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Música

Postado em 30/03/2007

REVISTA E - PORTAL SESCSP

 

 

BREVE PRESENÇA

A trajetória do flautista fluminense Pattápio Silva, cujo centenário de morte é comemorado neste ano, revela o talento do músico autodidata e a determinação de deixar sua marca na cultura nacional


A vida musical de Pattápio Silva teve início em uma barbearia, ponto de encontro de compositores, instrumentistas e poetas populares no Brasil do final do século 19, segundo revela O Livro de Pattápio Silva (Irmãos Vitale Editores Brasil, 2000), coordenado pela pianista e pesquisadora Maria José Carrasqueira, no qual estão reunidas as nove obras compostas pelo flautista. Negro, filho do barbeiro Bruno José da Silva, passou a infância entre navalhas, pincéis e saraus improvisados no estabelecimento do pai, na cidade de Itaocara, estado do Rio de Janeiro. Mas não foi o ofício de cuidar do asseio alheio que atraiu o jovem. Seu interesse estava na música. Autodidata, aos 5 anos construiu uma flauta de bambu e, ainda menino, ensaiou as primeiras notas em uma versão feita de lata, logo se tornando uma das principais atrações da barbearia. "Ele era um prodígio, tinha uma facilidade enorme com o instrumento", diz Maria José. A veia compositora se revela também muito cedo, aos 16 anos, quando o flautista começa a escrever as músicas para a banda da cidade natal. "Essas bandas eram uma coisa muito importante na parte de lazer, eram elas que movimentavam a vida musical, porque tinham de tocar tudo o que fosse o hit do momento." Maria José conta ainda que, justamente pelo fato de esses grupos terem uma espécie de responsabilidade de ser muito bem informados sobre o gosto da época, não raramente incluíam composições de autores europeus em seu repertório. Foi assim que Pattápio tomou contato com esse universo e decidiu que queria ser um músico internacional - leia-se, ser conhecido na Europa.
Aos 20 anos, Pattápio muda-se para o Rio de Janeiro atrás de possibilidades. Carismático, disciplinado e muito ciente do que era necessário para realizar seu desejo, o jovem mostrava preocupação com todo detalhe que considerasse importante na empreitada. Mesmo com os parcos recursos, fazia questão de sempre ser visto muito bem trajado. A noção do que muito tempo depois viria a ser chamado "autopromoção" levou-o até a acrescentar mais um "t" a seu primeiro nome, "com a finalidade de criar glamour", como escreve Carmen Silva Garcia em sua dissertação de mestrado "Pattápio Silva - Flautista Virtuose, Pioneiro da Belle Époque Brasileira", defendida no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). "Apesar de todas as dificuldades que a própria sociedade impunha ao mulato que desejasse participar da cultura dita 'erudita'", segue Carmen no trabalho, "com seu próprio esforço, confiança e apoio de alguns poucos admiradores e amigos, Pattápio foi capaz de chegar ao topo, conquistando todos os prêmios em concursos dos quais participou." A pianista Maria José Carrasqueira revela que, apesar do preconceito com o qual o flautista teve de conviver, não eram tão poucos assim seus admiradores. "Ele ganha a cidade toda quando se muda para o Rio de Janeiro", afirma. "Isso acontece, depois, também em São Paulo e no Paraná." Ainda segundo Maria José, uma prova de que sua música realmente o ajudava a vencer os obstáculos está no fato de ele ter sido um dos primeiros a conseguir registrar suas composições em disco no Brasil, em 1902, período em que a indústria fonográfica no país dava os primeiros passos, levada pelas mãos de Frederico Figner, dono da Casa Edson e Casa Odeon. Esses poderiam ser chamados os selos musicais da época. "Pattápio sabia que precisava divulgar suas coisas", conta a pianista. "Tanto é que ele também é um dos primeiros a ter as obras impressas, e isso então era muito difícil. Note que, para conseguir um editor que se dispusesse a investir em seu trabalho, é porque tinha todo um carisma e uma entrada de público."

 

 

TESOURO NACIONAL
O registro da obra do compositor e instrumentista, embora tenha apresentado dificuldades em atravessar o tempo - é difícil encontrar literatura que mencione seu nome ou gravações de suas músicas -, tem status de tesouro nacional. O flautista Antonio Carlos Carrasqueira (ou Toninho Carrasqueira), em texto publicado em O Livro de Pattápio Silva, afirma que deixar de lado a importância do músico é esquecer uma parte da própria história do país. "[Pattápio] viveu na época do aparecimento da música com características mais propriamente brasileiras (...)", escreve Toninho. "Se pensarmos a música como o retrato de um momento da história, no caso de Pattápio, ela é o olhar, o sentir de um jovem (...) Sua música tem a sinceridade, a graça, a paixão da juventude" - qualidades essas que encantaram o professor de música e pesquisador João Dias Carrasqueira, pai de Toninho e Maria José, e um dos primeiros a se preocupar em resgatar a obra do flautista nos anos 60, quando iniciou uma empreitada de 25 anos para colocar a música do jovem compositor na pauta das conversas e na estante dos músicos brasileiros. "Meu pai foi em sua época o maior divulgador de Pattápio", explica Maria José. "Tinha todos os discos dele. Por ser um músico brasileiro consciente da importância de nossa música e por querer tocar todo o material disponível para flauta, ele trouxe o Pattápio como exemplo." Daí vieram o gosto dos irmãos pela obra do flautista e também o desejo de continuar os planos do pai de fazer o músico não ser esquecido pelas jovens gerações. "Meu pai deixou para mim e para meu irmão todas as edições dessas obras, material que serviu como base para a edição do livro."
Mesmo sendo contemporâneo de nomes como Heitor Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Antonio da Silva Callado, Alberto Nepomuceno e até de Carlos Gomes - figuras com as quais teve contato -, Pattápio Silva não ganhou o mesmo lugar na memória dos brasileiros. E isso, segundo afirma Maria José, se deve a dois fatores, um mais técnico, relacionado com o fato de que o flautista produziu numa época em que o mercado musical voltava os olhos e o investimento para o piano, e outro que leva à eterna questão da falta de acesso à memória cultural do país. "É uma questão de fazer as coisas chegarem até as pessoas", afirma a pianista. "Realizamos uma pesquisa que mostrou que nossas crianças não cantam mais as tradicionais cirandas nas escolas, por exemplo. Isso as faz perder o contato com suas próprias raízes musicais."
Talvez valha a pena incluir entre os motivos desse quase esquecimento o fato de que o sonho do jovem foi interrompido no auge dos acontecimentos. O flautista morreu em 1907, aos 26 anos, vítima de uma difteria que lhe tirou a vida em um mês - em meio à primeira turnê brasileira. A chance de maior reconhecimento ressurge agora com as comemorações de seu centenário de morte. Além do espetáculo realizado no Sesc Vila Mariana (veja boxe Ao Som da Flauta), há projetos que incluem o lançamento de um CD com algumas de suas peças e um novo trabalho de divulgação do livro que reúne suas composições, tudo capitaneado pela família Carrasqueira. "Não temos datas, mas muitos planos", conclui Maria José.

 


Ver boxes:

Ao som da flauta
A vida na "bela época"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Ao som da flauta
Shows realizados no Sesc Vila Mariana resgatam a obra de Pattápio Silva

Durante o mês de março, o Sesc Vila Mariana apresentou, em sua Praça de Eventos, três shows em homenagem ao compositor carioca Pattápio Silva. Em E Viva Pattápio! os grupos Choro de Moça (à esquerda) e Flávio Sandoval Trio apresentaram releituras de composições do flautista para que o público pudesse tomar contato com sua obra, considerada fundamental na história da música brasileira. Nos dias 3, 17 e 31 de março, os presentes puderam ouvir, em novas roupagens, peças como Polca, Cotinha, Primeiro Amor e Margarida.

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A vida na "bela época"
Compositor surgiu em período histórico que fez o Brasil respirar ares de primeiro mundo


Da chamada belle époque brasileira, que vai do final do século 19 até o ano de 1914, quando estoura a Primeira Guerra Mundial, costuma-se dizer que se tratou mais de um estado de espírito. O período foi marcado por um grande entusiasmo causado pelas descobertas tecnológicas e acontecimentos artísticos que vinham da Europa e que passaram a incluir o Brasil na rota de seus ecos - sobretudo em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro. O otimismo estava no ar, iluminado pela luz elétrica recém-chegada às cidades brasileiras e fomentado pela revolução nos transportes - que iria substituir o lombo dos burros e cavalos pelo bonde e pelo automóvel. Algumas cidades começaram a ganhar redes de esgoto e o vaso sanitário tornava-se a grande novidade nos banheiros das elites. Para o historiador Elias Thomé Saliba, autor do livro Raízes do Riso (Companhia das Letras, 2002), que faz um mapeamento da evolução do humor no Brasil - muito inspirado nessa época de posturas afrancesadas -, a belle époque é o "prenúncio de tudo de bom e ruim que haverá no século 20". "É uma expressão que revela o otimismo, mas também a ingenuidade de achar que aqueles benefícios trariam uma vida melhor a todos." No Brasil, o fim da escravidão, em 1888, e a proclamação da República, um ano depois, reforçaram ainda mais as convicções em relação ao futuro. "É um período em que as pessoas apostam muito na mudança da história", conta Saliba. "Só que a desilusão acontece quando fica claro, por exemplo, que, apesar de ter se tornado uma república, o país continua nas mãos da oligarquia."

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