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Timidez congênita

Postado em 01/09/1999

Porto de Vitória (ES) (Foto: Delfim Martins / Pulsar)

Falta uma cultura de exportação. E sobram obstáculos ao exportador

MIGUEL ROBERTO NÍTOLO

Exportar é a solução. Esse slogan é repetido exaustivamente no Brasil há pelo menos 30 anos. Infelizmente é uma frase vazia. É o que se pode deduzir, diante das exigências que o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem fazendo para que o Brasil alcance maiores saldos comerciais.

Hoje mais do que nunca, entretanto, a solução para o desenvolvimento está na exportação. Que o digam nossos concorrentes, donos de grande agressividade comercial e de volumosas reservas em caixa. O que eles têm que nós não temos?

Algumas coisas. Entre elas uma cultura de exportação que torna o ato de exportar uma simples rotina, eficiente e livre de burocracia.

Veja neste texto o que pensam nossos empresários, exportadores ou não. E o que esperam do governo para que o Brasil corrija seu destino.

No início dos anos 70, um fabricante paulistano de equipamentos elétricos, empresário de porte médio, atuante e de larga tradição no ramo, justificava sua preferência pelo mercado interno alegando que vender para o exterior seria apenas uma aventura cheia de problemas. "A exportação não atende ao meu objetivo estratégico. É extenuante ter de lidar com a burocracia e arcar com seu custo", dizia.

Não era um comportamento atípico. A maioria das empresas agiam assim, desestimuladas a exportar diante do cipoal de normas e entraves burocráticos. De lá para cá pouco mudou, e no comércio internacional o país continuou a colher maus resultados, que hoje ameaçam deitar por terra as metas de saldos positivos acertadas com o Fundo Monetário Internacional (FMI). E fincam pesados pontos de interrogação no caminho do desenvolvimento.

O Brasil precisa desesperadamente de dólares para honrar seus compromissos e erguer uma muralha contra as crises que vêm de fora. E dólares se obtêm com empréstimos, investimentos diretos ou, de forma mais convincente, por meio de saldos comerciais. Em resumo, confiar apenas nos recursos externos é acreditar em Papai Noel. Ao primeiro sinal de instabilidade os especuladores fogem. Os fatos estão aí para dissipar qualquer dúvida. Tínhamos mais de US$ 70 bilhões de "reservas" no início do ano, mas bastou a crise apear aqui para elas evaporarem (despencaram para algo em torno de US$ 30 bilhões em questão de semanas). Por quê? Porque estamos tratando de um dinheiro que não é nosso, pertence a terceiros e bate asas assim que a economia começa a emitir sinais de enfraquecimento. Na verdade, contar com essas reservas é manter o país de mãos amarradas. O economista Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento, afirma que um dos maiores erros do governo, no caso do terremoto irradiado a partir da Ásia e da Rússia, foi confundir investimentos externos com recursos cambiais. "Reservas têm a China e Taiwan, que acumularam saldos de exportações", dispara.

Nada mais natural, portanto, que, acossada pelo FMI, Brasília faça projeções de saldos comerciais otimistas. Uma primeira previsão divulgada em março falava num superávit de US$ 11 bilhões para o corrente exercício. Não foi preciso muito tempo para que tanto o governo quanto o FMI concluíssem pela inviabilidade da estimativa. Então, em junho, com os pés mais próximos do chão, eles passaram a apostar num superávit de US$ 4 bilhões. Mas, pelo andar da carruagem, será de bom tamanho se o saldo bater em US$ 1 bilhão, um pouco mais, um pouco menos. Se chegar lá.

Há quem veja o setor à beira do abismo, escorado numa casca de banana. "O Brasil está correndo o sério risco de amargar um déficit de até US$ 2 bilhões na balança comercial", profetiza Primo Roberto Segatto, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior. Ele diz que a história do país no plano das exportações é trágica. "O Brasil vende lá fora o correspondente a apenas 5% do valor do PIB, contra a média de 20% das economias desenvolvidas e emergentes. É uma lástima."

Números fornecidos pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio mostram que as vendas internacionais do Brasil alcançaram US$ 22,4 bilhões nos primeiros seis meses do ano, contra importações de US$ 23 bilhões. Ou seja, em vez de um superávit o país amargou no período um déficit de mais de US$ 600 milhões. Isso sem falar que as exportações recuaram US$ 3,5 bilhões em comparação com os primeiros seis meses do ano passado. E que o déficit só não foi maior porque as importações caíram 17,04%. Ou seja, se as vendas para o exterior concretizadas de janeiro a junho tivessem repetido o desempenho de igual período do ano passado, o Brasil estaria festejando com antecedência de seis meses o saldo comercial acertado com o FMI para o ano inteiro. "Na pior das hipóteses, vamos zerar a balança comercial", adianta o secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), José Botafogo Gonçalves. "Tivemos reduções significativas nas importações em áreas como bens de consumo duráveis e não-duráveis e de capital. Esses dados mais do que compensam os resultados estatísticos negativos."

Fora do circuito

É melancólico ver como o Brasil patina e não consegue reunir forças para avançar no plano das exportações. O país está andando em círculos há anos, perdendo espaços preciosos no mercado internacional. Os brasileiros exportaram no ano passado o equivalente a US$ 51,1 bilhões em manufaturados, semimanufaturados, matérias-primas, serviços e produtos agrícolas, volume que não condiz com o peso de uma economia perfilada entre as dez maiores do globo. Pior, estamos correndo por fora do circuito do comércio mundial. O Brasil participa com apenas 0,95% da exportação global, que em 1998, de acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), alcançou os US$ 5,4 trilhões. Os Estados Unidos responderam por US$ 683 bilhões desse total, seguidos pela Alemanha (US$ 539,7 bilhões), Japão (US$ 388 bilhões), França (US$ 307 bilhões) e Reino Unido (US$ 272,7 bilhões). Um estudo divulgado no ano passado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a participação brasileira no comércio internacional vem caindo desde meados dos anos 80. "Em 1997, a participação atingiu 0,9%, contra 1,84% em 1984." A entidade avaliou que a recuperação das exportações brasileiras de manufaturados, segmento que lhe diz respeito, "depende de medidas de aumento da competitividade e não apenas de políticas de redirecionamento da oferta ao mercado internacional". O estudo da CNI faz uma comparação entre as exportações de 85 países industrializados no período que vai de 1989 a 1995. A situação do Brasil, dono de um parque industrial nada desprezível, é vexatória, para não dizer ridícula. Se comparados os produtos de maior demanda no mercado da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país é competitivo em apenas nove dos 44 manufaturados de maior volume de compras, ocupando a 58a posição.

Descendo a pormenores, constata-se que as vendas internacionais do Brasil andaram a passos lerdos nos últimos dez anos em relação à expansão experimentada pela maior parte dos grandes mercadores do planeta. Dados da OMC revelam que a média mundial de crescimento foi de 74% no período, contra apenas 48,5% do Brasil. O México, por exemplo, que tem um PIB inferior ao nosso, vendeu no estrangeiro, no ano passado, US$ 117,5 bilhões, um crescimento de 222,8% em relação ao desempenho de dez anos atrás. É certo que os mexicanos tiram proveito de acordos comerciais assinados com os americanos. Isso sem falar nas centenas de empresas ianques que se estabeleceram naquele país para auferir vantagens fiscais e exportar parte da produção para o mercado estadunidense. "O México atraiu, entre outras, as três gigantes americanas – General Motors, Ford e Chrysler – para produzir no país e exportar para os Estados Unidos, uma política que associou investimentos e comércio exterior", observa o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad, órgão da ONU para o comércio e o desenvolvimento (ver box à pág. 13). No fundo, o que importa é que os mexicanos entraram "de sola" na frenética corrida em que os países industrializados procuram garantir um bom naco do mercado internacional para seus produtos.

A capacidade de parte das empresas brasileiras de agitar o mundo dos negócios com exportações que envolvem muitos zeros é um fato. Mas por que essa verdade não se transforma em ação? Não constitui devaneio a idéia de que não temos uma cultura voltada para a exportação. É sabido que o malfadado custo Brasil ajuda a emperrar as exportações. Que nos acomodamos diante do protecionismo imposto por outros países. Que não temos uma política de exportações. E que falta, tanto ao empresariado quanto aos órgãos governamentais, maior agressividade no plano internacional. Ou seja, o pecado mora dos dois lados. E o que estamos fazendo para mudar o rumo das coisas?

Muitos empresários – como aquele dos anos 70 – continuam parados, soberbamente indiferentes à penúria que a falta de dólares causa ao país. Ainda não se deram conta de que a exportação leva obrigatoriamente ao aumento da produção, que, por sua vez, engorda as divisas nacionais, capitaliza as empresas e, o mais importante neste momento aflitivo, amplia o número de vagas no mercado de trabalho. Além, é claro, de proteger a empresa contra a queda de demanda no plano interno. As firmas que cultivam o hábito de colocar parte da produção no mercado internacional, mostra a prática, conseguem atravessar melhor que a concorrência os períodos sombrios que volta e meia se instalam na economia. Não se trata de substituir o mercado local pelo mundial, mas de criar as bases para somar ao mercado interno o internacional.

"Estamos desperdiçando uma oportunidade de gerar empregos e fortalecer a economia", advertiu o ex-ministro Ricupero em depoimento na Câmara Americana de Comércio de São Paulo. "Para aumentar o emprego temos de reanimar a demanda interna e intensificar as exportações", escreveu o empresário paulista Antonio Ermírio de Moraes, na sua coluna semanal no jornal "Folha de S. Paulo". Ele observou que é nesse campo que reside o grande problema da economia brasileira. "Depois do ajuste cambial, a quantidade de bens importados se reduziu, é verdade, mas seus preços aumentaram. Na outra ponta, a quantidade e os preços dos bens exportados despencaram, o que impediu as empresas de empregar mais." Moraes asseverou que a deterioração nas relações de troca depende muito do mundo externo, sem dúvida, "mas a seletividade nas importações e a aceleração das exportações dependem muito de nós, brasileiros". Ou, como declara o deputado federal e ex-ministro Delfim Netto, "está na hora da expansão da atividade econômica via exportações".

Na realidade, já está passando da hora. "A verdade é que o esforço exportador dependerá e depende de uma sintonia clara entre a administração pública e as empresas, algo que só se materializará, de maneira eficaz, quando o Brasil adotar a cultura exportadora", pondera Benjamin Steinbruch, presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce (a primeira no ranking das vendas externas). Ele diz que nunca tomou conhecimento de manifestações de setores econômicos e da sociedade contra o aumento das exportações. "Mas também não senti, até agora, a deflagração de um movimento de salvação nacional centrado, como devido, no aumento das vendas externas." Steinbruch escreveu, recentemente, que a situação poderia estar pior, considerando que 20% das exportações do Brasil são feitas por empresas multinacionais que vendem produtos para suas próprias coligadas. "De outra parte, só 3% das nossas vendas internacionais são feitas por micro, pequenas e até médias empresas. Um número que nas grandes economias mundiais fica sempre acima dos 40%." O presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), Joseph Couri, informa que nos Estados Unidos 54% das exportações de manufaturados são efetivadas por empresas com até 19 funcionários. "Na Itália, as companhias com até 14 empregados respondem por 64% das exportações."

Bolinha de sabão

Ante tais números, fica difícil botar fé na meta de US$ 100 bilhões de exportação estabelecida pelo governo para o ano 2002. A falta de cultura apontada por Steinbruch conspira abertamente contra esse alvo. Se não há garantias de que vamos conseguir avançar além de US$ 50 bilhões, neste ano, por que apostar na duplicação do montante em prazo tão curto? Para alguns técnicos em comércio exterior, a meta oficial tem a consistência de uma bolinha de sabão. "O governo precisa dar às exportações a mesma prioridade que concedeu às privatizações", disse em novembro do ano passado, no 18o Enaex (Encontro Nacional de Comércio Exterior), realizado no Rio de Janeiro, o ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes. À época presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Pratini de Moraes cobrou do governo uma postura mais agressiva nas exportações, com o lançamento de um programa de marketing internacional e medidas para redução dos custos internos. "Temos de ser capazes de vender água como os franceses. O desafio do Brasil é aprender a vender." Falando ao boletim da Câmara Americana de Comércio de São Paulo ele declarou que, "nos últimos anos, não houve nenhuma melhora no sistema tributário, na burocracia e no marketing externo do Brasil". Num outro depoimento a um jornal paulista, Pratini de Moraes defendeu a imunidade tributária para as exportações. "Nossa Constituição deveria copiar a dos Estados Unidos. Os americanos colocaram na sua Carta, há 212 anos, que é proibido taxar as exportações." Ele sustentou que toda tributação do comércio internacional deve se concentrar na importação. O ex-presidente da AEB está agora no centro das decisões, e os exportadores dão como certo que vai tratar de implementar as idéias que defendeu aqui fora.

Está sempre presente a possibilidade de o país incorporar mais dólares ao seu caixa de divisas. Entretanto, passam os anos e persiste um variado rol de novos e velhos problemas para resolver. Problemas que continuam do mesmo tamanho, apesar da confirmação irrefutável de que estamos ficando para trás no mercado internacional. As reprimendas vêm de todos os lados. "Para exportar mil dólares, o empresário brasileiro tem de desembolsar US$ 476 em papéis, um contra-senso", queixa-se Joseph Couri. "Se a venda externa for de US$ 11 mil, o desembolso será de US$ 1,4 mil. Trata-se de um problema de ordem econômica que onera e, por conseguinte, inviabiliza a venda em pequena escala." Couri salienta que o registro de exportadores só é conferido às empresas com capital social acima de R$ 50 mil. "As pessoas não sabem, mas 74% das firmas em atividade no Brasil pertencem à categoria de microempresas. Todas desfrutam de um capital social bem inferior."

O presidente do Simpi também reprova a sistemática abraçada pelo Estado de dificultar a negociação de cartas de crédito e de fiança (desconto bancário), e de criar obstáculos à obtenção de financiamentos para as operações de adiantamento de contrato de câmbio (ACC) e adiantamento de cambiais entregues (ACE) para as empresas incluídas no Cadastro Informativo do Ministério da Fazenda (Cadin) devido a problemas na área tributária. "Não me parece sensato erguer barreiras contra a entrada de divisas e a geração de empregos para forçar o pagamento de impostos. O governo não pode prender as empresas pelo pé, tolhendo negócios que não são tributáveis."

Não são apenas as micro e pequenas empresas que deploram os espinhos plantados no caminho das exportações. Todos estão sendo atingidos, do pequeno ao grande, sem distinção. Em menor ou em maior grau. A mais importante construtora brasileira, a baiana Norberto Odebrecht, empresa de larga tradição na prestação de serviços fora do país – uma das poucas multinacionais verde-e-amarela com presença ativa (no verdadeiro entendimento da palavra) no mercado mundial –, também se vê às voltas com problemas dessa natureza. A empresa depende, assim como todas as construtoras com obras no exterior, do financiamento oficial – Exim/BNDES e Proex/Banco do Brasil, linhas que têm permitido ao setor ganhar importantes licitações lá fora. Mas as companhias que se exercitam na área estão apreensivas com a informação de que o governo pode vir a abolir, gradualmente, os mecanismos de financiamento e de garantias às exportações de serviços de engenharia e construções. O argumento a favor dessa hipotética tomada de posição: a pequena contribuição para a geração de empregos no país e o risco de se estar cobrindo o financiamento dos gastos locais e não apenas os referentes às exportações.

"O governo deveria, isso sim, expandir e aprimorar esses esquemas de financiamento", salienta José Caetano Lacerda, diretor da Norberto Odebrecht. "O setor vem há anos contribuindo com o incremento das exportações, e não se furtou dessa responsabilidade mesmo durante o período de câmbio desvantajoso. Realizamos pesados investimentos para manter nossa capacidade instalada." Lacerda argumenta que, se os financiamentos secarem, o terreno conquistado lá fora refluirá, pois se estará subtraindo das empresas a flexibilidade que as faz vitoriosas nas licitações internacionais. "A exportação de serviços de engenharia e construção incorpora bens e produtos brasileiros, e funciona, na prática, como general contractor, abrindo as portas do mercado internacional para os fabricantes locais." O diretor da Odebrecht ressalta que uma estatística conduzida pelo Banco do Brasil mostra que para cada dólar de serviços exportados outros cinco dólares ingressam no país na forma de produtos negociados direta ou indiretamente lá fora. Ou seja, vender serviços de engenharia e construção no exterior gera empregos aqui dentro. Lacerda listou algumas centenas de empresas brasileiras que chegaram com seus produtos a outras partes do globo graças à presença internacional da Odebrecht. Gente graúda e gente miúda fazem parte da relação. Ao lado de nomes de peso como Alcan Alumínio, Arisco Produtos Alimentícios, Asea Brown Boveri, Multibrás e Companhia Siderúrgica Nacional, por exemplo, destacam-se, entre tantos outros, as empresas Azaléia Flores Especiais, Beaga Sementes, Bronzepuro Metais, Casa das Fechaduras de Niterói e Cerealista Vila Nova.

A seqüência de mazelas que afligem as exportações parece não ter fim. O diabo é feio como o pintam. "Precisamos urgentemente de um maestro para reger nosso comércio internacional", sugere Roberto Segatto. "O comando das vendas externas é pulverizado. Há muita gente atuando na área – Ministério da Fazenda, Banco Central, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Banco do Brasil, Itamaraty e uma série de órgãos federais –, e isso acaba dificultando os passos das exportações." O presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior propõe a criação de um ministério exclusivo, um comando único para as vendas externas, ou de uma divisão subordinada ao Ministério da Fazenda de atuação restrita às coisas relacionadas ao mercado internacional. "Nossa diplomacia não é atuante no que diz respeito a ajudar o país a abrir mercados lá fora. Não cultivamos o hábito de exibir nossos produtos em feiras internacionais. Os bancos brasileiros não estão engajados na guerra da exportação na proporção desejada. Pagamos fretes elevadíssimos no plano internacional, quase o dobro dos valores desembolsados por americanos e asiáticos (quem importa mal, exporta mal)." Por essas e outras, garante Segatto, 80% das exportações brasileiras são bancadas por pouco mais de 500 empresas, quando, na realidade, o movimento financeiro deveria ser mais elevado e envolver um número maior de participantes.

Essas discrepâncias remetem o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior aos tempos da eficiente Befiex (Comissão Especial para Concessão de Benefícios Fiscais e Programa Especial de Exportação), que está saindo de cena neste ano com o fim da vigência dos últimos contratos. "As empresas que participavam do programa assumiam o compromisso de exportar um punhado de dólares para cada dólar importado. Um negocião para o país, considerando que o volume de impostos que deixava de ser arrecadado pelo fisco era insignificante, diante dos resultados colhidos." Segatto conta que, de 1982 a 1998, a Befiex gerou um saldo positivo da ordem de US$ 88,3 bilhões, contra uma renúncia fiscal de US$ 5,3 bilhões.

Parece enredo de filme surrealista, mas é exatamente esse o retrato das exportações brasileiras. Segatto anda acabrunhado com a situação. Ele protesta contra a ausência de uma política industrial para o país. Também se queixa da inexistência de uma política para a exportação. "Como pode um país caminhar sem uma política de desenvolvimento? Não é possível seguir em frente sem um projeto e despido de objetivos."

Descuido perigoso

No ano passado, de acordo com o Banco Central, o Brasil recebeu US$ 22,2 bilhões a título de investimento estrangeiro direto. A questão é que 83% daquela montanha de dinheiro ingressou no país para engordar o setor de serviços, especialmente bancos, varejo, telecomunicações e eletricidade, através de aquisições, fusões ou novos projetos. Essa parece ser uma tendência mundial: o setor industrial, que no passado liderava os investimentos, colocado num segundo plano. Ocorre que, com algumas exceções, esse capital não vem para gerar excedentes exportáveis, ao contrário do que acontece com os investimentos direcionados para o setor produtivo. "Estamos negligenciando nosso poder de mercado", adverte o ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, atual secretário-geral da Unctad. Ele tem dito à imprensa que "não vamos conseguir aumentar as exportações se não explorarmos nossas vantagens".

Segundo Ricupero, o Brasil tem de administrar o acesso de outros países ao nosso mercado em troca de concessões para a penetração dos produtos nacionais em seus mercados. Ele salienta que a China só aceita investimentos destinados exclusivamente à exportação. E que os Estados Unidos condicionam o acesso a seu mercado a facilidades para a exportação de suas mercadorias. E nós? Não fazemos nem uma coisa nem outra.

Disposição para exportar

Duas empresas. Os ramos de atividade não são coincidentes, mas elas têm comportamentos semelhantes no trato com o desenvolvimento tecnológico, pertencem à categoria de negócios rotulados de pequeno para médio porte e revelam a mesma disposição para vender lá fora.

A Alujet, de Vinhedo (SP), produtora das rodas esportivas Binno, exporta desde os primeiros anos da década passada (ela foi fundada em 1969); a Soletrol, de São Manuel (SP), a maior do país na manufatura de coletores e reservatórios térmicos para aquecedores solares, ultimou recentemente a montagem de um departamento de comércio exterior e está acertando as primeiras vendas lá fora (a empresa entrou em atividade em 1981). Estágios diferentes na evolução dos negócios no plano internacional, argumentos parecidos em favor da exportação. "Uma empresa não pode depender apenas do mercado interno", diz Luís Augusto Ferrari Mazzon, diretor presidente da Soletrol. "Tem de ir atrás do externo se quiser ter saúde financeira."

E o que diz o presidente da Alujet, Jorge Gilberto Achcar? "Quem quer estabilidade, correr um risco menor com os altos e baixos da economia, deve vender parte considerável da produção para o exterior."Achcar não está falando de vendas descontinuadas. Está se referindo a negócios regulares, contínuos, independentes do comportamento das vendas no plano interno. A Alujet é a maior indústria de rodas de liga leve da América Latina, posição alcançada graças, em parte, às exportações. No ano passado, das 560 mil rodas fabricadas pela empresa, 187 mil tomaram o caminho do exterior. Neste ano, revela Achcar, o plano é colocar no mercado internacional 200 mil unidades.

Festejada como a indústria do setor mais bem estruturada no continente americano ("Nem nos Estados Unidos você encontra uma empresa como a nossa", sustenta Mazzon), a Soletrol começa a seguir o exemplo da Alujet: não quer perder tempo nem oportunidades no plano externo. "Vamos exportar US$ 1 milhão no decorrer do próximo ano." E arrisca um palpite. "Se outras 999 pequenas empresas ainda não exportadoras passassem a trabalhar com a mesma meta da Soletrol para o ano 2000, o Brasil veria suas reservas engordarem US$ 1 bilhão no decorrer do período."

De costas para os vizinhos

Em julho, o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou o Peru à frente de uma comitiva de 53 empresários, levando na bagagem o propósito de intensificar as relações comerciais com o país vizinho. A nação peruana tem a economia mais liberal da Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) e pode constituir um excelente mercado para nossas exportações. No entanto, esse país de 24,8 milhões de habitantes compra do Brasil apenas US$ 320 milhões anuais, US$ 40 milhões mais do que exporta para cá. Um comércio acanhado perto dos US$ 13,6 bilhões das transações comerciais do país com o mundo, em 1998 (exportações de US$ 5,6 bilhões e importações de US$ 8 bilhões).

Diziam no passado que o Brasil vivia de costas para os mercados limítrofes. Afirma-se hoje que experimentamos um acelerado processo de integração com as economias vizinhas, e que o Mercosul é o maior exemplo dessa guinada. Enche os olhos ver o comércio regional no cone sul saltar de uma ninharia anual, poucos anos atrás, para os atuais US$ 20 bilhões. Pode parecer muito, mas não é tanto assim. O pequeno comércio com o Peru é a prova cabal de que o Brasil ainda não se colocou de frente para seus parceiros.

Para atender às suas necessidades, o Peru importa de várias partes do planeta, mais do que compra do Brasil. Soa estranho dizer isso, considerando a proximidade entre os dois países e o espírito integracionista que se manifesta no continente.

"A expansão do centro-oeste do Brasil está ligada, de alguma forma, ao desenvolvimento do Peru", não hesita em afirmar o presidente do Conselho Empresarial Brasil-Peru, Miguel Ignatios. "O desinteresse comercial que no passado pautou o relacionamento entre os dois países deve ser revertido daqui para a frente." Na primeira rodada comercial promovida pelo conselho, em agosto do ano passado, com a presença de 300 empresários brasileiros e peruanos, foram fechados negócios da ordem de US$ 600 mil. "Na segunda, em maio último, os acordos comerciais chegaram a US$ 1,5 milhão", conta Ignatios, que também responde pela presidência da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).

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