Mutilação
anunciada
por
Abram Szajman
Em 1945, o
mundo emergia da Segunda Guerra Mundial com a esperança
de construir instituições que garantissem não
apenas a paz duradoura entre as nações mas também
a estabilidade econômica e social no interior de cada país.
No Brasil, a criação do chamado Sistema S estabeleceu
uma base para o exercício da responsabilidade social dos
empregadores seis décadas antes de esse conceito entrar
para o cotidiano das empresas e das pessoas com o significado
atual: o de suprir as lacunas do Estado na área social,
ajudando a preservar as conquistas da civilização
ante o avanço da barbárie.
A Folha me pergunta se o Supersimples prejudica o sistema. A resposta
é sim, sem sombra de dúvida. O Sesc e o Senac -mantidos
pelos empresários do setor do comércio e serviços,
em que predominam as empresas de pequeno porte- terão redução
de receita da ordem de 20%, e, para o Sesi e o Senai, a perda
será de 10%, segundo projeções das entidades.
Em conseqüência, coloca-se sob ameaça um benefício
conquistado pelos trabalhadores e a expansão física
das unidades educacionais, culturais e desportivas para áreas
carentes, bem como a quantidade e a abrangência dos programas
atualmente executados, próprios ou em parceria.
Apenas em relação ao Sesc e ao governo federal,
há ações conjuntas com sete ministérios,
inclusive para o combate à fome. Com o Senac, desenvolvem-se
programas -como Alimentos Seguros, Soldado Cidadão, Menor
Aprendiz e Regionalização do Turismo- que serão
afetados.
As minudências jurídicas que têm sido destacadas
apenas tangenciam o problema. Sobre esse aspecto, convém
lembrar que os constituintes de 1988, atendendo a uma vontade
popular expressa em imensas listas de assinaturas de apoio, consagraram
no artigo 240 da Constituição as contribuições
de todos os empregadores para manter o Sistema S.
O antigo Simples não alterou esse dispositivo. Foi a Receita
Federal, por meio de atos infralegais, que considerou as empresas
inscritas nesse sistema "isentas" da contribuição,
entendimento já refutado por insofismável sentença
judicial. Se, por causa disso, algumas empresas deixaram de contribuir,
nenhuma deixou de ser contribuinte, o que agora ocorrerá,
quando o Supersimples entrar em vigor.
Fica claro, assim, que a questão é política.
Desonerar a produção e simplificar a tributação,
principalmente para as micro e pequenas empresas, são fatores
hoje tão cruciais para o país que a Fecomercio-SP
desenvolveu, ao longo de 2006, o projeto Simplificando o Brasil,
com propostas que contemplam -e vão além- o obtido
com o Supersimples. Nesse aspecto não precisamos, nem aceitamos,
de lições de ninguém.
A modernidade empresarial, porém, não pode ser obtida
à custa do retrocesso social. Pelos ralos do desperdício
da inchada máquina estatal, em todos os níveis,
continuarão a escorrer os tributos pagos pelas pequenas
empresas. Somente as instituições privadas de serviço
social e formação profissional foram atingidas pela
ação ou omissão de alguns políticos
que, nas tribunas e palanques eleitorais, fazem juras de apoio
ao trabalho dessas entidades.
É nosso dever alertar o presidente Lula para a espada que
paira sobre o Sistema S, com data marcada para iniciar a mutilação.
Afinal, é de sua autoria a frase: "Só critica
o Sistema S quem nunca precisou dele". Além disso,
foi um curso de torneiro mecânico do Senai que abriu as
portas da história para um operário tornar-se presidente
do Brasil.
Será fundamental, nos próximos meses, que Executivo
e Legislativo encontrem, em consonância com a sociedade,
uma alternativa para atenuar ou evitar o dano anunciado. O Sesc
e o Senac, cujo trabalho sociocultural e educacional é
nacional e internacionalmente reconhecido, não podem e
não devem ser afetados. A menos que se queira manter a
juventude das grandes cidades, por falta de alternativas, como
exército de reserva do crime organizado.
__________________________________________________________
Abram
Szajman, 67, empresário, é presidente da Fecomercio-SP
(Federação
do Comércio do Estado de São Paulo)
e dos conselhos regionais do Sesc e do Senac.
Texto
publicado na Folha de S.Paulo em 20/02/2007, seção
Tendências/Debates, em resposta positiva
à
pergunta: O Supersimples prejudica o Sistema S?