Postado em 02/12/2009
O charuto pendendo da boca, o piano, a polêmica. Heitor Villa-Lobos, o homem imortalizado por obras como Trenzinho Caipira, não pretendia ser unanimidade. Cinquenta anos depois de sua morte, ocorrida em 17 de novembro de 1959, perduram excentricidades e causos que acompanharam a vida e as composições do maestro.
Em 1923, quando foi para Paris pela primeira vez, Villa-Lobos tratou de deixar claro que não estava ali para rapapés à cultura europeia. “Eu não vim aqui para estudar. Vim para mostrar o que fiz”, foi sua declaração ao pisar em território francês. O pequeno discurso entrou para a história.
Foi também o maestro o responsável por levar ao exterior várias essências sonoras brasileiras: da viola caipira aos ritmos indígenas. Era a primeira vez que temas da nossa cultura ganhavam o mundo em trajes de gala, com espaço reservado no restrito campo da música erudita.
Outro famoso comentário, registrado no site do Museu Villa-Lobos (www.museuvillalobos.org.br), foi em relação à possibilidade de tocar nos Estados Unidos: “Irei aos Estados Unidos somente quando os americanos quiserem me receber como eles recebem a um artista europeu, isto é, em razão das minhas próprias qualidades e não por considerações políticas”. Assim foi. A primeira vez em solo norte-americano se deu apenas em 1944, a convite do maestro e compositor Werner Janssen para uma turnê pelo país.
Mitologias à parte, a música de Villa-Lobos alcançou um reconhecimento antes impensável para a produção nacional. “Sem dúvida ele é o maior de nossos compositores, com notável divulgação mundial que nenhum outro conseguiu até agora”, avalia o historiador Vasco Mariz, autor de Villa-Lobos, o Homem e a Obra (5ª edição, Francisco Alves, 2005). “Quando fez 70 anos, o jornal The New York Times fez um editorial louvando sua obra.
Nenhum outro brasileiro teve essa distinção.” Mariz também afirma que, no centenário do maestro, a cidade de Leipzig, na Alemanha – terra natal de Johann Sebastian Bach –, homenageou o criador das Bachianas Brasileiras com dois concertos. Nessa mesma época, o Conselho Internacional da Música, em Paris, consagrou o ano de 1987 como Ano Villa-Lobos, rememora o historiador.
Pé de chinelo
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Cartas sem resposta
Na bagagem de volta das viagens à Europa, Villa-Lobos trouxe duas ideias que mais tarde se tornariam marcos na história musical brasileira: a implementação do canto orfeônico para a musicalização das crianças e a criação, em 1945, da Academia Brasileira de Música. A instituição composta pelos acadêmicos do meio musical surgiu no Rio de Janeiro com inspiração na Academia Francesa e sob liderança do maestro. Seu lançamento ajudou o fortalecimento dos estudos em música, assim como o reconhecimento das personalidades da área.
Os pressupostos do canto orfeônico também tiveram suas raízes em território francês e remetem à obrigatoriedade do canto coletivo nas escolas públicas parisienses, ainda no início do século 19. Villa-Lobos, encantado com a possibilidade de melhorar os “ouvidos” das novas gerações, iniciou um projeto de divulgação da técnica no Brasil. Ainda em 1931, organizou uma apresentação em que reuniu 12 mil vozes. O empenho o levou a ser convidado para o cargo de superintendente de Educação Musical e Artística, trabalhando ao lado do então secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Anísio ?Teixeira. Mas, em meados da década de 1940, o artista se afastou da iniciativa, que perdeu força e, no fim da década de 1970, foi extinta. Segundo Guérios, a falta de fôlego vinha da postura centralizadora de Villa-Lobos: “Ele era o dínamo, o centro deste projeto”, diz o autor. “Quando ele se desligou, não tinha formado sucessores que compartilhassem seu dinamismo.”
Após as aventuras pelo canto orfeônico, Villa-Lobos segue produzindo muito e viajando constantemente a convite de outros países interessados em seu trabalho. Seu último concerto foi logo no país onde só pisaria se fosse recebido como “artista europeu”: nos Estados Unidos, no Empire State Music Festival, em Nova York. Morreu quatro meses depois, em 17 de novembro. Na lápide de seu túmulo, um último suspiro da personalidade instigante: “Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade sem esperar resposta.”
1887 Nasce no dia 5 de março, no Rio de Janeiro, na Rua Ipiranga, bairro de Laranjeiras
1900 Compõe sua primeira peça, Panqueca, em homenagem à mãe, Noêmia.
1912 Conhece a pianista Lucília Guimarães, com quem se casa no ano seguinte.
1915 É promovido o primeiro concerto com obras de sua autoria, causando reações de espanto aos críticos.
1922 Participa, como único compositor, da Semana de Arte Moderna.
1923 Subsidiado pelo Congresso Brasileiro, faz sua primeira viagem à Europa.
1930 Dá início à composição das nove Bachianas Brasileiras e ao projeto de educação musical.
1932 Conhece Arminda Neves d’Almeida, a Mindinha (1912-1985), com quem se casa em 1936 e a quem dedica mais de 50 de suas composições.
1944 Faz sua primeira viagem aos Estados Unidos, onde é convidado a dirigir algumas das mais importantes orquestras norte-americanas.
1948 Descobre um câncer na bexiga.
1954 Recebe o título de Doctor of Music [doutor da música em tradução literal] da Universidade de Miami.
1954-1958 Grava para a EMI da França diversas obras de sua autoria.
1959 Morre, no Rio, aos 72 anos, no dia 17 de novembro, sendo velado no Theatro Municipal carioca e enterrado no Cemitério São João Batista.
Com informações do Museu Villa-Lobos.