Postado em 28/08/2008
“Se você não for bem resenhado num jornal de São Paulo ou do Rio de Janeiro, você não consegue convencer ninguém de que é escritor.” A afirmação é do pernambucano Raimundo Carrero, que participou da série de debates, realizada pelo Sesc Consolação, Cartografia Web Literária [veja boxe Novas práticas literárias]. Embora afirme que teve “muita sorte” na hora de publicar seus livros, Carrero confessa que sempre pôde perceber as “inúmeras e extraordinárias” dificuldades que sua geração teve para ver a obra nas prateleiras das livrarias. “As exclusões são graves”, continua. “As maiores editoras nacionais estão localizadas no Rio e em São Paulo.” Mas os obstáculos no caminho da publicação de um livro não são exclusivos da geração de Carrero. No tabuleiro do mercado editorial, o jogo é pesado, sobretudo atualmente, com o aumento de títulos e a profusão de novos nomes, o que acirra ainda mais a disputa pela atenção do leitor e, conseqüentemente, pelo interesse das grandes editoras – uma vez que as pequenas também sofrem pela falta de recursos. “Publicar é muito caro, eu sou editora também, eu sei”, conta Heloísa Buarque de Holanda, professora titular de teoria crítica da cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “E para editora pequena, então, é uma tragédia, autor novo é outra tragédia.”
É nesse contexto difícil que surge uma luz no fim do túnel, ou na tela do computador, para ser mais exato: a internet. Já conhecida há um bom tempo pelo brasileiro – sua difusão passou a se intensificar no país a partir de 1995 –, a rede mundial de computadores, com sua velocidade alucinante no transporte de informações, não demorou para ser usada para divulgar conteúdos dos mais variados. E com a literatura não foi diferente. Se no papel começou a ser difícil se fazer ler, escritores de diferentes gerações passaram para a tela. Nascia a literatura na internet, um fenômeno que traz à tona questões que passam não só pelo campo financeiro, mas também pelo cultural e criativo. “Você está aqui, manda um texto e já vai receber uma resposta de alguém que está em Moçambique”, exemplifica o escritor cearense Carlos Emílio C. Lima, também debatedor do evento do Sesc Consolação. Lima afirma que seu trabalho e sua interação com o leitor ganharam tal fôlego quando migrou para rede que o escritor chega a comparar o fenômeno com o movimento modernista. “É a nova revolução modernista no que diz respeito à descentralização cultural que ela promove.” A professora Heloísa Buarque de Holanda conta também que muitos dos mitos que apontavam a internet como ameaça ao formato livro e à literatura estão sendo derrubados. “Eu fiz uma exposição, no ano passado, chamada Blooks – Tribos & Letras na Rede, blooks aí como uma junção das palavras blog e books [livros, em inglês], que era sobre a poesia e a literatura produzida na internet”, diz. “Como achei que não tinha mais hormônios para entender aquela linguagem, contratei a Bruna Beber e o Omar Salomão, juvenilíssimos, blogueiros etc., para fazer a seleção dos trabalhos e depois me mostrar. Só que era tudo muito literário. Era fascinante porque aquilo provou que não é verdade que aquela linguagem da internet tenha perdido em densidade. Eu me espantei, achei que não iria acompanhar, que não ia saber escolher, mas não, foi surpreendente, porque os trabalhos eram bastante literários.”
Meio difícil
Mas não é só na divulgação de novos nomes e conteúdos produzidos em literatura que a internet aparece como importante instrumento. As possibilidades oferecidas pela informática têm interferido positivamente também na criação dos trabalhos. “Essa garotada formada na internet, que começa a usar a palavra na web, tem um texto diferente”, afirma Heloísa Buarque de Holanda. “Pode ser bastante literário, como eu disse antes, mas também é um texto de inputs muito violentos. A editora do portal do qual faço a curadoria, Cecília Giannetti, costuma dizer que não consegue trabalhar com menos de seis janelas abertas. E a literatura [na internet] confere isso, você tem quase seis janelas abertas no texto. Ou seja, existe um diferencial, não de linguagem, mas de percepção, de compreensão, de atenção mesmo, no processo de escrever.”
O poeta, cronista, jornalista e professor gaúcho Fabrício Carpinejar, embora não tenha começado pela internet, é um defensor dessa especificidade. “A internet proporciona uma simultaneidade, uma espontaneidade, um anarquismo, um vírus que aproxima vozes díspares”, diz. Blogueiro convicto, Carpinejar, que também ministra o curso de formação de escritores e agentes literários da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), na cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, afirma ainda que a solidão intrínseca ao ofício do escritor é, paradoxalmente, potencializada no caso dos que escrevem para a internet, mesmo com a interação ilimitada que ela promove. “A internet é um meio áspero e árido”, define. “Suportar a solidão da internet não é para qualquer um, é uma resistência emocional, uma resistência imaginária. Ficar com um blog durante quatro meses sem nenhum comentário é de enlouquecer.” O poeta afirma que já chegou a criar o que ele chamou de laranjas para povoar o espaço reservado a comentários de seus blogs – ou seja, ele mesmo comentava seus textos sob pseudônimos. “Mas você começa a pensar em internação à medida que se pega respondendo aos laranjas.”
Experiências com a palavra
O também poeta, designer gráfico e produtor de mídia interativa André Vallias não flerta com a loucura na produção de seus poemas visuais e virtuais. Já as experiências com imagens, típicas do ciberespaço, têm norteado sua atuação. “Me interessam as experimentações e as metáforas de navegação na rede”, informa. “As pessoas falam muito sobre a questão da usabilidade da internet, que ela tem que ser rápida etc., mas por que não perder tempo com ela? É claro que se você entra no site de uma companhia aérea, não vai querer se deparar com metáforas para comprar uma passagem. Mas o que eu faço é criar espaços que construam um vínculo de identificação do leitor com a obra.” Exemplos de trabalhos seus podem ser conferidos na revista eletrônica Errática. “É uma revista um pouco inspirada no blog, mas ao mesmo tempo recuperando as revistas underground de poesia visual e experimental dos anos de 1970”, descreve Vallias. “Ela tem uma estrutura de banco de dados, mas também me permite colocar trabalhos dos mais variados [formatos] possíveis sem sacrificar o layout geral.”
No lado oposto ao trabalho experimental de Vallias está o site Cronópios, que, mesmo inteiramente dedicado à literatura, não mostra preocupação com experiências com a palavra. “Eu acho que o texto na internet continua sendo texto”, explica um dos criadores do site, Pipol. “O texto já é multidimensional. Eu não compartilho das experimentações. Embora no meu site tenha um sistema que você vira as páginas como se fosse um livro, isso é mais uma metáfora irônica em relação ao mundo do livrão pesado, de papel.” Pipol conta também que quando criou o site estava interessado no conceito de lugar – ou sítio. Ou seja, a idéia era criar um lugar na rede reservado exclusivamente para a literatura. “E, desde o começo, a intenção era fazê-lo com uma cara diferente, mais lúdica”, declara. “A literatura é sempre tratada de forma sisuda, muito séria; parece aquela época em que a escrita pertencia apenas aos monges. Então a gente quis quebrar isso. Ficamos com medo de como o pessoal da academia ia reagir, mas deu supercerto, nós pegamos as pessoas justamente pelo lado lúdico.”
Saiba mais:
www.portalliteral.com.br
www.cronopios.com.br
www.verbo21.com.br
www.erratica.com.br
www.cronopios.com.br/mnemozine
www.corsario.art.br
www.arteria8.net
www.confrariadovento.com
www.revista.agulha.nom.br
Mesmo com a queda dos preços dos equipamentos, é importante atentar para um fato concreto: os problemas de acesso ao computador, vivido pelos brasileiros. No entanto, quando se ouve o discurso de escritores e estudiosos de literatura e web, nota-se que as novas formas de expressão por meio da palavra escrita têm se fortalecido diante das velhas faces do analfabetismo no Brasil, incluindo o digital. “A internet ativou a palavra, que estava a perigo, entre outros motivos, pela elitização da literatura”, afirma a professora titular de teoria crítica da cultura da Escola de Comunicação da Faculdade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Heloísa Buarque de Holanda. “E não estou falando somente da classe média. Os extratos mais baixos, e sei porque trabalho com eles, também fazem parte desse fenômeno. A atividade literária nas lan houses de favela, no Rio de Janeiro, é muito impressionante. Quarenta e cinco por cento dos acessos hoje, no Rio, são de lan houses informais.” Quanto aos interesses desses jovens, que pagam pouco mais de um real pela hora na net, uma surpresa: “Eu faço muitas entrevistas e pergunto sempre para esses novíssimos o que eles lêem. Eles me saem com Flaubert [Gustave Flaubert, 1821-1880, escritor francês, autor, entre outros livros, de Madame Bovary, sua obra mais famosa] e outros nomes da literatura canônica. E na periferia também. O que há de procura por literatura canônica nas favelas é impressionante – inclusive porque não tem livrarias nem bibliotecas naqueles locais. Com isso, o uso da internet para leitura é muito alto”, informa Heloísa.
Ainda nessa seara da discussão, vale lembrar o papel que o programa Internet Livre, do Sesc São Paulo, desempenha no combate à exclusão digital. Instaladas em diversas unidades da instituição, a iniciativa é norteada tanto pela gratuidade do acesso quanto pela qualidade na orientação dos usuários – dos mais diferentes perfis –, por parte dos chamados web-animadores. “Nossos instrutores de internet e multimídia, além dos demais profissionais contratados, vêm trabalhando no sentido de capacitar os interessados para o uso de todos os recursos disponíveis na rede, mediante um tema proposto”, esclarece Marcelo Bressanin, assistente da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc.