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Postado em 06/05/2008

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Por que ler ou reler Machado?
por Antonio Carlos Martinelli Jr


Em tempos de colégio, quem nunca se viu numa discussão sobre a conduta da moça dos olhos de ressaca? Capitu traiu? Ou tudo não passou do ciúme imaginário de Bento? Essa, se não a porta de entrada, é a grande dúvida (sem tanta importância ou pedido de resolução) que faz com que muitos leiam Machado de Assis ou o lembrem.
No ano em que se comemora o centenário de morte do humilde filho do Morro do Livramento, cabem a todos diferentes reflexões sobre a obra e a figura pública de Joaquim Maria Machado de Assis. Assim, poderíamos começar perguntando por que uma obra, que se vai a mais de um século, permanece atual e viva ao público, mantendo o frescor e o prazer da leitura, podendo ser estudada e relida incansavelmente? Ou ainda, por que se faz tão importante às instituições de cultura, intelectuais e artistas, apresentar e discutir, não só de forma memorialista, mas crítica, o trabalho desse autor?


Na contramão de sua máxima “Matamos o tempo, o tempo nos mata”, Machado atuou incansavelmente – como escritor, jornalista e crítico –, na criação de uma vasta produção literária e intelectual, de contos, peças de teatro, crônicas e romances. Mas não foi isso que lhe garantiu a imortalidade.


Dono de um raro discernimento literário, Machado se afasta de modismos, superando as tendências românticas e nacionalistas. Ao mesmo tempo, nega o realismo do detalhe avulso, descrevendo apenas o que de fato interessa, sublinhando as passagens que requerem atenção. Isso assegura à sua obra a responsabilidade de trilhar uma clara mudança de norte aos, até então, percorridos caminhos da literatura brasileira.


Grande em estilo e vigoroso em sua descrição, Machado é mestre na narrativa breve. Escreve sem rodeios ou rebuscamentos, o que faz com que muitos leitores desatentos e iniciantes possam se envolver em suas tramas e narrativas fragmentadas. Sua escrita, por mais risonha que pareça, é também amarga e áspera. Pois ele se apóia na ironia – ora sutil, ora dissimulada – para atuar como um observador atento da condição humana, em notações psicológicas, mostrando-nos o lado tolo, escuro e violento do homem.

Mas, uma leitura mais atenta e intensa da obra de Machado nos possibilita ainda transpor o teatro particular de suas personagens. Pois o que ele faz é alternar, sem que se exclua nenhuma das partes, plano simbólico e realidade concreta, relativizando valores morais, políticos e sociais. Assim, sem fomentar sonhos ou alimentar nostalgias, como um cético, ele detecta a complexidade das relações humanas, explorando as contradições vividas tanto no plano privado quanto nas particularidades da vida pública.


E é com proeza de um escritor maduro que ele constrói perfis psicológicos e sociais, impossibilitando-nos de ficar imune ao seu olhar agudo e à sua boca venenosa. Dessa forma, da consciência de inferioridade dos forros, mestiços e pobres à ganância dos comissários, banqueiros e proprietários de bens e homens, Machado faz desfilar diante de nós diferentes personagens e comportamentos de uma sociedade que vive as vicissitudes do tardio capitalismo brasileiro. Este, se por um lado mantém sua estrutura hierárquica, escravagista, estamental e monarquista em essência, por outro tem ímpetos de uma modernidade emergente.


Assim, tanto por sua fina escrita, quanto pela urdidura filosófica de seu texto, Machado de Assis escreve uma obra que deve sempre ser colocada ao centro da modernidade como patrimônio artístico de grande excelência. A ele cabe a nomeação de maior escritor da nossa literatura, intérprete do nosso povo e principal referência da novelística brasileira.

 

Antonio Carlos Martinelli Jr., formado em Jornalismo, cursa especialização em Literatura e atua como assistente na Gerência de Ação Cultural.

 

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