles, merece destaque sua fundamental participação no chamado Trio de Osso – sucesso nas rádios de 1942 a 1956 –, assim chamado por parodiar o Trio de Ouro, famoso conjunto musical do período.

E nem na hora da morte, ocorrida em 16 de junho de 1963, Lamartine perdeu o humor. Reza a malandragem carioca que, antes de morrer, ele ordenou que se registrasse em sua lápide: “Aqui jaz um compositor que não gostava de jazz”.

 


Na boca do povo
Histórias de Lalá, o porta-voz dos times de futebol cariocas

Dezembro não foi centenário de morte nem de nascimento de Lamartine Babo, mas ele esteve na boca do povo como nunca. Em final de Campeonato Brasileiro, com um time carioca prestes a ganhar a competição e outros dois quase sendo rebaixados à segunda divisão, não faltou torcedor por aí evocando as rimas de Lalá. No dia 6 de dezembro, quando o Flamengo sagrou-se campeão e quando o Fluminense e o Botafogo escaparam do rebaixamento, ecoaram pelo Brasil os hinos Uma Vez Flamengo, Sempre Flamengo, Flamengo Sempre Eu Hei de Ser, Botafogo, Botafogo, Campeão Desde 1910 e Sou Tricolor de Coração, Sou do Clube Tantas Vezes Campeão. Todas composições de Lalá, por ele lançadas no ano de 1945, quando comandava o programa Trem da Alegria, na Rádio Mayrink Veiga. Mas nem ouse perguntar para qual desses times Lamartine Babo torcia, pois o moço viraria o diabo – símbolo do clube que habitava o coração do músico: o América do Rio. Nascido no ano de fundação do América Football Club e vizinho do clube tijucano desde criança, Lamartine Babo era americano vermelho. Ficou famoso seu desfile em traje de diabinho quando o time foi campeão estadual, em 1960. De lá para cá, o América do Rio definhou e deixou de figurar entre os principais clubes do estado – depois de 27 anos sem conquistas, no ano passado, o clube conseguiu um humilde título de campeão da série B do Campeonato Fluminense.

 

 


Música em cena
Peça de teatro revisita a obra de Lamartine Babo
 
Fãs da Era de Ouro do rádio e das marchinhas de Lamartine Babo puderam matar um pouco da saudade nos meses de novembro e dezembro. Foi encenada, no Sesc Consolação, a peça Lamartine Babo (foto), texto de Antunes Filho e com direção de Emerson Danesi. Na montagem, o elenco se esbalda nas canções de Lalá.

O enredo e as músicas giram em torno da visita de um senhor e de sua sobrinha a um conjunto musical que ensaia um show sobre o compositor carioca. A peça reestreia no dia 14 de janeiro.

 

 

 

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