QUESTÃO ESTÉTICA
por
André Sant'Anna

Ilustrações: www.marcosgaruti.com
Afinal, eu sou uma
mulher bonita. Pra mim, quem usa tênis é atleta, ou é
adolescente. Eu detesto adolescente. Eu detesto homens que fazem o tipo
"atleta". Eu detesto gente malvestida. Lá na firma,
eu tenho umas colegas que não se cuidam, que não investem
em si mesmas. Que não dão aquele tchans nem na hora que
vão falar com um diretor, nem na hora que vão falar com
um cliente importante. Comigo é diferente. Eu sei que isso não
é tudo, que isso é só uma parte do todo, mas eu
também sempre dou uma investida no visual. Não precisa
nem ser uma coisa assim, gritante. Não é esse negócio
de se emperiquitar toda, tipo essas peruas, tipo essas emergentes. Não.
Para cada ocasião existe uma roupa adequada, um jeito certo de
se vestir. Na firma, normalmente eu vou de tailleur mesmo. Normal. Facilita
muito porque sempre cai bem no ambiente de trabalho. Eu tenho uns três
lá em casa. Tudo bem repetir de vez em quando, mas só
no trabalho. Quando é festa, encontro social, esses eventos,
eu nunca repito a mesma roupa, a não ser que seja festa de turmas
diferentes. É uma questão de estética. Eu não
sou uma pessoa rica por enquanto, mas, se a gente aparenta pobreza,
aí é que o dinheiro não entra mesmo. Mas eu já
posso dizer que tenho uma carreira, que tenho objetivos a serem alcançados.
E quando você tem uma carreira profissional pela frente, metas
a serem atingidas, você tem que exibir para o mundo o seu sucesso,
mostrar para o mundo que você é capaz de vencer. Para ser
vitoriosa, você tem que parecer vitoriosa. E o sucesso sempre
vai estar refletido na sua beleza. A roupa que se usa é o retrato
de quem se é.
Se chegam duas pessoas para fazer entrevista numa firma, as duas com
o mesmo grau de instrução, com a mesma experiência,
com o currículo do mesmo nível... Quem é que fica
com a vaga? É claro que é a pessoa de melhor aparência.
Às vezes, a aparência é até mais importante
do que o currículo. Eu não acho isso errado. Eu não
acho que é preconceito, nem discriminação. É
que a aparência mostra a capacidade que a pessoa tem de se organizar.
Tem umas pessoas que não têm o menor desconfiômetro,
que não se enxergam mesmo. Que vão pedir emprego daquele
jeito todo desgrenhado, parecendo que fugiram da época dos hippies.
Detesto hippie. Detesto gente que faz esse estilo "não tô
nem aí pra aparência, o que importa é a minha competência".
Sabe, aquela história ridícula de "beleza interior".
Dá um tempo, né?!? Sapato, por exemplo. Quem não
consegue nem cuidar do próprio sapato, vai conseguir cuidar das
contas de uma firma? Ou da agenda do chefe? Quando um homem dá
em cima de mim, eu logo olho pro sapato. O cara pode ser um gato, mas
se está com um sapato velho, mal engraxado, não leva a
menor chance comigo. Pior ainda são esses caras que usam esses
sapatos mocassins envernizados, com essas meias brancas meio felpudinhas.
Juro, me dá nojo. Imagina o tipo de lugar que um cara desses
vai me levar pra sair!?! Imagina um tipinho desses te beijando. Imagina
o perfume que ele deve usar. Sabe essas loções pós-barba
adocicadas? Argh! Com um cara desses, sexo, nem pensar. Nem morta que
eu ia dar bola para um cara desses. Pra sair comigo tem que ser de gerente
pra cima. Sapato italiano. É figurado isso, mas é bem
isso.
Nesse
mundo em que eu vivo, com a carreira que eu tenho para administrar,
os melhores momentos para se fazer bons contatos são as festas
e os jantares, você sabe. Então, a gente tem que usar um
pouco de sex appeal. Nada vulgar. É uma coisa de sedução
fina. O importante é criar o clima certo. Não se trata
de fazer do sexo uma arma para vencer na vida. Mas você está
lá... Um empresário importante, disponível, decidido
vem conversar... É claro que ele vai reparar na sua aparência,
na minha beleza. E é aí que pode surgir a maior oportunidade
da sua vida. Da minha vida. Se esse homem gostar de você, de mim,
não digo nem que seja pra casar, não. Casar eu só
caso por amor. E amor pode nascer, sim, quando você repara que
o homem por quem você está interessada é bonito
e pode te oferecer uma vida interessante, uma vida cheia de glamour,
cheia de intensidade, viagens, uma casa grande, um lugar onde tudo parece
um sonho. Se esse homem que eu falei for com a sua cara e te chamar
pra dar uma esticada num restaurante legal, de bom gosto, um vinhozinho
da melhor qualidade, talvez até uma noite num hotel classe A,
um homem bonito, elegante, empresário, rico... Você vai,
se diverte, e depois pode até surgir uma boa oferta de trabalho.
Eu é que não ia recusar. Não vou me sentir uma
prostituta por causa disso, nem achar que é assédio sexual
do cara. Se você tem a capacidade de sair com um homem desses,
também é perfeitamente capaz de fazer um bom trabalho
na firma dele. Poder de sedução também é
sinal de competência. Depois, é só não ficar
pegando no pé do sujeito, principalmente se ele for casado. Não
tem nada mais cafona do que ser amante do patrão. Pior do que
isso só homem com cueca samba-canção de seda estampada.
A mesma coisa serve pro caso de um homem inferior a mim vir falar comigo.
Sei lá, alguém que esteja começando, um estagiário,
por exemplo. Bom... primeiro, eu já disse, eu olho pro sapato.
Principalmente quando é cara novinho assim, que ainda não
aprendeu os segredos. Depois, eu dou uma analisada geral. Se estiver
bem vestido, dentro dos mínimos padrões de exigência,
cabelo bem cortado, bom hálito, não bebe muito, não
fuma (tenho horror a cigarro), aí já dá pra começar
a conversar. Se ele passou no quesito visual, o resto vai ficar bem
mais fácil. Tem que ver também se ele tem um pouco de
cultura, se vai pelo menos uma ou duas vezes por mês ao cinema.
Não pode ser muito também. Detesto intelectual que te
leva ao cinema três vezes por semana e depois pra beber chope
e ficar comentando o filme. Fica só aquele papo: "Viu a
fotografia? Viu a luz? Viu não sei o quê..." Sabe
aqueles filmes tipo paradão? Sabe filme chinês, esses negócios?
Detesto. Fora isso, é muito difícil encontrar intelectual
bonito, cá pra nós. Tudo bem, beleza não é
o mais importante. É mais a elegância que conta, o charme,
aquela coisa de saber falar aquilo que eu gosto de ouvir. Aquele cara
que entra no lugar onde você está e só falta aparecer
escrito na testa dele: "The Boss". No caso de estagiário,
desses que você vê que tem futuro, que vai ser alguém
na vida, eu até topo investir, mesmo que ele não tenha
dinheiro pra me levar no restaurante the best. Pode ser um lugar assim
mais ou menos, um japonês, uma boa cantina italiana. Só
que, pra fazer sexo, eu não vou indo assim com qualquer um, não.
Pra dormir junto, tem que ser graduado. Quando o cara é assim,
novinho, solteiro, ele espalha pra firma inteira que dormiu com você.
Já os altos executivos, não. Até porque, quase
sempre, eles são casados e não vão querer se expor.
Eles falam só é com os amigos mais próximos deles,
que, por sua vez, também são homens de classe. Nesse caso,
o cara vai estar é fazendo propaganda de você. Propaganda
boca a boca. Eu estou falando isso pelo lado profissional.
Do jeito que eu falo, pode até parecer que eu vou pra cama com
homem por dinheiro. Não é isso. É só o meu
jeito. Eu sempre falo o que eu penso, espontaneamente. É difícil
explicar. Não é o dinheiro desses homens que me atrai.
O que me atrai é todo um estilo, é tudo que esse cara
pode me ensinar, pode me ajudar como pessoa, como profissional. As oportunidades
que ele pode criar pra mim. As portas que ele pode abrir. E, a nível
pessoal, é principalmente o estilo, o jeito de ser. É
que esses homens mais assim, como eu vou dizer?, mais, não encontro
a palavra, mais... mais empresários, vai, esses homens que são
empresários têm mais experiência, já viajaram
pra fora, sabem escolher um bom vinho podem pagar uma boa academia pra
se manter em forma. Aliás, se tem uma coisa que corta a minha
onda é barriga. Pra mim, é o maior sinal de desleixo.
Mas o que eu queria dizer é que esses homens sabem como te envolver,
sabem criar um clima romântico. Quer dizer, um clima bem mais
interessante do que o clima de um romancezinho. É um clima de
beleza, de prazer, o clima certo pra gente desfrutar as coisas boas
da vida, aproveitando as oportunidades que aparecem. É aquilo
que eu disse: homem, assim, que sabe combinar uma gravata com o terno
que está usando, sabe também fazer uma mulher feliz. Pelo
menos uma mulher assim como eu, que dá importância para
questões estéticas. Eu desenvolvi um olho clínico
para detectar homens vitoriosos. Eles são lindos. O sucesso é
lindo. Pode reparar: aposto que você nunca viu um homem bem-sucedido
com um sapato caindo aos pedaços.
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ANDRÉ
SANT'ANNA É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE
O PARAÍSO É BEM BACANA (COMPANHIA DAS LETRAS, 2006)
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