FATO
E FICÇÃO
por Roberto Pompeu de Toledo

Roberto Pompeu
de Toledo pode ser considerado uma testemunha da trajetória do
jornalismo brasileiro. Em atividade desde 1966, o também escritor
já passou por alguns dos mais importantes veículos da
imprensa escrita nacional, como Jornal da Tarde, revista IstoÉ
e Jornal do Brasil, onde foi editor-executivo. Ex-correspondente da
revista Veja em Paris, atualmente é editor e repórter
especial da publicação, e também e colunista da
última página. Observador atento dos fenômenos culturais,
estréia na ficção com Leda (Editora Objetiva, 2006),
definido pelo autor como um "romance curto".
Na conversa que teve com o Conselho Editorial da Revista E, o jornalista
falou sobre a imprensa brasileira de hoje, comparou a literatura nacional
contemporânea com os autores clássicos e revelou o que
descobriu sobre São Paulo nas pesquisas que fez para escrever
A Capital da Solidão (Editora Objetiva, 2003). A seguir, trechos.
Eu sou pouco indicado
para opinar sobre o atual momento da literatura brasileira. Estou lendo
autores de, pelo menos, 100 anos atrás. Leio muito pouco os contemporâneos.
Acho que há aspectos a ser considerados sobre isso: primeiro,
trata-se de uma questão demográfica, algo que atrapalha
- tem muita gente escrevendo. Nos anos 50, era muito fácil apontar
o cânone da literatura brasileira. Você sabia quem eram
os escritores, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado
na prosa, e Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira na poesia.
Era muito fácil capturar o panorama da literatura brasileira,
em parte porque o cenário era menor, havia menos publicações.
O derrame de livros hoje em dia é uma coisa espantosa. Não
dá tempo de digerir, de classificar e de estabelecer um cânone.
O outro aspecto é que existe uma procura de o que dizer e como
dizer. Tenho a impressão de que essa questão não
está resolvida e é também muito dispersiva. É
cada um de um jeito. Se falarmos dos anos 50 novamente, verificamos
que as tendências dominantes eram muito claras. Por exemplo, aqueles
escritores que citei eram do romance regionalista, predominantemente
nordestino. Hoje, não seria possível identificar a tendência.
O sujeito que nascia para a literatura naqueles anos tinha uma luz acesa
que apontava o caminho a ser trilhado. Hoje é muito difícil,
pela quantidade de gente e de produção, e também
pela dispersão de respostas. As respostas são múltiplas,
não há um farol iluminando o caminho, como houve em outras
épocas.
IMPRENSA BRASILEIRA
Os grandes jornais e as principais redes de televisão são
bons. Se olharmos para o que se poderia fazer no Brasil, acho que é
uma coisa aceitável - tecnicamente há um aprimoramento
muito grande. O que se vê na TV brasileira hoje, em comparação
com outras épocas, é um grande progresso - no que diz
respeito à rapidez e qualidade das imagens, ao fato de haver
correspondentes brasileiros no mundo todo etc. Apego-me mais ao exemplo
da televisão porque ela é o carro-chefe hoje. É
quem determina o caminho, quem influencia esmagadoramente. Diante disso,
acho, por outro lado, que a imprensa escrita passa por uma crise de
identidade - há 20 anos era o inverso: quem pautava o país
era a imprensa escrita. Além da crise de identidade, há
outra, também, de natureza industrial - é possível
perceber isso nas redações. Há um paradoxo. Na
mesma medida em que a tecnologia aumenta, os prazos de fechamento diminuem.
No tempo em que comecei no jornalismo, o jornal fechava às 4
horas da manhã. Hoje, fecha-se, no máximo, às 9
da noite. Quando comecei a trabalhar em revista, trabalhávamos
até a tarde do sábado para a edição chegar
na segunda-feira nas bancas. Hoje, sexta-feira à tarde já
está tudo encerrado. Isso é compreensível porque
as tiragens são imensas e a logística de distribuição
é muito complexa. No entanto, ao contrário do que as paixões
políticas de época de campanha eleitoral podem sugerir,
acho que a imprensa é mais independente, e é capaz de
fazer coberturas políticas mais neutras.
Agora, é preciso citar a imprensa regional e municipal, que formam
um volume enorme no país, inclusive as televisões regionais.
Isso ainda está extremamente ligado ao poder. Os jornais do interior
são todos ligados ao chefe político local - ocupe ele
cargo público ou não. Isso quando não são
ligados diretamente às prefeituras. Às vezes, até
aos governos dos estados maiores. Apontem-me onde está a imprensa
independente em um estado como o de Minas Gerais? É complicado.
E a televisão igualmente. As TVs regionais estão na mão
dos chefes políticos. Isso é um vício que vem desde
os governos militares, época em que as distribuições
de retransmissoras de TV eram feitas em troca de favores políticos.
Certa vez, fiz uma cobertura em Petrolina, Pernambuco - terra dominada
por uma família famosa -, numa época de eleição,
e um membro dessa família era candidato a vice-governador. Ele
era dono da retransmissora local. No noticiário local, que corresponderia
ao SPTV [noticiário local da TV Globo] daqui, em meio às
notícias, aparecia o sujeito mandando um abraço. É
aí que você percebe o quão forte é o coronelismo
eletrônico no Brasil.
TERRA PERDIDA
A
história de A Capital da Solidão começa com um
convite que recebi da Editora Objetiva para escrever um livro contando
uma história de São Paulo. Na verdade, a idéia
original era uma coisa mais simples, os editores estavam pensando em
fazer uma série de histórias de cidades brasileiras, e
a mim caberia São Paulo, mas algo de proporções
mais modestas. Só que eu acabei me empolgando e fiz um livro
maior - e a coleção acabou não prosperando. Enfim,
pensando que conhecia um pouco do assunto, topei fazer - mas o engano
sempre se revela. Como eu já havia lido dois ou três livros
relacionados ao tema, achava que entendia, mas quando entrei no assunto
percebi a imensidão da minha ignorância. A partir daí
a pesquisa para o livro foi uma pedreira. Mas, ao mesmo tempo, foi muito
interessante descobrir coisas durante o processo de apuração.
Eu já tinha a idéia que daria nome ao livro, essa questão
do isolamento, mas não conhecia os meandros tão profundamente.
São Paulo passou por um período de terra perdida, escondida
e apartada do desenvolvimento natural do país. O Brasil "acontecia"
nas cidades litorâneas com um rumo diferente. E aqui era uma terra
de caipiras, de sertanejos rudes e de índios - até o século
18 se falava tupi em São Paulo. A cidade passou por um desenvolvimento
muito singular, algo que fugiu da lógica do império português.
Trata-se de uma cidade que conheceu um crescimento espantoso do dia
para a noite, na virada do século 19 para o século 20.
Era um vilarejo de 32 mil habitantes em 1872, alcançou o dobro
em 1890, e assim foi. São Paulo vinha de uma longa letargia,
350 anos de sono, e despertou para se tornar uma metrópole de
maneira fulminante.
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