Postado em 08/05/2008
De volta para o futuro
por Jackson Matsuura
Formado em engenharia da computação em 1995, Jackson Matsuura atua hoje na Divisão de Engenharia Eletrônica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A intenção era se tornar militar, o que acabou acontecendo – Matsuura foi oficial da Força Aérea por sete anos, desenvolvendo sistemas e projetando softwares. No entanto, ele achava que não era para isso que havia estudado. “Podia fazer mais coisas”, conforme contou na conversa que teve com o Conselho Editorial da Revista E. Movido pelo objetivo de transmitir o conhecimento acumulado até então, o engenheiro tornou-se professor e seguiu a carreira acadêmica. “Pedi demissão com três filhos para criar e fui fazer mestrado ainda sem bolsa. As economias de 11 anos de militar foram usadas como ‘bolsa própria’ para mestrado.” Depois de voltar ao ITA como professor e embrenhar-se pela engenharia eletrônica, Matsuura finalmente se viu às voltas com o que hoje, segundo ele, ocupa mais o seu tempo: a robótica. “Não há o que se discutir sobre o fato de que os robôs vão invadir e ‘dominar’ o mundo em quantidade” afirmou na ocasião. “Em alguns países – Japão, Estados Unidos, Irã e Alemanha, por exemplo –, isso já é realidade.” Durante o bate-papo, o engenheiro falou sobre o que significou para o Brasil a criação do ITA, sobre a importância de entrarmos na corrida tecnológica da robótica e contou um pouco sobre o cenário brasileiro na área – muito bom na pesquisa, mas com dever de casa ainda por fazer na prática, segundo explica. A seguir, trechos.
Quando o ITA foi criado, em 1950, o Brasil não fabricava nem bicicletas – a versão menos “erudita” do contexto é que o Brasil não fabricava nem vasos sanitários. Até que um visionário decidiu que era hora de criar uma instituição de ensino superior na área de engenharia aeronáutica no Brasil – era uma questão de soberania nacional. Resumidamente, a história é a seguinte: o então Coronel Casimiro Montenegro Filho, que já era herói da Força Aérea porque fora o primeiro piloto a fazer os vôos do Correio Aéreo Nacional, vislumbrou que o nosso país precisava fabricar seus próprios aviões. A Força Aérea Brasileira utilizava apenas aeronaves fabricadas no exterior; enfim, precisávamos de uma indústria aeronáutica nacional. O primeiro passo para isso foi qualificar a mão-de-obra. Assim, foi criado o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Na década de 1970 foi criada a Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica], já com engenheiros formados pelo ITA. Hoje a Embraer é a segunda maior exportadora brasileira e uma das quatro maiores fabricantes de aviões do mundo.
Precisa-se de engenheiros
Não há o que discutir sobre o fato de que os robôs vão invadir e “dominar” o mundo em quantidade. Em alguns países – Japão, Estados Unidos, Irã e Alemanha, por exemplo –, isso já é realidade. No Japão, em vários lares você encontra pelo menos um robô – talvez não com o aspecto que as pessoas esperam, devido aos filmes de ficção, mas eles estão presentes no dia-a-dia dos japoneses. A grande decisão que deve ser tomada no Brasil é escolher se vamos ser meros consumidores, meros importadores de robôs ou se vamos, a exemplo da história da aeronáutica [refere-se à criação do ITA e da Embraer], ter uma indústria brasileira, daqui a cinco ou dez anos, capaz de projetar, construir e até exportar robôs para o mundo inteiro. Será qualquer tipo de robô? Não. Provavelmente vai ser um robô de uma determinada área ou para um fim específico. Assim como a Embraer não vende qualquer tipo de avião; ela fabrica aeronaves de pequeno porte, para aviação comercial. É um mercado extremamente segmentado [o da aeronáutica]. No entanto, existe o problema de que a engenharia – no geral e no mundo todo – está sofrendo uma séria escassez de gente. Cursar engenharia não é mais tão atrativo quanto era há algumas décadas. Há algum tempo, o fato de ser engenheiro, trabalhar em pesquisa era algo muito bom, muito importante. Hoje em dia, infelizmente, a engenharia não é mais atrativa. O que realmente vai elevar a produção nacional e fazer o país andar e se desenvolver são os pesquisadores, é a pesquisa de ponta e de aplicação. Um dos motivos que eu sempre levanto para trabalhar com robótica é aquele que se refere a incentivar, principalmente nos mais novos, o interesse pela engenharia, pelas ciências exatas, pela pesquisa. A robótica é um assunto que atrai muito as crianças, e isso é bom. É muito fácil você entreter crianças usando um robozinho – diferente de tentar prender sua atenção com equações matemáticas ou mesmo leis de física e fórmulas de reações químicas. Uma vez atraídos pela robótica eles poderão estudar os elementos necessários para construir e programar os robôs e, para isso, estudarão engenharia.
Robôs brasileiros
Não só no ITA, mas também em outras universidades brasileiras, a pesquisa teórica em robótica não deixa nada a desejar a nenhum outro país. A diferença reside em pesquisas práticas e aplicadas. Como as universidades no Brasil dependem basicamente de financiamento do governo e não existem linhas específicas para a robótica em nosso país, é difícil conseguir encaixar nossos projetos nas políticas públicas de incentivo à produção nessa área. Devemos tentar novamente, em breve, em um novo edital do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], criar um projeto para trabalhar o desenvolvimento de robôs propriamente ditos. A idéia é tentar conseguir verba desse edital para alavancar as pesquisas. Mas, como eu disse, tanto há diferença entre teoria e prática nesse campo no Brasil, que nós participamos de uma competição internacional de futebol de robôs e robôs de resgate, a RoboCup, que acontece anualmente desde 1997 (2006 na Alemanha, 2007 nos Estados Unidos, 2008 na China, 2009 na Áustria e, quem sabe, em breve no Brasil), mas só temos chances reais nas categorias simuladas, onde não é necessário o hardware, ou o robô propriamente dito, só é preciso desenvolver um bom software de inteligência artificial para fazer robôs simulados jogarem futebol ou entrarem em um cenário de desastre e encontrar as pessoas. Isso conseguimos fazer muito bem, mas apenas em cenários virtuais. Agora, nas competições que exigem que a equipe construa o seu próprio robô para jogar futebol ou adquira um robô para entrar em uma arena de desastre e procurar vítimas, nós não conseguimos participar e, às vezes, nem tentamos, porque sabemos que existe essa grande diferença em termos de recursos. Infelizmente, o nosso cenário por enquanto é esse, temos capacidade técnica e intelectual de primeiro mundo, mas não temos os recursos financeiros para que nossas pesquisas práticas tenham nível internacional.
Entrave cultural
O Centro de Pesquisas da Petrobras tem um grupo específico para a robótica. Eles estão fazendo pesquisas e desenvolvimentos nessa área, mas o problema no Brasil ainda é cultural. Mesmo os pesquisadores da Petrobras sofrem resistência por parte de níveis superiores na empresa, pessoas que acham que não vale a pena investir em robótica. Mas já há um robô pronto desenvolvido por eles – que até “desfilou” na Sapucaí, numa escola de samba que fez uma réplica enorme dele –, e projetado para andar em áreas pantanosas. As rodas são em forma de meia esfera e, quando ele está no seco, anda como se essas rodas fossem pneus de carro; quando ele está na água ou em lugares alagadiços, essas rodas viram e funcionam quase como hélices girando. Isso foi fruto de pesquisa e desenvolvimento dessa equipe da Petrobras. Eles também estão desenvolvendo robôs para ajudar na exploração de petróleo em altas profundidades. Eu diria que, tanto no governo quanto na indústria, muita gente ainda tem de ser convencida de que vale a pena investir em robótica. Capacidade nós, pesquisadores brasileiros, temos, faltam ainda os recursos financeiros.
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