
por
Luiz Alberto Santana Zakir
Recentemente o cinema
perdeu dois de seus mais expressivos criadores: o sueco Ingmar Bergman
e o italiano Michelangelo Antonioni. Desde seu nascimento no início
do século passado, a atividade cinematográfica transformou-se
em uma poderosa indústria do ramo do entretenimento, tendo produzido
uma infinidade de filmes visando, na maior parte dos casos, ao resultado
econômico. Hoje, passado mais de um século de sua criação,
é possível separar essa intensa produção
para o mercado de uma outra, de interesse cultural, artístico
e intelectual - fonte de expressivas referências históricas
e instrumento de estímulo ao pensamento e à reflexão.
Bergman e Antonioni foram pensadores geniais que retrataram questões
existenciais e filosóficas, objeto de suas inquietações
e do momento histórico em que viveram. Ver um filme de Antonioni
- A Noite, por exemplo - é mergulhar no drama vivido pela sociedade
italiana (e européia em geral) que, superados os efeitos da guerra,
vai enriquecendo e se aburguesando sem, porém, encontrar sentido
para a vida. Ele reflete o mal-estar de viver - algo característico
do pensamento existencialista. Já Bergman duela permanentemente
com seus fantasmas em profundas viagens ao inconsciente, perplexo frente
à brevidade da vida e a proximidade da morte. Não é
a toa que um de seus mais brilhantes filmes, O Sétimo Selo, trata
de uma disputa de xadrez de um homem com a morte.
Outros exemplos podem ser destacados: Em 1925, Sergei Eisenstein filma
Encouraçado Potenkim, a dramatização do massacre
de marinheiros insurgentes que acabou sendo estopim para a Revolução
Russa de 1917. Nos anos de 1920 e 30 surge o cinema expressionista alemão
em filmes como O Gabinete do Dr. Caligaris, de Robert Wiene, e Metropolis,
de Fritz Lang. Os dois apontavam, metaforicamente, para os horrores
que poderiam vir em breve na Alemanha, o que acabou ocorrendo com o
surgimento da Social Democracia. Os documentários recentes Leni
Reifensthal, a Deusa Imperfeita e Arquitetura da Destruição
nos mostram como Hitler utilizou-se do cinema na mobilização
da sociedade alemã para seus objetivos.
Da mesma forma, o pós-guerra na Itália é fartamente
analisado nas realizações dos cineastas do neo-realismo.
A reconstrução do Japão está contida em
extensa filmografia, na qual se destacam as ficções de
Akira Kurosawa, Yasuhiro Ozu e Kenji Mizoguchi. A Guerra do Vietnã
gera filmes como Apocalipse Now, Amargo Regresso e Corações
e Mentes, momentos de reflexão crítica do cinema americano.
O fim da União Soviética proporciona a independência
de uma série de países que, livres de tutela e censura,
produzem seus filmes com uma temática recorrente: a nova economia
e os impactos do capitalismo em uma sociedade sob décadas de
economia de Estado. Hoje se impõe uma grande produção
asiática de diferentes procedências: Coréia, Taipei,
Tailândia e principalmente China, que expressa o choque cultural
causado pelo surgimento de um capitalismo voraz em contraposição
a uma cultura milenar.
Nossos cinemas exibiram (talvez ainda estejam exibindo) um filme chinês
chamado Em Busca da Vida, que trata de um relato sobre a construção
da hidrelétrica das Três Gargantas, à beira de se
transformar no maior lago artificial do mundo. O filme retrata todos
os aspectos contraditórios da atual fase da economia e da sociedade
chinesas e suas profundas inquietações existenciais.
Informar e refletir sobre a vida na Terra sem perder suas características
de entretenimento e estímulo ao pensamento e à reflexão
nos parece ser a vocação da arte cinematográfica.
Uma arte de fácil acesso e rica diversidade que nos remete ao
sonho e à história.
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Luiz Alberto Santana
Zakir é sociólogo e gerente do CineSesc
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