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Depoimento - Cenário Atual

Postado em 27/08/2008

Cenário Atual


Professor de teatro e especialista em cenografia norte-americano Arnold Aronson escava o solo do teatro à procura dos fósseis da cenografia
 

Idealizado pela equipe de programação do Sesc Consolação, o projeto Encontros Cenográficos vem, desde 14 de julho, promovendo palestras e oficinas com profissionais das áreas da cenografia, do design e da arquitetura teatral, voltadas tanto a profissionais em busca de uma formação complementar, quanto a interessados no tema.

Para abrir a série, o Sesc São Paulo convidou o professor de teatro da Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, Arnold Aronson, um pensador experiente da cenografia, embora não a exerça como ofício.

Aronson participa da Quadrienal de Praga, maior evento mundial da área, desde 1987 – tendo sido presidente do júri no evento por duas vezes, em 1991 e 1999 –, e, em sua palestra, procurou mostrar os primórdios do que hoje conhecemos como cenário no teatro. “O termo cenografia é relativamente recente”, explicou. “Ele tem diferentes significados e é usado de diferentes maneiras em diferentes países.” Nessa verdadeira busca arqueológica pelo início da comunicação por meio de elementos visuais no palco, o professor levou os presentes a uma viagem no tempo, começando pelo teatro grego de Ésquilo (525 a.C. – 456 a.C.), passando pelo tratado hindu sobre artes dramáticas Natya Veda, do século 4 a.C., e pelo edifício teatral que abrigou o gênio inglês William Shakespeare (1564-1616). “Não estou aqui para dar uma lição”, fez questão de salientar, embora tenha sido exatamente isso que ele ofereceu a uma platéia curiosa e que deixou a unidade Consolação satisfeita.

O Encontros Cenográficos, que segue até 8 de setembro, já recebeu também nomes nacionais, como J.C. Serroni, Daniela Thomas e Gabriel Villela, e, neste mês, apresentará palestras de José Dias, Hélio Heichbauer e Gringo Cárdia. Confira detalhes da programação no Em Cartaz desta edição e leia trechos da explanação de Aronson a seguir.

Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) disse que o homem é o único animal que dá risada. A partir dessa afirmação,

O professor de teatro e diretor do Departamento de Dramaturgia da Columbia University Arnold Aronson participou do projeto Encontros Cenográficos, no Sesc Consolação, no dia 14 de julho de 2008

gostaria de lembrar que o homem é o único animal que modifica seus hábitats. Nós temos uma necessidade incrível de transformar tudo. Nós decoramos os prédios, os objetos, criamos coisas puramente estéticas para pendurar na parede, colocar em pedestais. Por que fazemos isso? Basicamente, para dar um exemplo de quão antigo é esse imperativo, eu cito o caso dos desenhos nas cavernas pré-históricas. Por que eles desenhavam na parede de suas casas? Talvez houvesse um significado religioso ou algum tipo de história que contava que eles capturavam os animais para servir de alimento. Ou será que eles simplesmente gostavam de pintar na parede? Nunca saberemos. Nós podemos, também, saltar na história e ir para a Grécia pré-helênica [séculos 6 a 4 a. C.], época em que nós temos aqueles objetos decorados, como jarros de vinho com desenhos abstratos. Por que os gregos fizeram aquilo? O vinho não ia ficar melhor. Assim como nossas casas, hoje, que funcionam muito bem para nos abrigar mesmo sem nenhum tipo de desenho ou decoração. Mas nós temos a necessidade de decorar.

O posto de decoração ou do decorativo existe fortemente na arquitetura, e esta, por sua vez, transforma a vista de uma cidade. É uma forma pública de arte e, por isso, deve ultrapassar o seu propósito [criar edifícios] – ou até mesmo escondê-lo –, para que possa contar uma história. Talvez a arquitetura, mais do que qualquer outro ofício com fins funcionais, deva ou precise ser decorada. E de novo a pergunta: por que nós temos que desenhar? E não sou a favor de levantar essa questão. Os filósofos já fizeram isso muitas vezes. O Hegel tinha uma resposta.

Ele disse que há uma necessidade absoluta e universal da humanidade em criar arte, e que o homem é uma consciência pensante, por isso tem o impulso racional de elevar o mundo interno e externo a uma consciência espiritual. Basicamente, o que ele está dizendo é que nós devemos criar, transformar a arte para nos distinguir do mundo que nos cerca. É isso que nos faz humanos.


Grandes períodos

Observemos aqueles que são, geralmente, considerados os grandes períodos e as grandes linguagens, do teatro e da literatura dramática. Nós temos a Atenas clássica, o teatro sânscrito da Índia, o teatro do Japão, a era de ouro espanhola, a renascença inglesa, a época de Luís XIV, na França. Todos têm algo em comum: um palco de arquitetura relativamente despojada. Ou seja, não há nenhum cenário criado no palco, nada que cubra a arquitetura. O palco em si é que faz a decoração. Eles podem, claro, usar uma peça cênica, um trono etc., mas esses são adereços adicionados a um palco já existente. E algumas dessas construções vão ter indicações e emblemas de que aquilo é um palco, aquilo é o teatro – é como se estivéssemos fazendo sinais para os deuses. Uma pergunta interessante para se fazer é como saber que você está vendo um teatro? Claro, se você está em um ambiente com determinadas disposições, você sabe que tal lugar é para se sentar e que, em outro, o ator irá representar. Mas o que diferencia o teatro de outra atividade quando ele acontece na rua, por exemplo? O teatro de Dionísio, na Acrópole de Atenas [na Grécia], era espaço simples com uma orquestra simples – é possível perceber isso ainda hoje, pelas ruínas. Depois da Orestéia [trilogia de textos escritos por Ésquilo e apresentada pela primeira vez no ano de 485 a.C.], teve início um processo de estruturação de palco – Ésquilo descobriu as portas [semelhantes a como as conhecemos hoje], então houve uma transformação enorme do teatro. Tivemos algo mais complexo. Até que Aristóteles, em sua Poética [tratado sobre a poesia e a arte], escreve que Sófocles inventou a skenographia, ou pintura cênica, traduzida como escrita de cena, ou cenografia. É provável que Ésquilo e Sófocles  estivessem fazendo algo mais abstrato, e não uma cenografia ilusionista. Aristóteles escrevia no século 4, 100 anos depois que Sófocles morreu. Talvez ele estivesse descrevendo as práticas daquela época, uma vez que ele era um grande observador.


Escrita e visual

Outro exemplo: existe um tratado famoso chamado Natya Veda, escrito em sânscrito, provavelmente no século 4 a.C., muito abrangente. É um documento religioso que teria sido escrito pelo deus Brahma. Esse escrito está entre os mais antigos textos sobre o teatro – uma arte que era feita para os deuses. Há vários capítulos em Natya Veda que falam sobre atuação, sobre como escrever uma peça, como construir um teatro, como consagrar esse lugar, como construir os adereços e figurinos etc., só que não há uma palavra sobre o que seria um cenário.
Porém, o palco é descrito como algo muito bonito, o solo feito de madeira polida com pedras preciosas cravadas.

Ou seja, nós não temos cenários, mas temos um palco luxuoso.

Já o teatro Nô, do Japão, tem um palco simples – no início construído ao ar livre, depois foi coberto, levando sua arquitetura para o interior. No fundo, atrás dos músicos, há um pinheiro pintado de forma abstrata. Essa pintura existia em todos os teatros [do Japãos]. É um emblema dizendo que ali acontecia uma apresentação teatral.

Todas as peças são encenadas na frente desse desenho. O palco é o mesmo, as peças é que mudam.

Em contrapartida, o Teatro Rose, em Londres, apresentava uma plataforma simples, onde, possivelmente, antes existia uma praça de mercado e depois foi erguido um teatro. Trata-se de um teatro arquitetônico, não cênico – o que nos leva a lembrar como a arquitetura é a forma de visualização nesses períodos do teatro. Diz-se que foi no Rose que William Shakespeare escreveu algumas de suas peças e também atuou, mas com associação desses dois dados, eu não pretendo sugerir que Shakespeare tenha criado um teatro somente com linguagem, tampouco que o fazer teatral simplesmente se baseia em elementos visuais. Todas essas formas são tão elementares quanto cruciais e foram se sedimentando com base em diferentes princípios.

“Por que os homens das cavernas desenhavam na parede de suas casas? Talvez houvesse um significado religioso ou algum tipo de história (...). Ou será que eles simplesmente gostavam de pintar na parede?”

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