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Em Pauta

Postado em 04/03/2009

Distribuição do cinema nacional

Segundo cineastas e críticos, um dos maiores problemas da produção cinematográfica brasileira é fazer o filme chegar até o espectador. Depois de driblar questões de ordem financeira – obstáculo real na maioria dos casos –, o criador tem de iniciar outra batalha para concluir a jornada iniciada na captação de recursos. A convite da Revista E, o diretor Ugo Giorgetti e o coordenador-geral do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, ?Fernando Adolfo, analisam o tema.


Distribuição: o lado certo da questão
por Ugo Giorgetti

Em primeiro lugar, acho que não cabe mais falar só em cinema. Cinema é uma das faces do audiovisual, que, aliás, já está, até tecnicamente, se confundindo perigosamente com outras faces. “Filmes” podem ser feitos em digital, filmes são editados em digital, filmes são exibidos em digital. Sendo, portanto, um produto audiovisual por definição, acho profundamente impróprio falar ainda só de salas de cinema, quando se pensa a distribuição. A sala de cinema é apenas um dos lugares de circulação do produto audiovisual e, estou seguro, não o principal, sobretudo quando se trata de cinema brasileiro. Qual é o lugar de excelência então? Por onde os filmes brasileiros deveriam ser distribuídos e depois exibidos? Onde está o público brasileiro do audiovisual? Em minha opinião, o público do cinema brasileiro está majoritariamente em casa e deveria, portanto, receber nossos filmes pela televisão. Esse é o problema central da distribuição no Brasil, pelo menos para uma parte substancial de nossos filmes.

Olhamos frequentemente para o lado errado da questão. Ouço falar o tempo todo em ocupação de salas pelo cinema estrangeiro, e a questão – a meu ver, vital – da televisão fica sempre protegida, sempre numa sombra confortável longe da polêmica e da discussão. É claro que as salas não devem ser abandonadas, mas salas convencionais de cinema morrem, ou já morreram, no mundo todo, com exceção, talvez, dos Estados Unidos. As salas de cinema não são sombra do que foram no passado, quando o mundo era inteiramente outro, quando não tinha sido submetido às tremendas transformações dos últimos 25 anos. Mas nós ainda pensamos em cinema como se estivéssemos em 1971. Ótimo para a televisão, que continua produzindo internamente toda a sua dramaturgia, ignorando solenemente a diversidade de pensamento no Brasil e impondo a todos um único modo de pensar a vida, que sai da cabeça dos poucos que se intitulam seus proprietários. É culpa deles? Evidentemente, não. A culpa é nossa, dos artistas, da imprensa e da academia, isto é, de quem pensa a atividade. Continuamos a falar do velho cinema enquanto nosso público fica em casa. Não é possível deixar de constatar as enormes mudanças de comportamento nas megalópoles que se constituíram nas últimas décadas. Acho que nem a abertura de uma sala de cinema em cada esquina faria com que as pessoas saíssem de novo de casa para ver filmes como faziam nos anos de 1950. As pessoas ficam mais em casa e isso é um sólido dado do cotidiano atual. Esperar que saiam para ver o que podem ver em casa, inclusive com o recurso do DVD, me parece uma esperança sem qualquer fundamento. O que é preciso é lembrar que a televisão – as televisões – é uma concessão pública, o que implica não poder reduzir a amplidão do pensamento artístico do país à sua voz solitária e majestosa. É preciso que a televisão se abra à pluralidade do país. Lembro que a postura imperial – que nos submete, a todos, a uma verdadeira ditadura cultural, suave, delicada, mas maléfica como todas as ditaduras – é caso único no mundo. Pelo menos nos países de ponta do Ocidente do qual, mal ou bem, fazemos parte.

Sem a televisão como veículo transmissor e também associado ao sistema de produção, o cinema brasileiro vai eternamente tentar resolver um problema que, colocado nos termos em que é posto hoje, não tem o menor sentido. O problema está no terrível privilégio com que foi ungida a televisão brasileira e que permite a ela, por uma espécie de direito divino, mostrar-nos apenas o que da vida lhe interessa. É claro que, por trás da televisão, existe a publicidade que a sustenta e que, em última análise, determina a programação. Para a maioria dos anunciantes, quanto mais simples, quanto mais simplória e menos polêmica for a programação, melhor. Sua intenção não é levantar problemas, mas vender produtos, e subliminarmente nos mostrar como o mundo, do qual seus produtos são parte importante, é belo. Por isso, a quase totalidade da programação de televisão é simplória, detesta levantar qualquer questão mais profundamente, e a rara programação mais qualificada é sempre atirada em horários insólitos, como algumas minisséries realmente significativas.

Exatamente por meio da publicidade, porém, poderia ser em parte corrigido esse problema. Permito-me uma singela sugestão – aliás, de alguém que não pode ser acusado de qualquer vezo estatista ou ditatorial, e que por mais de 30 anos trabalhou na publicidade e, portanto, ao lado da chamada livre iniciativa e do mercado: agindo como qualquer anunciante, com direito a colocar seus comerciais onde lhe aprouver, o Estado brasileiro poderia, por meio de empresas como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, entre outras, aplicar sua verba publicitária em programação que lhe conviesse, isto é, que acrescentasse algo ao patrimônio cultural do país, que fosse em suma – e no mínimo – entretenimento inteligente. Isso não seria censura, mas sim a utilização de seu legítimo direito de anunciante. E lembro que, salvo engano, o Estado ainda é o maior anunciante deste país. Creio que uma medida dessas abriria imediatamente caminho para uma parceria mais que necessária entre redes de televisão e amplos setores ligados ao audiovisual brasileiro. Desse modo, a distribuição de filmes poderia se deslocar um pouco da vertente das salas de cinema e diminuiriam procedimentos francamente absurdos, para não dizer ridículos, de, por exemplo, toda a produção de documentários brasileiros ser exibida em salas de cinema, lugar na maioria das vezes completamente inadequado para esse gênero de filmes. Isso a despeito do documentário ser um dos produtos mais significativos da cinematografia nacional, tendo produzido recentemente mais do que uma obra-prima. Obras que, é claro, foram exibidas em salas de cinema.

Como outra sugestão de distribuição eficiente de filmes, poderia se utilizar alguma verba, das várias que o Estado põe à disposição do cinema, para o financiamento de DVDs a preços realmente populares. Creio que alguma coisa deva ser feita para vivificar esse mercado tão importante. Os mesmos “gargalos” que asfixiam os filmes nas salas estrangulam o processo de distribuição de DVDs. Creio, todavia, que é possível, por ser uma relativa novidade e, portanto, com privilégios e distorções não tão arraigados como no circuito de salas, encontrar uma solução criativa para que DVDs sejam distribuídos com preços próximos do pirata. Se tanto dinheiro é destinado a outras instâncias do cinema, por que não empregá-lo também para estruturar maneiras de fazer o DVD chegar ao público de modo mais eficiente? DVD seria uma forma de distribuição importantíssima, uma vez que o Brasil inteiro já incorporou esse aparelho aos lares. É também uma ideia que depende de uma visão do que se quer realmente do cinema e, mais ainda, do que se quer do destino do dinheiro público empregado nos filmes. Se a intenção final é que os filmes sejam vistos pelo mesmo público que os está pagando, não vejo como omitir problemas de distribuição que mencionei e que passam um pouco ao largo da antiga e desgastada distribuição em salas de cinema. O que tinha sentido no tempo da Vera Cruz não é exatamente aplicável mais de meio século depois.

Sem dúvida, uma modificação desse tipo deveria claramente partir das televisões públicas. Elas deveriam dar o exemplo e, feliz e aparentemente, estão começando a se mover nesse sentido. Uma iniciativa atual da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo me parece um bom exemplo de algo que preconizo para as televisões. Foi realizado um edital público para a produção de quatro telefilmes em co-produção com a TV Cultura de São Paulo, onde serão exibidos. Escolhidas as propostas, as primeiras providências para o início das produções já foram tomadas e brevemente quatro trabalhos de realizadores independentes poderão ser vistos, na sua heterogeneidade e diversidade, por um número de espectadores raramente atingido nas salas de cinema do país. Isso é ou não distribuir filmes na inteira acepção da palavra?

Sei que há outras iniciativas de mesmo teor envolvendo a mesma TV Cultura e o Sesc. É um começo animador, cujo final talvez seja a inclinação das redes de televisão abertas em direção de novas ideias e novas propostas.

Ugo Giorgetti é cineasta.

 

Filme brasileiro não tem público
por Fernando Adolfo

Ao ser convidado a escrever um artigo para a conceituada Revista E, do Sesc São Paulo, a princípio, não poderia aceitar tão honroso convite, estava em gozo de férias, descansando e refletindo exatamente sobre o porquê de continuar insistindo na difusão da mais popular expressão artística e que se tornou inacessível à maioria da população brasileira. Há mais de 40 anos na organização do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e, consequentemente, na programação diária dos filmes exibidos no Cine Brasília, fui impelido a mudar de ideia.

Por coincidência, acompanhava, em Marechal Deodoro, cidade próxima a Maceió, Alagoas, parte das filmagens do próximo longa de Guel Arraes, O Bem Amado, do genial dramaturgo Dias Gomes, com elenco de extraordinária popularidade, e naquela “Sucupira” exuberante e carente, a comunidade numa felicidade ímpar – que pena, pois não terão a menor possibilidade de ver o filme e, com absoluta certeza, quase a totalidade dos habitantes nunca assistiram a uma sessão de cinema.

Divagações à parte, vamos então ao artigo. Considerar que o “cinemão” norte-americano é fator decisivo para inibir ou roubar a presença do público dos nossos filmes é um mito, desculpa que deveria ser abolida definitivamente, ambos podem conviver pacificamente, concorrência é sempre saudável. Aumentar as produções que tenham características ou temas que possam despertar o interesse de grande parte do público seria um bom teste. Em um país com tamanha e única diversidade cultural, não seria recomendável investir em temas focados a atingir apenas classes sociais de selecionadas regiões.

Sendo, provavelmente, o quarto maior produtor de cinema do mundo, não podemos dizer que o cinema já se firmou como indústria. Com quase 200 filmes produzidos anualmente, apenas 10% conseguem um número expressivo de público. Um mercado competitivo, com poucas salas exibidoras, e localizadas apenas em shoppings, exclui a maioria dos espectadores, devido ao preço dos ingressos. Não haverá aumento de público enquanto exibidores não se deslocarem para bairros das grandes cidades, com alta densidade populacional e totalmente desprovidos de atividades culturais e de entretenimento. Esse me parece um caminho a ser seguido, investindo nas citadas áreas.

Há um fator importante a ser lembrado com relação à formação de público: são realizados anualmente mais de 100 festivais de cinema no país, desde capitais, grandes cidades e em muitas cidades de pequeno porte. Realizados, às vezes, em locais mal adaptados e não oferecendo projeções com a qualidade técnica desejada, o que só prejudica a necessária formação de público. Não há dúvida de que esses eventos são e serão sempre catalisadores e formadores de um novo público. No entanto, apesar de contribuírem para que uma pequena parcela dessas comunidades tenha acesso a esse bem cultural, o que é louvável, o custo/benefício e a contrapartida social serão sempre um entrave para a sobrevivência de tantos eventos.

Investir na formação profissional de técnicos, roteiristas, diretores, produtores e toda a cadeia que envolve a arte cinematográfica torna-se, principalmente com as novas tecnologias sendo implementadas velozmente, o ponto fundamental a meu ver. Produção, distribuição e exibição são indissociáveis, mas esse tripé fundamental ao processo é perverso no tratamento dispensado ao filme cultural. O cinema brasileiro convive, há décadas, com altos e baixos níveis de popularidade, e esse fenômeno ainda continuará apesar do esforço das entidades e profissionais envolvidos nesse processo infindável, tentando retomar e consolidar o hábito de ir ao cinema, que, inevitavelmente, será influenciado pelo poder aquisitivo das diferentes camadas sociais da população – apesar do sucesso recente do filme Se Eu Fosse Você 2, de Daniel Filho, que até o momento já atingiu mais de 4 milhões de pessoas, podendo superar o público de Dois Filhos de Francisco, de Breno Silveira, que alcançou mais de 5 milhões de espectadores. Esses dois exemplos poderiam facilmente superar todos os recordes já alcançados pelo cinema brasileiro antes da retomada, se houvesse a duplicação das salas existentes, hoje um pouco mais de 2 mil, para uma população de mais de 150 milhões de brasileiros.

Por último, gostaria de comentar sobre uma medida inócua implantada na década de 1970, já tentando atrair o público. Eram os tempos da Embrafilme, quando uma lei obrigava os cinemas a exibirem filmes brasileiros numa determinada quantidade de dias durante o ano. Como não resultou em nenhum benefício do que era esperado, simplesmente caiu em desuso, não foi necessário nem revogá-la. Ficou comprovado que os mecanismos a serem utilizados para conseguir o público tão almejado são outros.

Fernando Adolfo é coordenador-geral do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

 

 

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