Postado em 01/07/1997
Hoje, percebe-se que o culto ao corpo está presente em todos os momentos do nosso cotidiano. Seriados de televisão, propaganda, academias de ginástica lotadas às vésperas do verão. Enfim, em quase todos os setores da sociedade vende-se um modelo físico único que desvaloriza a naturalidade e a identidade de cada indivíduo. A corrida às academias com intuito de se obter o "corpo perfeito" faz com que a maioria das pessoas se desespere em horas de esforço físico não pelo cuidado com a saúde, mas em busca de uma estética mais valorizada. A situação se agrava com um fato: em grande parte dos casos, os alunos não têm qualquer orientação ou trabalho educacional sobre o que estão fazendo e não existe a preocupação de transmitir o conhecimento.
Outro grande vilão da boa saúde é o sedentarismo. A rotina de trabalho diário e a falta de atividades físicas são grandes causas de graves problemas de saúde. Estudos realizados em 25 mil ex-alunos de Harvard revelaram que 54% do risco de se morrer de problemas cardíacos depende do estilo de vida da pessoa. A porcentagem de câncer é de 37%, enquanto que a de um derrame cerebral é de 50%. Uma pessoa ativa, que pratica algum tipo de esporte, diminui em 66% os riscos de morte prematura. A simples mudança do grau sedentário para pouco ativo reduziria em 200 mil o número de mortes, só da população do Estado de São Paulo, em cinco anos, segundo o Celafiscs (Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul). Por esse benefício, as medidas preventivas em relação à saúde são cada vez mais valorizadas.
A prevenção é ponto fundamental da filosofia do Sesc que, com uma proposta totalmente diferenciada das academias de ginástica tradicionais, privilegia a manutenção da saúde dentro dos limites e possibilidades do aluno. Objetivos como a perda de peso não são descartados, mas a prioridade é conseguir que o corpo esteja saudável, independentemente da estética. Também é um ponto fundamental oferecer condições para que o aluno entenda e aprenda o que está fazendo, as quais permitam que ele realize sozinho exercícios para a boa saúde.
Autoginástica
A ginástica voluntária, um dos cursos mais populares, presente na programação de diversas unidades do Sesc, segue essa linha. Os participantes podem fazer todas as atividades de uma academia convencional. A diferença é que nesses locais os exercícios são feitos separadamente, de maneira individualizada, dependendo das necessidades do aluno. Na ginástica voluntária, o aluno escolhe o tipo de atividade que deseja fazer, desde que esteja se exercitando corretamente. Maria José Filha faz a ginástica voluntária na unidade do Sesc Pinheiros. Ela conta que procurou a aula para perder peso e sua inscrição foi realizada através da empresa na qual trabalha, o Condomínio Conjunto Nacional. "No começo eu só pensava em emagrecer. Descobri que tinha um problema circulatório e por isso ficava inchada. Passei a fazer a ginástica para solucioná-lo. Melhorei a minha saúde, comecei a perder peso e já emagreci sete quilos", conta. Maria foi orientada para que seu problema de saúde tivesse uma melhora. Ela afirma que aprendeu os exercícios e depois os aplicava em casa. A perda de peso foi decorrência da melhora de seu estado de saúde.
Flávia é colega de classe de Maria e sofre de asma. Por isso, pratica atividades físicas desde pequena. Ela conta que já participou de aulas em academia: "Fazia natação em uma piscina pequena e a ginástica não tinha qualquer acompanhamento. O instrutor mandava fazer uma série de exercícios sem maiores explica-ções. Aqui no Sesc você sabe o que e o por que está fazendo determinada coisa. É realmente uma aula", afirma.
Daniela Mathias, aluna da ginástica voluntária, ressalta outro ponto fundamental da filosofia do Sesc: a sociabilização. "O clima das academias é de competição - todos ficam se analisando, se vigiando. Aqui no Sesc o pessoal é mais variado e despreocupado com aparência física."
Extravasando emoções
A sociabilidade também é um dos pontos fundamentais da Bioenergética, atividade física que procura atender não só ao corpo, mas principalmente à mente dos alunos. "A Bioenergética trabalha as emoções através do corpo. Cada exercício mexe com diferentes sentimentos, como raiva, tristeza e ansiedade", conta Ivanilde Sampaio, psicóloga responsável pelo curso. Juntamente com Carmen Nisticó, também psicóloga, elas transmitem aos alunos o que estão fazendo, pois o principal objetivo é que eles tenham a percepção sensível da atividade. Um dos exercícios explora o toque. Dois alunos, frente a frente e de olhos fechados, tocam-se mutuamente, procurando trocar energias. No fim, um caloroso abraço. "O mundo está cada vez mais individualista e desumano", diz Teresa, aluna de Bioenergética. "O abraço é um agradecimento, uma forma de respeito entre as pessoas, um ato que vem se tornando raro", completa.
A Bioenergética, além de cuidar da parte física do aluno, também realiza um trabalho psicológico. "Ela mexe com a respiração, baseada na obra de Alexander Loen, discípulo de Reich, que por sua vez era discípulo de Freud. Os exercícios interferem na agressividade, timidez, segurança, auto-estima, sexualidade, sempre lidando com a parte emocional", diz Carmen.
Vera, uma das alunas, afirma que a Bioenergética alterou a sua vida. "Vim em busca de uma aula de Yoga, para fazer algum exercício, quatro anos atrás", conta. Ela diz que passou a ter maior autocontrole e isso mudou sua forma de relacionamento com as pessoas. "Aprendi a viver com mais tranquilidade. Mudei o relacionamento com os meus amigos e com a minha família, pois pude me controlar e hoje fico menos ansiosa e nervosa", afirma.
A vida sedentária também é uma grande causadora de problemas físicos e emocionais. Adelaide, também aluna de Bioenergética, conta que trabalha o dia todo no escritório. As posturas incorretas e o estresse diário, além dos problemas físicos, acabaram por reprimir suas emoções. "Com o trabalho sedentário sentia que estava acumulando rancor. Percebi que passei a ter problemas físicos por não extravasar as minhas emoções." Através dos exercícios, que envolvem desde gritos até dança, Adelaide passou a se sentir mais aliviada.
Segundo o médico Victor Matsudo, responsável pelo programa Agita São Paulo, dez anos atrás o sedentarismo e inatividade não eram considerados fatores de risco à saúde. Estudos posteriores revelaram que a inatividade mata mais do que a obesidade, alto colesterol e a hipertensão e alcança o número de casos provocados pelo tabagismo. Esses dados chamaram a atenção da Organização Mundial da Saúde, que passou a incentivar a criação de programas de atividade física em massa, como o próprio Agita São Paulo, e o Challenge Day, em que cidades competem pela maior mobilização da população em uma atividade física durante 15 minutos.
Tratamento sem impacto
Um dos mais frequentes efeitos da vida sedentária são os problemas de coluna. As más posturas causam essa situação, que se torna cada vez mais comum entre os brasileiros. Seja por conta própria ou por recomendação médica, milhares de pessoas recorrem a um tratamento cada vez mais popular para aliviar ou solucionar a questão: a hidroginástica.
O exercício dentro da piscina não tem qualquer efeito colateral e é indicado para o tratamento de problemas estruturais, como dores na coluna, artrose, hérnia de disco, osteoporose e de articulação. "Na água o impacto de um exercício é muito menor. Assim, é possível o tratamento desse tipo de problema, além de desenvolver a respiração e o trabalho cardiovascular. Com a quase ausência de impacto, a hidroginástica é recomendada até para gestantes", diz Simone Engbruch, instrutora do Sesc Ipiranga.
Neuza, uma das alunas, conta que quando seu médico lhe recomendou a atividade, sentiu calafrios. "Eu tinha medo de água", revela. "Hoje já estou habituada e frequento as aulas há quatro anos. Melhorei do meu problema de coluna e pretendo aprender a nadar", afirma com convicção. Lourdes, colega de classe, revela que o exercício, além de amenizar seu problema de articulação, ajudou-a a fazer grandes amigos durante as aulas. "A hidroginástica também contribui para manter o pique, pois trabalho o dia inteiro com outro astral", revela. Assim como Lourdes e Neuza, Helena Polizio faz o curso há quatro anos. "Antes, frequentei aulas de aeróbica em academia durante 12 anos. Aqui existe um clima diferente, mas os resultados são os mesmos", afirma. Sua instrutora, Simone, explica essa diferença. "O Sesc não visa a performance, o indivíduo atlético, ao contrário da academia, onde a busca é estética. O trabalho é mais forte, pois o resultado tem de ser imediato. Sem esse resultado rápido, o aluno abandona a atividade física."
A intenção educacional é levada ao seu ponto máximo por meio do trabalho desenvolvido nas unidades do Sesc Consolação e Pompéia. Além das atividades normais, também são oferecidos projetos especialmente desenvolvidos para crianças asmáticas, como a ginástica respiratória e a natação. A aula é dividida em duas partes com duração de 45 minutos cada. Na primeira, é desenvolvida a ginástica, quando elas aprendem a controlar melhor a respiração no seu cotidiano e nas crises, mais constantes no inverno. "O grupo é específico, só frequentam alunos com comprovação médica", diz Fabiana Passoni, instrutora. Nessa atividade é desenvolvida a consciência do problema respiratório, tanto da criança quanto a dos pais. Os exercícios de expectoração são ensinados com o intuito de melhorar a vida dos alunos. "Nós tentamos educar a criança para que ela consiga enfrentar uma crise leve ou moderada, evitando um conflito mais severo e para que possa viver sua vida normalmente, sem medo ou restri-ções pelo problema que possui", diz Maria Ivani Gama, monitora de esportes do Sesc Consolação. Na segunda parte da aula, na piscina, as crianças desenvolvem exercícios para a autoconfiança, extremamente necessária para superar uma crise. O fato da piscina ser aquecida faz com que o vapor umedeça e aqueça as vias respiratórias superiores, uma espécie de inalação. "Estes exercícios transmitem responsabilidade, a consciência do problema e as formas de evitar ou sair de uma crise. A partir do momento em que são desenvolvidos, a criança passa a ter controle sobre as crises e percebe que tem a possibilidade de viver normalmente", afirma Ivani. Segundo ela, que também é asmática, os pais precisam ser "educados", pois muitas vezes não sabem lidar com esse tipo de situação. "Eles acabam, por excesso de protecionismo, podando a vida de seus filhos ou entram em pânico durante uma crise. Um semblante de desespero na cara dos pais só piora a situação, pois a criança percebe que algo está realmente errado", afirma Ivani. Desse modo, quando o aluno inicia o curso, há uma reunião com os pais, na qual são orientados sobre como devem agir, os objetivos, os benefícios da atividade e também são esclarecidas algumas dúvidas. Mais um exemplo de que a prevenção e a educação para a boa saúde devem ser encaradas como prioridade, não como alternativa.