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Encontros

Postado em 12/02/2007

REVISTA E - PORTAL SESCSP

FATO E FICÇÃO


por Roberto Pompeu de Toledo

 

 

Roberto Pompeu de Toledo pode ser considerado uma testemunha da trajetória do jornalismo brasileiro. Em atividade desde 1966, o também escritor já passou por alguns dos mais importantes veículos da imprensa escrita nacional, como Jornal da Tarde, revista IstoÉ e Jornal do Brasil, onde foi editor-executivo. Ex-correspondente da revista Veja em Paris, atualmente é editor e repórter especial da publicação, e também e colunista da última página. Observador atento dos fenômenos culturais, estréia na ficção com Leda (Editora Objetiva, 2006), definido pelo autor como um "romance curto".
Na conversa que teve com o Conselho Editorial da Revista E, o jornalista falou sobre a imprensa brasileira de hoje, comparou a literatura nacional contemporânea com os autores clássicos e revelou o que descobriu sobre São Paulo nas pesquisas que fez para escrever A Capital da Solidão (Editora Objetiva, 2003). A seguir, trechos.

 

Eu sou pouco indicado para opinar sobre o atual momento da literatura brasileira. Estou lendo autores de, pelo menos, 100 anos atrás. Leio muito pouco os contemporâneos. Acho que há aspectos a ser considerados sobre isso: primeiro, trata-se de uma questão demográfica, algo que atrapalha - tem muita gente escrevendo. Nos anos 50, era muito fácil apontar o cânone da literatura brasileira. Você sabia quem eram os escritores, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado na prosa, e Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira na poesia. Era muito fácil capturar o panorama da literatura brasileira, em parte porque o cenário era menor, havia menos publicações. O derrame de livros hoje em dia é uma coisa espantosa. Não dá tempo de digerir, de classificar e de estabelecer um cânone. O outro aspecto é que existe uma procura de o que dizer e como dizer. Tenho a impressão de que essa questão não está resolvida e é também muito dispersiva. É cada um de um jeito. Se falarmos dos anos 50 novamente, verificamos que as tendências dominantes eram muito claras. Por exemplo, aqueles escritores que citei eram do romance regionalista, predominantemente nordestino. Hoje, não seria possível identificar a tendência. O sujeito que nascia para a literatura naqueles anos tinha uma luz acesa que apontava o caminho a ser trilhado. Hoje é muito difícil, pela quantidade de gente e de produção, e também pela dispersão de respostas. As respostas são múltiplas, não há um farol iluminando o caminho, como houve em outras épocas.

 

IMPRENSA BRASILEIRA

Os grandes jornais e as principais redes de televisão são bons. Se olharmos para o que se poderia fazer no Brasil, acho que é uma coisa aceitável - tecnicamente há um aprimoramento muito grande. O que se vê na TV brasileira hoje, em comparação com outras épocas, é um grande progresso - no que diz respeito à rapidez e qualidade das imagens, ao fato de haver correspondentes brasileiros no mundo todo etc. Apego-me mais ao exemplo da televisão porque ela é o carro-chefe hoje. É quem determina o caminho, quem influencia esmagadoramente. Diante disso, acho, por outro lado, que a imprensa escrita passa por uma crise de identidade - há 20 anos era o inverso: quem pautava o país era a imprensa escrita. Além da crise de identidade, há outra, também, de natureza industrial - é possível perceber isso nas redações. Há um paradoxo. Na mesma medida em que a tecnologia aumenta, os prazos de fechamento diminuem. No tempo em que comecei no jornalismo, o jornal fechava às 4 horas da manhã. Hoje, fecha-se, no máximo, às 9 da noite. Quando comecei a trabalhar em revista, trabalhávamos até a tarde do sábado para a edição chegar na segunda-feira nas bancas. Hoje, sexta-feira à tarde já está tudo encerrado. Isso é compreensível porque as tiragens são imensas e a logística de distribuição é muito complexa. No entanto, ao contrário do que as paixões políticas de época de campanha eleitoral podem sugerir, acho que a imprensa é mais independente, e é capaz de fazer coberturas políticas mais neutras.
Agora, é preciso citar a imprensa regional e municipal, que formam um volume enorme no país, inclusive as televisões regionais. Isso ainda está extremamente ligado ao poder. Os jornais do interior são todos ligados ao chefe político local - ocupe ele cargo público ou não. Isso quando não são ligados diretamente às prefeituras. Às vezes, até aos governos dos estados maiores. Apontem-me onde está a imprensa independente em um estado como o de Minas Gerais? É complicado. E a televisão igualmente. As TVs regionais estão na mão dos chefes políticos. Isso é um vício que vem desde os governos militares, época em que as distribuições de retransmissoras de TV eram feitas em troca de favores políticos. Certa vez, fiz uma cobertura em Petrolina, Pernambuco - terra dominada por uma família famosa -, numa época de eleição, e um membro dessa família era candidato a vice-governador. Ele era dono da retransmissora local. No noticiário local, que corresponderia ao SPTV [noticiário local da TV Globo] daqui, em meio às notícias, aparecia o sujeito mandando um abraço. É aí que você percebe o quão forte é o coronelismo eletrônico no Brasil.

 

TERRA PERDIDA

A história de A Capital da Solidão começa com um convite que recebi da Editora Objetiva para escrever um livro contando uma história de São Paulo. Na verdade, a idéia original era uma coisa mais simples, os editores estavam pensando em fazer uma série de histórias de cidades brasileiras, e a mim caberia São Paulo, mas algo de proporções mais modestas. Só que eu acabei me empolgando e fiz um livro maior - e a coleção acabou não prosperando. Enfim, pensando que conhecia um pouco do assunto, topei fazer - mas o engano sempre se revela. Como eu já havia lido dois ou três livros relacionados ao tema, achava que entendia, mas quando entrei no assunto percebi a imensidão da minha ignorância. A partir daí a pesquisa para o livro foi uma pedreira. Mas, ao mesmo tempo, foi muito interessante descobrir coisas durante o processo de apuração. Eu já tinha a idéia que daria nome ao livro, essa questão do isolamento, mas não conhecia os meandros tão profundamente. São Paulo passou por um período de terra perdida, escondida e apartada do desenvolvimento natural do país. O Brasil "acontecia" nas cidades litorâneas com um rumo diferente. E aqui era uma terra de caipiras, de sertanejos rudes e de índios - até o século 18 se falava tupi em São Paulo. A cidade passou por um desenvolvimento muito singular, algo que fugiu da lógica do império português. Trata-se de uma cidade que conheceu um crescimento espantoso do dia para a noite, na virada do século 19 para o século 20. Era um vilarejo de 32 mil habitantes em 1872, alcançou o dobro em 1890, e assim foi. São Paulo vinha de uma longa letargia, 350 anos de sono, e despertou para se tornar uma metrópole de maneira fulminante.


 

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