
Atraente
e popular, o cinema pode servir como um grande aliado na busca por conhecimento
Quando se fala no
personagem bíblico Moisés - aquele que abriu o Mar Vermelho
para os hebreus fugirem dos egípcios -, o rosto que vem à
mente, para muitos, é o do ator norte-americano Charlton Heston,
que encarnou o personagem bíblico na produção Os
Dez Mandamentos, de 1956. Também é fácil pensar
no simpático alienígena criado pelo diretor norte-americano
Steven Spielberg toda vez que se ouve a palavra E.T. (extraterrestre)
- termo que serviu de título a seu filme de 1982. No caso do
Brasil, as associações também ocorrem: para quem
está hoje acima dos 35 anos, o imperador dom Pedro I tem a cara
do Tarcísio Meira - protagonista de Independência ou Morte
(1972). Esses são apenas alguns dos muitos exemplos que mostram
como é estreita nossa relação com o cinema e a
dele com a história, a religião, a ciência e por
aí vai. Por mais que os gostos façam a diferença
na bilheteria, a sétima arte é um meio garantido não
só de entretenimento, mas também de obter informações
de diversos tipos. "Ver filmes é uma prática tão
importante do ponto de vista da formação cultural e educacional
das pessoas quanto a leitura de obras literárias, filosóficas,
sociológicas e tantas mais", escreve a professora do Departamento
de Educação e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Rosália Duarte, no livro Cinema e
Educação (Autêntica Editora, 2006). "Muito
da percepção que temos da história da humanidade
talvez esteja irremediavelmente marcada pelo contato que temos/tivemos
com as imagens cinematográficas." Segundo a professora,
são muitas as áreas do conhecimento que podem ganhar o
reforço do cinema para ser entendidas. Além da história,
são temas recorrentes o que Rosália define como "aspectos
mais subjetivos da vida social". E elenca: "amor romântico,
fidelidade conjugal, sexualidade ou ideal de família".
Na sala de aula
Um dos aspectos que melhor demonstram o potencial "pedagógico"
do cinema é a sua presença na sala de aula. Rosália
Duarte afirma que o cinema e a escola vêm se relacionando há
muitas décadas, e testemunha: "Não tenho dúvidas
de que muito do que aprendi em toda a minha vida de estudante, inclusive
de pós-graduação, foi com o cinema". A especialista,
que tem a sétima arte como foco em sua linha de pesquisa - Processos
Culturais, Instâncias de Socialização e a Educação
-, explica ainda que para a maioria das pessoas os filmes servem como
porta de acesso a conhecimentos e informações. "Mesmo
aqueles [filmes] considerados ruins (...) podem despertar o interesse
e estimular a curiosidade em torno de temas e problemas (...)".
A tecnologia e a ciência são exemplos citados pela professora.
Para ela, obras como a série Jornada nas Estrelas "oferecem
um material muito rico para a discussão de conceitos científicos
e de história da ciência".
O professor doutor da Escola de Comunicações e Artes (ECA)
da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Nassar completa o raciocínio:
"O material audiovisual funciona como uma metáfora da vida
ou dos conceitos trabalhados em aula". O próprio professor
lança mão desse recurso em suas aulas de pós-graduação
em gestão estratégica em comunicação organizacional
e relações públicas na ECA. "A discussão
a partir das referências audiovisuais - temas apresentados, personagens,
situações, atores, aspectos técnicos, direção
- proporciona uma colheita inteligente e colaborativa nos campos que
apresentam, por exemplo, grandes dilemas éticos, como o da comunicação
organizacional e da administração", exemplifica.
Influência
psicológica
O cinema não escapou também de ter sua linguagem atraente
e popular colocada a serviço da propaganda política. Como
os filmes produzidos na Alemanha durante o governo de Adolph Hitler
e a Hollywood dos anos das grandes guerras (e a de hoje também,
em muitos casos). O historiador Wagner Pinheiro Pereira, que pesquisou
a produção cinematográfica dos dois países
entre os anos de 1933 e 1945, explica que ambos os governos buscaram
no cinema - e na "influência psicológica" que
ele exerce - um meio de consolidação e difusão
de seus ideais. "A 'magia' do cinema fascinava as grandes massas
devido ao poder de visualização e simplificação
da mensagem", esclarece Pinheiro. O pesquisador explica que o uso
do cinema já podia ser detectado durante a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), mas foram os regimes nazifascistas e socialistas os primeiros
a explorar todo o potencial da linguagem para ela servir como uma arma
de propaganda. "Lênin [líder do Partido Comunista
Russo e principal articulador da Revolução Russa, em 1917]
proferiu, em 1922, a seguinte frase: 'De todas as artes, o cinema é
para nós a mais importante'", revela Pereira. "Essa
afirmação foi repetida pelos principais líderes
soviéticos em 1928 no 13º Congresso do Partido Comunista.
E serviu de inspiração para outras, ditas por Mussolini
[líder político italiano], Hitler, Roosevelt [presidente
dos Estados Unidos de 1933 a 1945], Franco [estadista espanhol] e Vargas
[presidente do Brasil nos períodos de 1930 a 1934 e de 1951 a
1954]".
O nome do presidente norte-americano na lista dos "amantes do cinema"
já dá a pista de que não foram apenas os regimes
totalitaristas que descobriram o potencial doutrinário da tela
grande. Foram justamente os Estados Unidos, com sua mítica Hollywood
no Ocidente, que mais investiram na tática - e continuam na mesma
linha. "Hollywood adquiriu essa proeminência mundial não
só devido aos avanços e investimentos tecnológicos
na área, mas principalmente porque desde David W. Griffith [cineasta
norte-americano do início do século 20], com o filme O
Nascimento de Uma Nação, de 1915, desenvolveu-se a linguagem
cinematográfica clássica, tal qual a conhecemos ainda
hoje: simplificação e desenvolvimento progressivo do enredo
(começo, meio e happy end), visão maniqueísta dos
personagens e do mundo (ditadura totalitária - 'os outros' -
versus democracia liberal - 'nós, os EUA') etc.", afirma
Pereira.
Para sustentar o cinema nesse papel de sofisticado propagandista, três
elementos foram, e ainda são, fundamentais: os grandes estúdios;
um código de censura que monitorasse as imagens veiculadas -
atividade exercida, digamos, mais oficialmente, em regimes ditatoriais
-; e o chamado star system, ou sistema de estrelas: de Greta Garbo a
Angelina Jolie. "Sabemos o poder que esses astros e estrelas alcançaram
no imaginário social", afirma o historiador. "A partir
da década de 50 eles atingiram o status de mitos: Elvis Presley,
James Dean, Marlon Brando, Elizabeth Taylor, Marilyn Monroe etc."
A indústria cinematográfica alemã também
produziu seus megastars. No entanto, por razões óbvias,
essa constelação não brilhou nos céus povoados
pelos astros hollywoodianos. "No caso alemão, temos a atriz/cineasta
e 'amiga íntima de Hitler' Leni Riefenstahl, a sueca Zarah Leander
(diva sucessora de Marlene Dietrich), o galã Hans Albers e o
sempre 'vilão judeu' Ferdinand Marian."
Ciência
e Tecnologia
2001,
Uma Odisséia no Espaço (1968) - Stanley Kubrick
aborda a questão: a máquina vai dominar o homem?
Foi o que fez o supercomputador HAL 9000, "protagonista"
do filme.
Metropolis
(1927) - A mecanização do homem é a grande
provocação do filme do diretor Fritz Lang, no
qual uma mulher-robô domina um grupo de trabalhadores.
A
Guerra do Fogo (1981) - A obra de Jean-Jacques Annaud mostra
com realismo, o momento em que o homem fez a descoberta do fogo.
Blade
Runner (1982) - Ridley Scott mostra o mundo em 2019, onde homens
e replicantes (réplicas artificiais de seres humanos)
metaforizam a intolerância com a diferença.
A
trilogia Matrix (1999 e 2003) - A dialética entre o real
e o virtual é usada pelos irmãos Andy e Larry
Wachowski para contar a história de um grupo de revolucionários.
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Guerra
do Vietnã e 11 de Setembro
Apocalypse
Now (1979) - O filme de Francis Ford Coppola mostra a Guerra
do Vietnã como cenário da obsessão e da
loucura do ser humano.
Os
Boinas Verdes (1968) - Dirigido por Ray Kellog e John Wayne
(o mesmo dos westerns), é o primeiro filme a tratar exclusivamente
da Guerra do Vietnã.
O
Franco-Atirador (1978) - A obra de Michael Cimino narra o pesadelo
vivido por três amigos durante e depois dos combates no
Vietnã.
11
de Setembro (2002) - Com 11 diretores de vários países,
a obra apresenta diferentes visões sobre o ataque terrorista
em Nova York.
As
Torres Gêmeas (2006) - Oliver Stone - o mesmo de Nascido
em 4 de Julho (1989) e Platoon (1986), ambos sobre a Guerra
do Vietnã, aborda o atentado pela ótica de dois
policiais.
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Nazismo
e Segunda Guerra Mundial
O
Grande Ditador (1940) - Clássico de Charles Chaplin considerado
"um dos mais importantes filmes antinazistas de Hollywood",
como define o historiador Wagner Pinheiro Pereira.
A
Queda (2005) - Filme de Oliver Hirschbiegel que narra os últimos
dias de Adolph Hitler e o fim da Segunda Guerra Mundial.
A
Lista de Schindler (1993) - Superprodução de Steven
Spielberg que mostra, de forma quase documental, o cotidiano
dos campos de concentração nazistas.
O
Triunfo da Vontade (1935) - Documentário da cineasta
Leni Riefenstahl que cobre o congresso do Partido Nacional-Socialista
alemão em Nuremberg, em 1934.
|
Mente
humana: obsessões e limites
Dogville
(2003) - Parte de uma espécie de "trilogia anti-EUA"
- composta de Dançando no Escuro (2000) e Manderlay (2005)
- o filme de Lars von Trier explora a crueldade com a história
de uma desconhecida que chega a uma pequena cidade.
O
Silêncio dos Inocentes (1991) - O thriller policial de
Jonathan Demme apresenta o canibal Hannibal Lecter. Oportunidade
para refletir sobre tabus e a crueldade humana.
O
Piano (1992) - Jane Campion mostra a condição
feminina no século 19, ao contar a história de
uma mulher muda, impedida de se comunicar pelo meio que encontrou,
seu piano.
Bicho
de Sete Cabeças (2001) - Laís Bodansky levou ao
cinema o livro de Austregésilo Carrano que narra sua
traumática passagem pelos manicômios brasileiros.
O
Anjo Exterminador (1962) - Imagine 15 pessoas confinadas em
uma casa e o tempo diluindo fingimentos e revelando sentimentos
e personalidades. Clássico de Luís Buñuel.
|
Política
e ditadura brasileira
O
Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias (2006) -
Cao Hamburger narra a história de um garoto obrigado
a ficar sem os pais - militantes fugitivos - durante a Copa
do Mundo de 1970.
Terra
Em Transe (1967) - No clássico de Glauber Rocha o local
onde se passa a trama, a República d'Eldorado, é
fictícia, mas problemas como miséria e injustiça
social são reais.
Pra
Frente, Brasil (1983) - Filme de Roberto Farias ambientado nos
anos 70 do milagre econômico. Um cidadão de classe
média é confundido com um ativista político,
é preso e torturado.
O
Que É Isso, Companheiro? (1997) - Bruno Barreto transpõe
para a telona a história verídica do seqüestro
de um diplomata norte-americano por um grupo de resistência
à ditadura militar.
Cabra-cega
(2005) - Os anos de chumbo são também o pano de
fundo da trama dirigida por Toni Venturi que mostra a relação
de dois militantes políticos fugitivos da polícia.
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Ver boxes:
Filmes
que ensinam
Time dos cinéfilos
Sul do mundo
Filmes que ensinam
Educação
e cinema em dez unidades do Sesc São Paulo
O
projeto permanente A Escola Vai ao Cinema, uma iniciativa do
Departamento Nacional do Sesc, conta com a parceria do Sesc
São Paulo desde 2005. A proposta é promover a
capacitação de professores e estudantes para o
uso da produção audiovisual aliada aos conteúdos
formais do currículo escolar. A cada edição
do projeto, o Sesc adquire os direitos de exibição
de um acervo de filmes selecionados em função
de seu interesse para o público escolar de diversas faixas
etárias. Os títulos são enviados às
unidades em todo o país e ficam "em cartaz"
durante dois anos, disponíveis para agendamento pelas
escolas para sessões de exibição no Sesc.
"A divulgação do projeto é feita pelos
técnicos das unidades na comunidade escolar", explica
Marcelo Bressanin, técnico da Gerência de Ação
Cultural (GEAC) do Sesc São Paulo. "Nessas ocasiões,
os professores recebem material de apoio pedagógico especialmente
preparado, que contém informações técnicas
sobre os filmes e sugestões de trabalho em sala de aula."
Na edição que cobre o período de 2007 e
2008, dez unidades do Sesc São Paulo participarão
do projeto: Santana, São Caetano, Piracicaba, São
José do Rio Preto, Araraquara, Bauru, Itaquera, São
Carlos, São José dos Campos e Sorocaba. O projeto
inclui oficinas de produção audiovisual para professores
e alunos que acontecerão em quatro delas: Santana, São
Caetano, Piracicaba e São José do Rio Preto. Confira
a programação no Em Cartaz.
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Time
dos cinéfilos
Projeto
realizado pelo Sesc Santo André mostra como continuamos
todos loucos por cinema
De 5 de
setembro a 25 de novembro, a unidade Santo André se transforma
em endereço obrigatório para quem gosta de cinema.
O projeto Loucos Por Cinema - criado em 2005, no Sesc Pompéia
- chega agora ao ABCD em versão ampliada, ocupando uma
área de 1.312 metros quadrados, com exposição
de maquetes, ambientes cenográficos e uma programação
de filmes, debates e oficinas. Entre os destaques dessa nova
edição do evento estão um núcleo
dedicado exclusivamente aos estúdios Vera Cruz. Mas há
outras novidades. "Além de reformularmos o conceito
do projeto, estamos agora lidando somente com o cinema nacional",
revela Adolfo Mazzarini Filho, técnico do Sesc Santo
André. "Aumentamos a maquete (fotos) da cinelândia
paulistana, incluindo mais ruas, e a reprodução
em tamanho natural de dois sets de filmagens da Vera Cruz."
A grade de filmes se dividirá em ciclos, minimostras
que contemplarão o período Vera Cruz, o cinema
industrial paulista dos anos de 1950, os documentários,
o cinema da retomada - iniciado em meados dos anos 90 - e assim
por diante. "A gente quer, sim, atrair os apaixonados por
cinema, mas não somente da região do ABCD como
também de São Paulo", explica Adolfo. "Queremos,
ainda, acrescentar algo mais ao freqüentador habitual da
unidade e despertar interesse para nossa história, nossa
cultura e nossa arte cinematográfica." Por isso,
uma das linhas centrais da exposição será
a presença dos estúdios Vera Cruz em São
Bernardo do Campo. Entre os destaques da programação
de setembro estão a exibição de Obras Novas
- Evolução de Uma Indústria (1951), documentário
sobre a construção dos estúdios da Vera
Cruz (a atividade abre o evento no dia 5, às 20 horas);
e a palestra O Nascimento do Cinema Industrial Paulista, no
dia 19, às 20 horas. A grade completa deste mês
está no Em Cartaz.

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Sul
do mundo
Nova
edição do Festival Internacional de Arte Eletrônica
Sesc Videobrasil discute as relações entre cinema
e arte contemporânea

Em sua 16ª
edição, o Festival Internacional Sesc Videobrasil
- realizado de 30 de setembro a 25 de outubro, na unidade provisória
Sesc Avenida Paulista - reúne na mostra competitiva,
intitulada Panoramas do Sul, 66 obras produzidas nos últimos
dois anos por artistas de 17 países da América
Latina, África, Leste Europeu, Oriente Médio,
Ásia e Oceania. O Brasil será representado por
29 trabalhos. "É uma fórmula que deu muito
certo", afirma Solange Farkas, curadora do festival e diretora
da Associação Cultural Videobrasil, instituição
por trás do evento, referindo-se à decisão
de privilegiar a produção das regiões que
compõem o que ela chama de "sul do mundo" -
"um sul totalmente geopolítico", ressalta.
"Primeiro, porque existia interesse nesse recorte, e depois
pelo privilégio de você começar a fazer
descobertas, de você arriscar." A mostra principal
reúne os trabalhos que abordam o tema desta edição
- as relações entre o cinema e a arte contemporânea
- e faz uma homenagem ao filme Limite (1930), do cineasta Mário
Peixoto, considerado o precursor do cinema experimental no Brasil.
Assim como nos outros anos, o módulo continua se dividindo
em três eixos: Estado da Arte, dedicado à produção
de artistas consagrados; Investigações Contemporâneas,
que reúne processos de pesquisa relacionados ao suporte
vídeo; e Novos Vetores, espaço aberto a artistas
emergentes (e jovens, porque só são aceitos os
com menos de 30 anos).
A programação é extensa - são 791
trabalhos inscritos no total. Para quem não tem intimidade
com o assunto, a escolha pode ser cruel. Na dúvida, sempre
vale ir direto aos grandes nomes convidados, como o britânico
Peter Greenaway - que virá para a performance Tulse Luper
Live Performance, na qual usa uma interface touch screen (telas
de computador sensíveis ao toque) para manipular fragmentos
de filmes -, o alemão Marcel Odenbach, o norte-americano
Kenneth Anger, e os brasileiros Arthur Omar e Edgard Navarro,
além da dupla Detanico Lain. Já entre os trabalhos
da mostra competitiva, a curadora Solange Farkas dá duas
dicas: Psycho(s): A Live Remix, do coletivo chinês Ip
Yuk-Yiu & ST, trabalho que mistura (ou remixa) cenas de
Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, com imagens da refilmagem
do clássico feita pelo cineasta norte-americano Gus van
Sant, em 1998; e Sweetheart - Storie(s) About Accidents of Love,
do argentino Gustavo Galuppo, experiência na qual uma
câmera acompanha a rotina de um casal que reage a imagens
e textos de diversas fontes e épocas.
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