Postado em 27/08/2008
Tema do Dia Mundial do Turismo de 2008, a necessidade de conciliar lazer e preservação ambiental torna-se motor do desenvolvimento sustentável da atividade
No dia 27 de setembro, comemora-se o Dia Mundial do Turismo, data criada pela Organização Mundial do Turismo (OMT) para marcar o período em que a entidade promove uma série de debates e ações mundo afora relacionadas ao panorama atual do setor. Para 2008, a agência, parte da Organização das Nações Unidas (ONU), escolheu como tema a relação entre a atividade turística e as recentes mudanças climáticas causadas pela degradação da natureza – o famoso aquecimento global. Durante esses eventos, serão discutidas as alterações que os principais agentes do segmento – entre eles, operadoras, redes hoteleiras e órgãos governamentais – terão de promover para não entrarem para o time dos agressores à vida do planeta, já que a atividade turística é comprovadamente fonte de crescimento econômico para diversos países. A grande proposta é, claro, o turismo sustentável, um modelo definido pela Conferência Mundial de Turismo Sustentável, realizada em 1995, como “ecologicamente suportável em longo prazo, economicamente viável, assim como ética e socialmente eqüitativo para as comunidades locais”.
Ainda de acordo com o estatuto criado na conferência de 1995, essa forma de turismo “exige integração ao meio ambiente natural, cultural e humano”. Ou seja, a questão aponta para um conceito mais amplo do que simplesmente não deixar o lixo naquela praia linda visitada em Fernando de Noronha. “Para ser sustentável, o turismo tem de ser de baixo impacto ambiental, com base na demanda local e, de alguma maneira, trazer benefícios para a população local”, explica a bióloga Marta Irving, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Ele deve construir um cenário em que o turista seja parceiro na inclusão social e na conservação do patrimônio natural da região.” De acordo com o mestre em ecoturismo Luiz Fernando Ferreira, gerente do Programa Nacional de Ecoturismo e coordenador do Componente de Turismo Sustentável do Programa de Revitalização do Rio São Francisco, algumas conseqüências do turismo predador podem ser o aumento nos índices de violência, prostituição, trânsito, poluição e até inflação da região visitada, uma vez que, como lembra Ferreira, o comércio local tende a aumentar o preço de seus produtos ante o aumento ocasional da população – o que prejudica os moradores. Para quem pensou no quilo do peixe em uma praia do litoral do estado de São Paulo, ou num caótico mercado na Tailândia, o professor de pós-graduação em turismo sustentável do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de São Paulo e consultor do Ministério do Meio Ambiente Fernando Nogata Kanni informa que esse fenômeno não é uma característica apenas de países em desenvolvimento. “Na Europa, isso acontece há várias décadas, em balneários da França e da Espanha, países onde a grande ocupação de espaços resultou em uma grave crise imobiliária.”
Aquecimento global e econômico
As conseqüências do turismo que ignora a sustentabilidade também não se restringem ao local de destino do turista. Na opinião de Kanni, o mais importante no momento é reverter a alta taxa de envio de gases tóxicos à atmosfera em decorrência da atividade. Na Segunda Conferência Internacional sobre Mudança Climática e Turismo, realizada em Davos, na Suíça, em outubro de 2007, a ONU divulgou números que revelam que é de 5% a responsabilidade do setor no total de emissões em todo o planeta – cerca de 1,3 milhão de toneladas. A questão é delicada, porque, ao mesmo tempo em que mostra participação em um problema, é grande o mérito do turismo na solução de outro. De acordo com levantamento feito pela OMT, o ramo é o que mais cresce no planeta e, até 2020, deve movimentar mais de 2 trilhões de dólares por ano, transformando-se no principal setor da economia mundial.
Entre as medidas em discussões ao redor do mundo, aparece forte a criação de taxas extras no processo que envolve as viagens a serem revertidas para projetos ambientais. Resta saber se, como versa o dito popular, não se estaria cobrindo a cabeça e descobrindo os pés. “Algumas operadoras já estão aumentando os preços de seus pacotes para, com esse dinheiro a mais, plantar determinado número de árvores”, revela Luiz Fernando Ferreira. “Dessa forma, elas desejam compensar as emissões de gases tóxicos gerados por seu trabalho.” O ganho em termos econômicos e ambientais desse tipo de iniciativa ainda não pode ser mensurado. Mas, ao analisarmos que algumas operadoras estão usando a iniciativa como estratégia de marketing – um dos casos citados por Ferreira é Freeway Brasil –, é possível pensar que o meio ambiente talvez esteja se tornando uma moeda forte. “O cidadão comum passou a discutir esse assunto porque adquiriu a percepção de que as cidades praianas podem desaparecer com o aumento do nível do mar, por exemplo”, retoma a bióloga Marta Irving. “A questão ambiental está tomando um espaço grande na mídia, graças à percepção de que a própria sobrevivência humana está em risco.”
Para os agentes do setor, há também a aposta de que, se a visitação não modificar a estrutura dos destinos turísticos, o interesse do turista seguirá a preservação dos encantos da natureza do planeta e da arquitetura construída ao longo da história da humanidade. “O simples fato de você ter um produto de longa duração é uma vantagem financeira aos operadores”, aposta Luiz Fernando Ferreira. “Se os problemas trazidos pelo turismo predatório causam declínio da atividade em um determinado local, imagine o trabalho que eles terão para escolher outro destino e consolidá-lo. A sustentabilidade, por sua vez, permite às companhias explorarem-no de forma mais duradoura.” Já a jornalista Miriam Dualibi, especialista em educação ambiental e coordenadora-geral da ONG Instituto Ecoar de Cidadania, afirma que o turismo tem um motivo a mais em relação a outros setores para aplicar os conceitos de sustentabilidade: as mudanças climáticas ameaçam as características naturais, que geralmente atraem os turistas. “As viagens para a Europa deverão diminuir por causa das altíssimas temperaturas que estão sendo atingidas durante o verão, por exemplo”, diz.
Perspectivas
Por aqui, a discussão sobre sustentabilidade merece especial atenção, porque o ramo turístico vem celebrando, nos últimos anos, seu momento de maior expansão na trajetória da atividade. De acordo com o World Travel and Tourism Council (WTTC), organismo internacional que estabelece o ranking dos países mais procurados por turistas, o Brasil verá na próxima década um aumento de cerca de 5,6% na atividade – maior do que a média mundial, que é de 4,3% –, além do fato de já termos subido quatro posições no ranking mundial da economia do turismo, pulando do 18º para o 14º lugar. “Há um clima de muita euforia no país, especialmente na gestão pública”, explica Fernando Nogata Kanni, para quem tal impulso é motivado, principalmente, pela criação, há cinco anos, do Ministério do Turismo como pasta exclusiva, o que resultou no surgimento de verbas e políticas especificamente voltadas para o setor. “As ações do governo têm influenciado no direcionamento do setor privado. Hoje, vêem-se investimentos no território brasileiro por parte de hoteleiros, operadores e investidores internacionais”, explica.
Nesse clima de empolgação, acompanhando a tendência mundial no setor, a União lançou políticas públicas que relacionam o turismo à questão da sustentabilidade, como o Plano Nacional de Turismo 2007-2010 e o projeto Férias Sustentáveis, do Ministério do Meio Ambiente. Segundo a pesquisadora da UFRJ Marta Irving, a sociedade civil também é responsável pelo surgimento de algumas boas práticas nesse sentido. “A Prainha do Canto Verde, no Ceará, e a Joatinga, no Rio de Janeiro, são locais que têm uma proposta turística baseada na participação da população local, no planejamento e no retorno dos investimentos”, esclarece. Ferreira, por sua vez, aponta duas regiões conhecidas dos brasileiros como exemplos de alinhamento entre exploração comercial do turismo e preservação regional: Bonito, no Mato Grosso do Sul, e Brotas, no interior de São Paulo.
No entanto, não é hora de deitar-se sobre os louros da glória. Os especialistas são categóricos ao afirmar que, a despeito de ações locais aqui e ali, o desenvolvimento do turismo sustentável no Brasil caminha com uma lentidão incompatível com a realidade atual do setor em todo o mundo. “A questão do tráfego aéreo, por exemplo, já está na ordem do dia na Europa, mas aqui nem começou a ser discutida”, aponta Marta. “A inclusão social no turismo e a preocupação com o uso da água também não são consideradas. Então, o discurso está sendo internalizado e interferindo nas atividades de planejamento, mas as questões principais ainda estão em sua periferia.”
Pelo terceiro ano consecutivo, o Sesc São Paulo cria uma programação especial em comemoração ao Dia Mundial do Turismo. Entre os dias 19 de setembro e 5 de outubro, a entidade promoverá ações ligadas não somente ao chamado turismo sustentável, tema deste ano definido pela Organização Mundial do Turismo (OMT), mas também atividades de cunho mais abrangente, englobando a educação ambiental – entre os tópicos, a discussão acerca da sustentabilidade socioambiental. A programação acontece na unidade provisória Avenida Paulista e também no Carmo, Consolação, Santo André, São Caetano, Araraquara, Bauru, Bertioga, Birigüi, Campinas, Catanduva, Piracicaba, Ribeirão Preto, Rio Preto, Santos, São Carlos, São José dos Campos, Sorocaba e Taubaté. A lista de eventos começa na Avenida Paulista, onde será realizada uma mesa-redonda com o músico e jornalista João Lara Mesquita, apresentador da série Mar Sem Fim, exibida pela TV Cultura entre 2005 e 2007. Na ocasião, Mesquita contará a experiência de participar do programa de televisão, no qual retratou a ocupação de populações ao longo da costa litorânea brasileira.
Na seqüência, uma grade de atividades, que inclui intervenções artísticas (como teatro, música e exibição de vídeos), passeios de um dia e excursões para algumas cidades e para regiões conhecidas do ecoturismo brasileiro. As viagens serão organizadas pela equipe do Turismo Social da instituição, que atuará em rede nas unidades – o Sesc Bauru, por exemplo, promoverá uma visita ao Pantanal entre os dias 14 e 24 de setembro. Serão realizados também debates e oficinas educativas.
O turismo social é uma ação que acompanha as iniciativas da instituição desde o surgimento, há 60 anos, o que torna o Sesc um pioneiro também nessa área – o modelo foi originalmente criado para beneficiar os comerciários de baixa renda. “Temos esse programa desde 1948”, explica Flávia Roberta Costa, coordenadora de Turismo Social do Sesc São Paulo. “Nele trabalhamos com turismo remissivo, que faz excursões e passeios, e atividades complementares, como oficinas, palestras e seminários.” A primeira unidade a colocar o programa em prática foi Bertioga – na época, conhecida como Colônia de Férias Ruy Fonseca. Hoje, após uma série de reformulações, o local tem capacidade para até mil hóspedes e possui diversas iniciativas ligadas à sustentabilidade, como o projeto de preservação dos pássaros locais, Avi Fauna, e passeios de turismo ambiental voltados para alunos de escolas da Baixada Santista e da Grande São Paulo. O local também ganhou um centro específico de atividades ambientais. “É um espaço que pretendemos ter permanentemente em qualquer unidade”, explica Flávia.
Boa parte dos eventos relacionados ao Dia Mundial do Turismo deste ano no Sesc São Paulo contempla crianças e adultos. Entre os destaques, oficinas de reaproveitamento de materiais descartáveis – como a de construção de bonecos, em Catanduva, e a de customização de roupas, em Rio Preto – e jogos e brincadeiras elaborados para despertar nas crianças a consciência da sustentabilidade socioambiental. Denise Baena Segura, coordenadora do Programa de Educação Socioambiental do Sesc, conta que, na verdade, a preocupação da entidade com o tema faz parte das ações ao longo de todo o ano.
“Recentemente, em Itaquera, fizemos uma parceria com a Cetesb [Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental], em que vistoriamos todos os ônibus que traziam grupos de visitação para a unidade durante certo período. Medimos a fumaça que os veículos emitiam, fizemos pequenos serviços de manutenção, como troca de filtros, e orientamos os motoristas sobre o problema”, exemplifica.