OLHAR
APURADO

Cursos
informais sobre fotografia levam o conhecimento e a
experiência de profissionais da área a quem deseja saber
mais sobre a linguagem
A educação
informal muitas vezes é vista - num julgamento apressado -, como
método pouco eficiente de passar conhecimentos. No entanto, o
caráter mais descontraído e natural do processo assim
como a não-exigência de pré-requisitos, como formação
acadêmica, para participar desse tipo de atividade podem ser justamente
os elementos que agregam qualidade a essas experiências. Isso
vem sendo comprovado ao longo dos anos com os cursos livres oferecidos
pelas unidades do Sesc São Paulo, e reitera-se agora com a criação
de mais um deles: uma série de encontros com grandes nomes da
fotografia realizada pela unidade Vila Mariana. Os encontros foram semanais
e tinham três horas de duração, durante as quais
cada um dos fotógrafos apresentava o próprio trabalho
e propunha tarefas aos participantes. A escolha dos alunos, a exemplo
do que acontece nos demais cursos realizados pelas unidades do Sesc,
não obedeceu a nenhum critério específico, a não
ser o interesse pela matéria.
Desde 1982, com a criação do Laboratório Fotográfico
do Sesc Pompéia, esse tipo de atividade é comum na programação
da instituição. "O mais importante é poder
falar a todos, mas também a cada um, ouvir cada um e manter um
clima de discussão, troca de idéias e não apenas
de aula", afirma fotógrafo Antônio Saggese, convidado
para ministrar parte das aulas desse primeiro ciclo de cursos de fotografia
no Sesc Vila Mariana. A preocupação em transmitir um conteúdo
substancial e repassar a experiência de profissionais da área
aos alunos foi a tônica dos cursos. Outro ponto relevante foi
o conteúdo curricular flexível, adaptável às
condições dos alunos, quase sempre profissionais de outras
áreas, que tinham em comum o interesse pelo assunto tratado.
Segundo o fotógrafo Iatã Cannabrava, reponsável
por um dos cursos na unidade, há dois movimentos importantes
nessas aulas de caráter mais informal. "O primeiro é
mais natural e direto", explica, "no qual se pode construir
um clima mais leve. Outro é o lado do pioneirismo, ao experimentar
diversas fórmulas dentro do universo do ensino."
Esse primeiro módulo de cursos de fotografia do Sesc Vila Mariana
contou também com a presença de outros dois conhecidos
nomes do meio, Penna Prearo e João Luiz Musa.
RETRATO FALADO
O
iconógrafo Marcio Ricardo Sartorello, que participou dos cursos
de Penna Prearo e Antônio Saggese, ressalta a informalidade dos
encontros como uma das vantagens do formato. "No grupo havia muitas
pessoas que não tinham nenhum contato com a fotografia, nem como
hobby nem profissionalmente." Sartorello, que trabalha com pesquisa
de imagens, mas só fotografa para "si próprio",
como diz, aponta o intuito de conhecer o trabalho dos fotógrafos,
em busca de estímulos para o desenvolvimento de sua própria
linguagem fotográfica, como o principal motivo para freqüentar
as aulas.
A troca de experiências entre profissionais que, no dia-a-dia,
desenvolvem diferentes tipos de trabalhos também contribuiu para
o sucesso da iniciativa. "Tive a oportunidade de encontrar no curso
um engenheiro e outras pessoas ligadas a profissões totalmente
diferentes da minha", afirma outro aluno, André Bueno, repórter
fotográfico. Para Bueno, esse é o principal diferencial
do curso. "O trabalho de profissionais e amadores enriquece e aproxima
muito o homem e a imagem, ponto que talvez não seja muito estimulado
em um curso técnico de fotografia, no qual a linguagem fotográfica
não é o principal assunto a ser tratado."
O assistente fotográfico Rodrigo Suzuki, que freqüentou
dois dos cursos do Sesc, argumenta que as aulas em que a técnica
não é o principal foco podem gerar um conhecimento mais
aprofundado sobre o que é a fotografia como expressão.
"Não basta apenas a técnica para realizar uma grande
foto", afirma. "É preciso saber olhar. Com o Iatã
Cannabrava descobri um tipo de fotografia mais social, questionadora,
como encontrar o belo em lugares caóticos e desordenados. Já
com o Penna Prearo era outro tipo de concepção, mais lúdica,
artística, explorando o criativo, o intuitivo e o abstrato."
ENSINAMENTOS
"(...) e se um dia se passa sem que eu faça algo relacionado
à fotografia é como se eu tivesse negligenciado algo essencial
para a minha existência, como se eu tivesse esquecido de acordar."
A frase, do fotógrafo norte-americano Richard Avedon, abriu o
curso de Penna Prearo, que apresentou diversas imagens de seu acervo
e abordou questões estéticas, culturais e sociais que
norteiam seu trabalho. "Fundamentei minha participação
em concentração e estímulo, que compreendem deslocamento,
distorção, intensidade, risco, perda, intervalo, vertigem,
captura e estranheza", declara o fotógrafo. "Ver, além
de olhar."
Cannabrava debateu a direção de seu trabalho nos últimos
seis anos, principalmente no registro do cotidiano das periferias das
grandes cidades latino-americanas, abordando o desenvolvimento de ensaios
fotográficos com os alunos, ensinando-os a elaborar trabalhos
com unidade temática e formal.
João Luiz Musa procurou suprir a necessidade de informações
acerca do processo fotográfico de um ponto de vista mais técnico.
"Abordei desde as informações básicas sobre
a câmera e a revelação nos processos convencionais,
até a determinação de um espaço-cor para
trabalhar com a fotografia digital e como criar critérios de
acompanhamento para impressões digitais em laboratório
e padronização de telas de computador", conta.
Já Antônio Saggese propôs um exercício para
o olhar de investigação do cenário urbano. "A
vida urbana, hoje, se dá em meio a um misto de imagens",
explica. "Artefatos visuais se enroscam em nossos olhos e cobrem
a cidade como uma pátina; um véu que esconde, mas também
revela. Se prestarmos mais atenção, se fizermos um exercício
de leitura, se penetrarmos as entranhas desse universo, sentidos inesperados
brotarão."
Imagens:
As fotos acima mostram os trabalhos dos alunos André Bueno e
Rodrigo Suzuki, participantes da oficina Foco e Pensamento do fotógrafo
Penna Prearo, que foi realizada no Sesc Vila Mariana.
Ver boxes:
Fichas
técnicas
O tempo da foto
FICHAS TÉCNICAS
Iatã
Cannabrava, 44 anos
Formação: sempre atuou como fotógrafo
Começo da carreira: iniciou suas atividades como fotógrafo
na década de 80 e já trabalhou nos jornais Folha
de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e na revista
Veja. Realizou mais de 40 exposições no Brasil
e no exterior
Carreira hoje: atualmente dirige a Clínica Fotográfica
- centro de pesquisa e aperfeiçoamento da fotografia,
criado por ele - e o Estúdio Madalena, onde realiza workshops
Exposições: entre as individuais, Nem Perfume
Nem Cor, no Museu da República, Rio de Janeiro, em 1999;
e Panorâmicas Paulistanas, no Espaço Cultural Cargill,
São Paulo, em 2004
Prêmios: entre outros, Prêmio P/B da Quadrienal
de Fotografia de São Paulo, em 1985, e Prêmio Marc
Ferrez da Fundação Nacional da Arte, em 1987
Livros: Dez livros publicados, entre eles Casas Paulistas (Editora
Formarte, 2000) e O Presépio Napolitano de São
Paulo (Editora Retrato Imaginário, 2002)
Antônio
Saggese, 56 anos
Formação: arquiteto formado pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São
Paulo (USP), e mestre em filosofia pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
Começo da carreira: inicia carreira como fotógrafo
em 1969
Carreira hoje: em seu estúdio, em São Paulo, realiza
fotografias na área de arquitetura e design
Exposições: entre as individuais, Galo na Sopa,
na passagem subterrânea da Rua da Consolação,
São Paulo, em 1988; e Meus Olhos, no Centro Universitário
Maria Antônia, também em São Paulo, em 2001
Prêmios: entre outros, prêmio de melhor exposição
fotográfica pela Associação Paulista de
Críticos de Arte (APCA), em 1988, e prêmio para
trabalho em cor da I Quadrienal de Fotografia, em 1985
Livros: Fotoportátil Vol. 4 (Cosac Naify, 2005)
Penna
Prearo, 57 anos
Formação: dedica-se profissionalmente à
fotografia desde 1972, atuando nos campos da fotografia editorial
e de publicidade
Começo da carreira: iniciou suas atividades em 1972 na
área editorial, na produção de fotos para
capas de discos e CDs e também no ramo corporativo e
institucional
Carreira hoje: é colaborador da publicação
inglesa Rank, das brasileiras Bravo!, Marie Claire, e Vip e
dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, entre outros
Exposições: entre as individuais, Alma de Borracha,
na Funarte, Rio de Janeiro, em 1999, e no Bar Marcelo's, em
São Paulo, em 2002; e Violência: Cerimônia
e Furor, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São
Paulo, em 1995
Prêmios: Prêmio Aquisição do Banco
J.P. Morgan, em 1999, com o trabalho São Todos Filhos
de... Deus
Livros: alguns dos trabalhos do fotógrafo foram publicados
em livros como Image Memory - Photography from Latin America,
1866-1994 (editora Wendy Watriss, Lois Parkinson Zamora, através
da University of Texas Press, EUA); Mapas Abiertos - Fotografia
LatinoAmericana, 1991-2002 (editora Alejandro Castellote, Espanha,
2004); e Fotografia no Brasil - Um Olhar das Origens ao Contemporâneo,
de Angela Magalhães e Nadja Fonsêca Peregrino (Funarte,
2004)
João
Luiz Musa, 55 anos
Formação: graduado em engenharia de produção,
mestrado e doutorado em artes, pela Universidade de São
Paulo (USP)
Começo da carreira: iniciou como fotógrafo profissional
em 1974
Carreira hoje: professor de fotografia no curso de artes plásticas
(multimídia e intermídia) da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP
Exposições: entre as individuais, Paisagens, no
Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, em 1994,
e O Viajante e as Cidades, no Centro Cultural São Paulo,
em 1999
Prêmios: de melhor fotógrafo dado pela Associação
Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1992, pelo trabalho
de mestrado Viagem a Uma Terra Desconhecida
Livros: Eu Naveguei pelo Ar (Editora Nova Fronteira, 2001),
São Paulo Anos 20 - Andar, Vagar, Perder-Se (Editora
Melhoramentos, 2003) e Alberto Santos-Dumont: I Sailed The Wind
(Editora Nova Fronteira, 2003)
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O tempo da foto
Até 31 de janeiro, o Sesc Vila Mariana reúne
o trabalho dos quatro fotógrafos na exposição
Pensamentos Visuais em Foco
A temática
foi o tempo. De maneiras diferentes, cada um dos quatro fotógrafos
que ministraram aulas no primeiro ciclo de cursos livres de
fotografia no Sesc Vila Mariana abordou o assunto. Enquanto
Penna Prearo captou a velocidade dos caminhões ao cruzar
as estradas do país, obtendo como resultado um jogo de
luzes, João Luiz Musa optou pelo contrário, retratando
o aparente ritmo estático das paisagens. O enfoque escolhido
por Antônio Saggese foi o que ele chamou de "tempo
doméstico" de retratos antigos e desgastados, o
que contrastou com o cenário urbano impessoal registrado
por Iatã Cannabrava, que revelou a sobreposição
de mensagens nos grafites da cidade.
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