
Com
espetáculos vindos de vários países, trazidos pelo
Sesc São Paulo e por diversos parceiros, a capital e o interior
conquistam espaço definitivo na rota do teatro internacional
Desde o final de
agosto, São Paulo está abrigando uma visitante ilustre:
a encenadora francesa Ariane Mnouchkine e sua companhia, o Théâtre
du Soleil (veja boxe O Amor Como Objetivo), pela primeira vez no Brasil.
A iniciativa é resultado de um esforço envolvendo o Sesc
São Paulo, o Consulado da França no Brasil, o Festival
Porto Alegre em Cena, o Festival Internacional de Buenos Aires e o Cultures
France, órgão ligado ao governo francês. "Nós
do Sesc São Paulo sempre tivemos o interesse em trazer a Ariane
para o Brasil", afirmou o diretor regional do Sesc, Danilo Santos
de Miranda, durante a entrevista coletiva realizada no dia 27 de agosto
nas instalações onde será apresentado o espetáculo
Les Éphémères (Os Efêmeros), de 12 a 23 de
outubro. "Nós tentamos desde 1997 e não deu certo,
infelizmente, por diversas razões. Depois tentamos novamente,
em 2004, por ocasião do Fórum Cultural Mundial, e quase
conseguimos, mas também não aconteceu. Desta vez, graças
a uma conjunção de fatores que deram certo, enfim, São
Paulo recebe Ariane Mnouchkine e seu Théâtre du Soleil."
Pesquisa
e experimentação
Esforços para colocar São Paulo na rota de alguns dos
mais importantes espetáculos teatrais do mundo sempre fizeram
parte da atuação do Sesc São Paulo. Ariane é
o atual capítulo de uma história que em meados da década
de 1980 já dava o que falar. Em 1986, a instituição
trouxe o ator e bailarino japonês Kazuo Ohno, grande mestre da
dança butô. A vinda de Ohno na época foi celebrada
com casa cheia, na unidade Consolação, e a satisfação
no rosto de figuras do teatro brasileiro, como o diretor Antunes Filho
- admirador confesso de Ohno - e o ator Raul Cortez. O bailarino voltaria,
ainda, em 1997 para uma série de apresentações
que fizeram parte da Temporada Sesc Outono. Ainda da terra do sol nascente,
vieram o encenador Tadashi Suzuki e sua Company of Toga - pela primeira
vez no Brasil, em 1993. Nos dias 7, 8 e 9 de maio daquele ano, o espetáculo
Dionysus ocupou o Parque da Independência - onde se encontra o
Museu Paulista da Universidade de São Paulo (mais conhecido como
Museu do Ipiranga) - como parte das atividades da unidade local. A iniciativa
ofereceu ao público a chance de conhecer um dos grandes mestres
do teatro mundial, criador do método que leva seu nome e que
influenciou dramaturgos brasileiros.
Em 1995, foi a vez de o público paulista tomar contato com o
teatro da companhia norte-americana The Wooster Group, que apresentou,
no Teatro Anchieta, também na unidade Consolação,
o espetáculo Frank Dell's The Temptation of St. Antony, de 16
a 20 de março. A peça era uma "reinvenção"
- como informa o programa - do texto Tentação de Santo
Antão, do escritor francês Gustave Flaubert, e trazia no
papel principal o ator Willem Dafoe - conhecido do público brasileiro
na época por filmes como Platoon (1986) e A Última Tentação
de Cristo (1988). "As atividades internacionais circulantes pelo
teatro são propostas e aceitas quando os grupos envolvidos possuem
a preocupação com a pesquisa e a experimentação
também em seus países", esclareceu Danilo Santos
de Miranda na ocasião da vinda do Wooster Group. Ainda no final
daquele ano, o mesmo Teatro Anchieta receberia a atriz britânica
Vanessa Redgrave, com seu Antony & Cleopatra, de William Shakespeare.
Em 1996 - já consolidada essa agenda internacional -, o Sesc
São Paulo trouxe outro mestre, dessa vez vindo da Polônia:
Jerzy Grotowski. Durante os meses de setembro e outubro, Grotowski permaneceu
na cidade para diversas atividades, realizadas em colaboração
com o Centro de Pesquisa Teatral (CPT), de Antunes Filho, e o Centro
de Experimentação e Pesquisa Teatral de Pontedera, do
diretor italiano Roberto Bacci. Um workshop voltado para convidados
resultou no espetáculo Ação, enquanto o CineSesc
foi palco de duas exibições do documentário Art
As Vehicle (A Arte Como Veículo), produzido e dirigido pela cineasta
norte-americana Mercedes Gregory e comentado na ocasião pelo
próprio Grotowski.
A
história continua
De 2000 até agora, o ritmo de atrações internacionais
não diminuiu. Em 2001, o italiano Roberto Bacci apresentou nos
palcos das unidades Pompéia, São Carlos, Ribeirão
Preto e Araraquara o espetáculo Ciò Che Resta, além
de ministrar uma oficina de dramaturgia.
O ano de 2004 foi especialmente agitado. O inglês Peter Brook
veio para uma concorrida temporada de Hamlet, de William Shakespeare,
no Sesc Vila Mariana, e Bacci voltou ao país com O Zurro do Asno,
no Sesc Belenzinho, depois de ter dirigido o ator Cacá Carvalho
em A Poltrona Escura, em 2003, na mesma unidade. "Com o Bacci,
aprendi a redimensionar meu papel como ator", diz Cacá Carvalho,
que mantém um intercâmbio criativo com o diretor italiano
desde 1988. "Ele é mais que simplesmente o meu diretor de
teatro. Ele é orientador e mestre no sentido de passar conhecimento
no processo de formação." O ator explica ainda que,
desde a primeira vez que os dois se encontraram, há quase 20
anos, Bacci já trouxe ao Brasil oito espetáculos produzidos
pelo Centro de Experimentação e Pesquisa Teatral de Pontedera.
O italiano não poupa elogios aos espectadores brasileiros. "Durante
os muitos anos em que temos trabalhado no Brasil, uma coisa que me tocou
foi o amor, o interesse e a atenção do público
pelo teatro. É como se existisse uma espécie de fome cultural
de teatro que na Europa é muito raro encontrar", afirmou.
"O Brasil é o único país onde nos sentimos
no dever de traduzir os espetáculos devido à ligação
que temos com o público."
Outro que aterrissou na cidade em 2004 - pela terceira vez - foi o grego
Theodoros Terzopoulos, que trouxe sua companhia, Attis, para mostrar
Epígone, montagem da tragédia grega de Ésquilo,
no Sesc Consolação. Naquele ano, quando o encenador deu
um depoimento à Revista E de março, fez questão
de ressaltar a satisfação com que retornava a São
Paulo. "Os atores costumam vir a esta cidade com um grande entusiasmo,
pois sabem que vão se apresentar em um lugar muito receptivo.
São Paulo é uma das mais formidáveis metrópoles
do mundo, não perde em nada para Berlim, Tóquio ou Nova
York." A primeira visita ao Brasil ocorreu em 1990, quando apresentou
o espetáculo Persas, também de Ésquilo. Em 2002,
o Sesc São Paulo, por meio da unidade Consolação,
repetiu a dose ao trazer o diretor e a peça Descent, de Eurípedes
e Sófocles.
O Japão voltou a mostrar sua arte em terras brasileiras em 2005,
quando o elogiado grupo performático Ishin-Ha chegou a São
Paulo para exibir a montagem Natsu no Tobira (A Porta do Verão),
na unidade Santos. "Eu assisti a um espetáculo deles em
Osaka há 12 anos e fiquei extasiado com a tensão dramática
do grupo", contou o diretor de teatro Antunes Filho durante a entrevista
coletiva do grupo. "Você não pode analisar os espetáculos
do Ishin-Ha pelo que você já sabe de teatro", acrescentou.
"Tem de ir sem preconceito, sem esperar aquela coisinha já
pronta." Yukichi Matsumoto, diretor e criador da companhia, fez
questão de ressaltar a satisfação de "finalmente"
ter conseguido viajar com um de seus espetáculos para um país
tão distante. "Há dez ou 12 anos, era difícil
pensar em viajar com nossos espetáculos mesmo dentro do Japão",
ressaltou.

Ver boxes:
O
amor como objetivo
O
amor como objetivo
Espaço
onde será erguida a futura unidade Belenzinho recebe
o teatro do sol de Ariane Mnouchkine
Ariane
Mnouchkine é considerada uma das maiores diretoras de
teatro em atividade no mundo. Em primeiro lugar, por sua importância
para as artes cênicas - uma das primeiras mulheres a se
destacar num campo onde brilham nomes masculinos, como o inglês
Peter Brook, o japonês Tadashi Suzuki e o brasileiro Antunes
Filho. Em segundo, porque seu teatro é realmente grande
e farto. Ariane desembarca no Brasil com uma companhia multiétnica
criada há mais de 40 anos, o Théâtre du
Soleil (teatro do sol, em francês), formada por 75 pessoas
- 28 atores adultos, 15 crianças e uma equipe técnica
que inclui até cozinheiros -, para apresentar um espetáculo
de mais de sete horas de duração - Les Éphémères
(Os Efêmeros), em cartaz de 12 a 23 de outubro no espaço
que abrigará a futura unidade Belenzinho do Sesc. A vinda
da companhia francesa é resultado de um esforço
que envolveu o Sesc São Paulo, o Consulado da França
no Brasil, o Festival Porto Alegre em Cena, o Festival Internacional
de Buenos Aires e o Cultures France, órgão ligado
ao governo francês.
Tudo que diz respeito ao Théâtre du Soleil é
superlativo. Desde o cenário de Les Éphémères,
que reproduz - no bairro do Belém, na Zona Leste da capital
- a Cartoucherie, antiga fábrica de armamentos transformada
em sede da companhia francesa na década de 1970, até
o grande objetivo: despertar o amor nos espectadores, como adiantou
a encenadora em entrevista coletiva à imprensa brasileira,
em 27 de agosto, nas instalações onde será
apresentado o espetáculo. "A expectativa que tenho
do público brasileiro é que ele nos compreenda
e nos ame", diz.
Ariane Mnouchkine nasceu em 3 de março de 1939 e é
filha de mãe inglesa e pai franco-russo produtor de cinema.
Em 1961, dirigiu o primeiro espetáculo, Gengis Khan,
quando fazia parte da Associação Teatral dos Estudantes
de Paris (Atep) - espécie de embrião do que viria
a ser sua companhia. Depois de uma viagem de dois anos ao Oriente,
época na qual conheceu o teatro tradicional asiático,
reduto de seus mestres, voltou a Paris e fundou, em 1963, o
Théâtre du Soleil. "Há uma luta permanente
no meu país para manter o desejo da arte, da cultura
e da civilização o mais longe possível
de algo simplesmente mercadológico", declara. "Mas
sempre querendo se manter popular e acessível, e esse
é o caso do Théâtre du Soleil. Então,
mesmo com todas as insuficiências, ainda existem aqueles
que acreditam que a cultura é uma arma contra a ignorância
e a pobreza." O espetáculo que os brasileiros poderão
ver já passou pelas cidades francesas de Paris, Quimper
e Avignon, pela capital grega, Atenas, e por Buenos Aires, na
Argentina. No Brasil, a peça será exibida no Festival
Porto Alegre em Cena e, em seguida, vem ao Sesc São Paulo.
Les Éphémères é uma espécie
de síntese das qualidades que Ariane mais preza na arte.
Ele é anticomercial, dada sua extensão, entre
outros motivos, e ao mesmo tempo fala aos mais diversos públicos.
O tema não aborda nenhum grande evento histórico
ou uma trama intrincada. É sobre pessoas. Suas histórias
e suas lembranças. "Esse espetáculo surgiu
de outro, chamado Le Dernier Caravansérail - Odysées
[Numa tradução literal, O Último Caravançará
- Odisséias. Caravansérail significa um tipo de
estalagem que abriga gratuitamente caravanas com pessoas de
diversas etnias no Oriente Médio], que contava a epopéia
dos refugiados que vinham do Iraque, do Irã e do Afeganistão
e que chegavam até Sangatte, centro de acolhimento da
Cruz Vermelha montado em Calais, uma pequena cidade francesa
por onde passa o túnel que leva à Inglaterra",
afirma Ariane. "Era um espetáculo no qual víamos
muito a maldade humana, como os homens fazem sofrer uns aos
outros - e como fazem as mulheres sofrerem. No final desse espetáculo,
quando nós terminamos a temporada na Austrália,
fiz uma proposta aos atores da companhia dizendo que eu gostaria
de montar um espetáculo sobre a bondade humana, sobre
o momento no qual somos realmente humanos." Ainda segundo
a diretora, o caminho para chegar à beleza humana foi
a perda e a brevidade do homem na terra, daí o título
do novo trabalho. "É no momento em que perdemos
algo que nos damos conta do que é o ser humano."
Em Les Éphémères, tudo se dá pela
ótica da família e da fraternidade. Histórias
que envolvem a força da imagem materna, dos laços
entre irmãos, da relação com os ancestrais
e da reconciliação entre parentes.
"Eu poderia dizer que Les Éphémères
é feito de flashbacks, de memórias e lembranças",
explica Ariane.
O espaço que servirá de universo para as histórias
contadas pela companhia ocupa uma área de 3.100 metros
quadrados. O imenso cenário é divido em três
ambientes, e apenas um servirá à encenação
propriamente dita. Um dos módulos será destinado
à circulação e a serviços - onde
o público terá a oportunidade de conviver com
a equipe da companhia -, e em outra área funcionará
um restaurante, do qual sairão iguarias da culinária
francesa, que serão oferecidas aos convidados e aos espectadores.
"Meyerhold [Vsevolod Meyerhold, diretor e teórico
do teatro russo] dizia que se deve entrar num teatro como quem
entra num palácio de maravilhas", conta Ariane.
"E São Paulo é uma cidade enorme e cansativa
- muito cansativa, extenuante. Então, se eu abro meu
teatro em um dia chuvoso e vejo que há pessoas ali que
poderiam ter ficado em casa assistindo a qualquer besteira na
televisão, mas preferiram ir ao teatro e pagar por ele
- fazemos o preço mais baixo possível, mas às
vezes são famílias inteiras e, de fato, fica mais
caro -, é bom que essas pessoas possam entrar, se acalmar,
comer uma comida feita com amor, não ter nenhuma preocupação
e passar um momento na nossa casa, no nosso 'palácio
de maravilhas'." Além do espetáculo, o Sesc
São Paulo realizará o projeto Encontros Com Ariane
Mnouchkine, com bate-papo com a diretora, na unidade provisória
Avenida Paulista e no Sesc Consolação; e uma mostra
de filmes da encenadora no CineSesc. Mais informações
sobre datas, horários de todas as atividades podem ser
conferidas no Em Cartaz desta edição.
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