Postado em 15/03/2007
Crescimento da mais importante commodity do país preocupa ambientalistas
MAURÍCIO MONTEIRO FILHO
Colheitadeira em ação: 20,6 milhões de hectares plantados / Foto: Jan Gilhuis/Solidaridad
Apesar de ser a principal commodity da pauta brasileira de exportações, já faz algum tempo que a soja deixou de ser exclusividade das discussões econômicas para disputar a atenção de ambientalistas e movimentos sociais em todo o país. Pressão sobre terras indígenas e de povos tradicionais, uso de sementes geneticamente modificadas, emprego de mão-de-obra escrava e expansão sobre unidades de conservação ecológica foram alguns dos problemas atribuídos ao plantio nos últimos anos.
Mais recentemente, essa preocupação atingiu seu limite, devido ao avanço das lavouras sobre o bioma amazônico. Hoje, 5% de toda a soja produzida no país vêm da Amazônia – 90% dos quais de Mato Grosso. Mas, a julgar pela ocupação maciça do cerrado pelas plantações do grão, a rápida expansão sobre o novo cenário e a perspectiva de mais uma ameaça a uma das florestas mais ricas do planeta é suficiente para colocar a sociedade em alerta.
A presença de grandes grupos multinacionais, como Archer Daniels Midland (ADM), Bunge e, principalmente, Cargill, e da maior empresa nacional do segmento – o Grupo André Maggi, ligado ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi –, também soa como um mau presságio. Basta observar a infra-estrutura já instalada em solo amazônico: são quatro silos da ADM, seis da Bunge e 13 da Cargill, além de seu terminal portuário, localizado em Santarém e considerado ilegal pelo Ministério Público Federal.
A questão básica dessa polêmica é a possibilidade de produzir soja de maneira sustentável num ambiente de tão vasta biodiversidade sem intensificar ainda mais a exploração que tem feito da região presa fácil de madeireiras e pecuaristas.
Do lado dos ambientalistas, não há dúvida. Segundo eles, é impossível conjugar os interesses dos produtores com a preservação da floresta, e por isso pregam a completa erradicação das lavouras amazônicas do grão. "A expressão ‘soja sustentável’ foi eliminada desde o início da discussão", diz Maurício Galinkin, da Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (Cebrac), entidade sediada em Brasília que atua em consultoria ambiental.
Em nome das principais corporações do setor, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) sustenta justamente o contrário. "Há somente 1,1 milhão de hectares de plantações de soja dentro do bioma amazônico, o equivalente a três milésimos da área. Esse argumento, por si só, já derruba mitos e rumores de que o grão estaria devastando a floresta", declara a entidade, através de sua assessoria.
A despeito do pretenso equilíbrio de forças na polêmica da soja, no entanto, em 24 de julho de 2006 a balança pareceu pender para os que defendem o fim das plantações na Amazônia. Nessa data, a Abiove, em conjunto com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), declarou um embargo aos agricultores que produzirem em áreas desmatadas a partir de outubro de 2006. O documento determina que, durante um prazo de dois anos, as empresas afiliadas a essas instituições não comercializem os grãos que forem cultivados na Amazônia a partir daquela data. A medida ficou conhecida como "moratória da soja".
Na realidade, a iniciativa foi a resposta corporativa a uma série de pressões encabeçadas por movimentos sociais e entidades ambientalistas brasileiras e européias.
No entanto, a iniciativa do embargo – com o qual, de modo considerado inédito, as empresas ligadas à soja implicitamente assumiram sua cota de participação no passivo ambiental gerado pelas plantações – ainda é motivo de muita reticência e carece de ajustes práticos. "A moratória foi uma vitória política significativa, pois as grandes compradoras reconheceram que são co-responsáveis pelos problemas causados pela atividade agrícola. Mas temos de operacionalizá-la", afirma Galinkin.
Comendo a floresta
A declaração do embargo ocorreu principalmente devido a um relatório elaborado pela organização não-governamental (ONG) Greenpeace, que recebeu o sugestivo nome de "Comendo a Amazônia". O raciocínio da entidade é simples: se 80% da soja produzida no mundo destina-se à elaboração de ração animal e parte das lavouras está na Amazônia, ao degustarmos um hambúrguer numa rede de fast-food cujos fornecedores alimentam seus animais com derivados de soja amazônica estaremos, indiretamente, devorando esse bioma.
Não bastasse isso, de acordo com o relatório, publicado em abril de 2006, a produção da commodity na Amazônia enseja uma série de crimes associados, que vão de grilagem de terras a uso de mão-de-obra escrava. E, de acordo com o Greenpeace, os culpados não são os tradicionais pistoleiros da terra sem lei amazônica, mas sim gigantes do porte de ADM, Bunge e Cargill.
Segundo um dos coordenadores do estudo, Nilo d’Ávila, as atenções do Greenpeace se voltaram para a questão da expansão das plantações na Amazônia quando ficou patente que havia infra-estrutura e requisitos suficientes para um boom da soja na área: mobilização de produtores, crescimento da especulação imobiliária e implementação de vias de escoamento. "A cultura da soja é muito dependente. A partir da colheita, são necessários secagem, armazenamento e transporte. É preciso ter estrutura. Mas vimos que as condições estavam dadas. A partir de 2002, a luz vermelha acendeu", explica ele.
O documento enumera diversos casos concretos em que se pode observar a interferência socioambiental negativa da soja. Um exemplo é a chamada Rodovia da Soja, que parte de Feliz Natal (MT) em direção ao Parque Indígena do Xingu e constitui uma importante via de ligação de 120 quilômetros entre áreas produtoras. A estrada, margeada por pelo menos 14 lavouras de soja, foi aberta sem licença ambiental. As terras do entorno são anunciadas na internet a R$ 50 por hectare, que podem ser pagos com soja colhida nas futuras propriedades.
A grilagem, seguida de invasão de terras indígenas, também é uma das manchas das plantações amazônicas. É o caso da Fazenda Membeca, em Brasnorte (MT), que ocupou áreas pertencentes aos índios manoquis. A propriedade em questão fornece grãos para a Bunge e a Cargill.
Outro grave custo social da soja é o trabalho escravo. Apesar do alto nível de mecanização da produção, a etapa de preparação do solo, incluindo o desmate, envolve serviço braçal. Por isso, há muitos casos de escravos libertados em lavouras do grão. Na Fazenda Tupy Barão, numa ação realizada em setembro de 2001, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou 69 lavradores que estavam com seus salários retidos e eram forçados a permanecer na propriedade até pagar dívidas referentes a alimentação e equipamentos de trabalho, que devem ser fornecidos pelo empregador.
De junho de 2004 a junho de 2006, a empresa responsável pela fazenda ficou impedida de receber créditos públicos, por ter sido incluída na chamada "lista suja" do MTE. O cadastro impõe a punição aos envolvidos nessa infração trabalhista. Tanto a Bunge quanto o Grupo André Maggi compravam soja da Tupy Barão.
"Vimos que todos os problemas comuns a outras atividades aconteciam no caso da soja. Os modelos de destruição da floresta estavam se repetindo nessa indústria", complementa D’Ávila.
Paralelamente à publicação do "Comendo a Amazônia", o Greenpeace organizou uma série de ações, tanto no Brasil quanto na Europa, com o objetivo de chamar a atenção para os danos associados à soja amazônica.
No entanto, as empresas envolvidas só se dispuseram a debater o assunto quando a discussão sobre a cadeia produtiva do grão brasileiro alcançou o segmento europeu da rede McDonald’s. Isso porque todo o carregamento de frangos que chega à gigante do fast-food e a outros grandes grupos do setor alimentício europeu provém da Sun Valley, empresa com sede na França, mas de propriedade da americana Cargill. A ração que engorda os frangos que se transformarão em nuggets nos McDonald’s de toda a Europa inclui, assim, soja da Amazônia.
D’Ávila conta que, até o envolvimento das grandes redes varejistas, a Cargill evitou discutir sua conduta. Desse modo, o embargo só começou a ganhar forma quando a preocupação sobre a procedência do grão atingiu o mercado consumidor. "Tem de haver pressão social para que as empresas venham à mesa de debate", emenda Galinkin.
Parâmetros mínimos
A declaração sem precedentes do embargo é na verdade resultado de um processo que remonta a mais de uma década atrás. De acordo com Galinkin, a soja apareceu no horizonte de preocupações das entidades ambientalistas já em 1995, época dos diálogos em torno da implantação da hidrovia Paraguai-Paraná. No entendimento dessas organizações, a obra levaria a uma expansão significativa das lavouras do grão, cuja produção passaria a representar 80% das mercadorias que por ali passassem. "O objetivo da hidrovia era transportar soja e incentivar países que não tivessem a cultura a começar a produzi-la. Com isso, os problemas ambientais relacionados ao agronegócio se multiplicariam", afirma Galinkin.
Esse movimento culminou com a criação da Coalizão Rios Vivos, uma congregação de ONGs do Cone Sul – países do Mercosul mais a Bolívia –, que desde 2000 passou a se dedicar mais intensivamente a examinar os impactos socioambientais da sojicultura.
Em decorrência desses estudos surgiu, em 2003, um grupo de trabalho dedicado exclusivamente à discussão de critérios de produção que pudessem servir de referência às empresas compradoras – a Articulação Soja Brasil. "Nosso objetivo é incentivar o plantio de soja com redução dos impactos sociais, ambientais e econômicos, já que sabíamos que seria impossível eliminá-los, uma vez que são próprios da monocultura", explica Galinkin, que, através do Cebrac, foi um dos organizadores dessa iniciativa.
Entre fevereiro e abril de 2004, a Articulação promoveu um debate, por meio de um fórum virtual, entre 61 entidades de todo o Brasil. O resultado foi um documento intitulado "Critérios para Responsabilidade Social das Empresas Compradoras de Soja". Nele, foram enumerados os parâmetros mínimos a ser observados pelas traders em relação à origem dos grãos.
Em síntese, são exigidos, no curto prazo, a redução do desmatamento, a proteção ao pequeno produtor, o respeito à legislação ambiental e trabalhista, e, no médio e longo prazos, a melhoria da produtividade e da distribuição da renda gerada pelo setor. "As empresas não devem adquirir soja cultivada fora dessas diretrizes", pontua Galinkin.
O embargo proposto pelos grandes compradores brasileiros de soja, entretanto, não se pautou pelos parâmetros elaborados pela Articulação. O texto da moratória só é claro no que diz respeito à interdição da compra de soja oriunda de novos desmatamentos no bioma amazônico e à quebra de contrato com fornecedores em caso de utilização de mão-de-obra escrava. Os outros pontos não são sequer abordados no documento. E mesmo o tema do desmatamento foi tratado de forma bastante sucinta. Já os critérios da Articulação Soja Brasil não se relacionam apenas à Amazônia, mas a todas as regiões produtivas, incluindo o cerrado, por exemplo. Além disso, a ausência de uma política clara de acompanhamento e o período de duração de apenas dois anos para o embargo são também alvo de fortes críticas por parte de ambientalistas e movimentos sociais.
"Da maneira como a moratória foi apresentada, se não houver implementação do monitoramento, não será alcançado resultado algum", aponta Ilan Kruglianskas, do WWF Brasil. "Também é um problema não considerar outros biomas nessa moratória", emenda ele.
Jan Maarten Dros, da AIDEnvironment, entidade holandesa de pesquisa e consultoria para ONGs, empresas e governos, vai mais longe. Segundo ele, a declaração da Abiove e da Anec, na atual conjuntura do mercado da soja, é inócua. Dros avalia que, devido à força do real frente ao dólar, a competitividade do grão brasileiro no exterior foi muito baixa em 2006. Por isso, não houve demanda por ampliação das zonas fornecedoras, já que as regiões tradicionais de cultivo deram conta de suprir as exportações, sem a necessidade de lançar mão da soja amazônica.
Isso se confirma, pois, segundo a própria Abiove, até hoje, o embargo não afetou a balança comercial da commodity. "Não houve nenhum impacto significativo nas exportações da soja brasileira", afirma a entidade.
Brasil x Holanda
Independentemente da adequação das empresas brasileiras aos parâmetros criados pela coalizão, é crescente a preocupação global quanto à questão – o que é fundamental, já que, segundo Galinkin, é inútil realizar essa discussão internamente, sem que o mercado internacional esteja envolvido.
Isso justifica a participação de organizações européias, principalmente holandesas, desde o início da elaboração dos critérios. Afinal, a Holanda é o maior importador europeu de soja – e o segundo maior em âmbito mundial, atrás apenas da China –, e a origem dos grãos, devido à maior presença do tema na mídia, tornou-se um assunto bastante sensível naquele país.
Essa sintonia redundou na criação de uma Articulação Soja Holanda, também em 2003, simultaneamente ao surgimento da congênere brasileira. Desde então, as duas congregações vêm discutindo ações individuais e coletivas para forçar a adoção dos critérios em âmbito internacional. Atualmente, a versão holandesa do grupo conta com nove membros.
Tamara Mohr, responsável pelas alianças estratégicas da organização holandesa Both Ends, conhece de longa data o problema da soja no Brasil. A instituição foi uma das coordenadoras européias da campanha contra a hidrovia Paraguai-Paraná. Hoje, faz parte da Articulação Soja Holanda. "Atuamos em três grandes áreas: na sensibilização do consumidor e das grandes companhias do setor e na criação de políticas oficiais para a soja." Em sua avaliação, o mais complicado é atingir a mudança de comportamento do público, pois, no caso da soja, é muito difícil distinguir entre o bom e o mau produto. Isso porque o grão é apenas um componente de cerca de 60% a 70% das mercadorias encontradas nas prateleiras dos supermercados e muito raramente pode ser comprado mais diretamente, como ocorre, por exemplo, no caso do óleo de soja.
Quanto ao governo holandês, as pressões da Articulação já conseguiram mobilizar quatro ministérios: Agricultura, Meio Ambiente, Economia e Cooperação Internacional. Segundo Jan Gilhuis, do programa de soja responsável da organização holandesa Solidaridad, outro membro da coalizão européia, atualmente as próprias empresas pressionam o governo para a criação de regras de compra comuns a todas, uma vez que isso evitaria desigualdades competitivas.
É no trabalho com as empresas, porém, que, segundo Tamara, se encontra o ponto nevrálgico da estratégia da Articulação holandesa. "Apesar de elas saberem o que queremos ouvir, é mais fácil trabalhar com as companhias, pois não há atores que possam fazer mudanças tão significativas quanto elas", explica.
De acordo com Gilhuis, um caso concreto de sensibilização ocorreu com uma grande companhia leiteira holandesa – a Campina –, que também atua na Alemanha e na Bélgica. A partir de diálogos com a Articulação, a empresa se comprometeu a comprar somente soja responsável.
"O problema é que o grão produzido segundo os critérios mínimos é de 10% a 20% mais caro. Por isso, temos de batalhar para que o consumidor se disponha a pagar mais por produtos que contenham essa soja", diz Gilhuis.
Lições do dendê
Entre 22 e 23 de agosto de 2006, ocorreu o encontro Controle Social do Mercado da Soja: Ações e Estratégias, que reuniu as Articulações Brasil e Holanda para debater as ações possíveis a partir do novo cenário ensejado pela declaração da moratória pela Abiove e pela Anec. O evento teve como convidados outros representantes da América Latina que discutem os impactos da soja em seus países.
Também participaram do debate integrantes de organizações que atuam na adequação socioambiental da produção de azeite de dendê na Indonésia. O exemplo desse produto guarda diversas semelhanças com o caso da soja brasileira, pois ambos afetam áreas de grande potencial ambiental e historicamente ocupadas por populações tradicionais, que ficam alijadas da renda produzida, largamente concentrada nas mãos de grandes grupos transnacionais. Basta citar o "abraço da morte" sobre o Parque Indígena do Xingu, realizado pelas lavouras do grão, responsáveis pela poluição das nascentes do entorno da unidade. Ou a polêmica redução, no final do ano passado, de 27 mil hectares – ou 14% – do Parque Estadual do Cristalino, localizado no norte mato-grossense, motivada em grande parte por agropecuaristas da região.
O caso indonésio é um modelo de como a articulação de diferentes setores pode pelo menos começar a mudar a realidade e reduzir os impactos da exploração desenfreada dos recursos naturais. Na Indonésia, com auxílio da ONG WWF, foi criado o chamado Fórum sobre o Azeite de Dendê Sustentável (RSPO, na sigla em inglês), cujo objetivo fundamental é praticamente idêntico ao das Articulações Soja Brasil e Holanda. Hoje, o RSPO conta com cem signatários, o que representa 30% de um mercado em que também estão presentes gigantes como a Cargill.
A experiência da WWF na coordenação do fórum indonésio estimulou a reprodução da iniciativa no caso da soja. Das discussões do Fórum sobre Soja Responsável (RTRS, na sigla em inglês) – iniciativa que conta com o apoio do governo suíço e cuja primeira reunião, realizada em Foz do Iguaçu em março de 2005, congregou cerca de 300 organizações do mundo todo – surgiu um novo pacote de parâmetros socioambientais para a soja, conhecidos como critérios de Basiléia, concebidos pela cooperativa suíça Coop e pela WWF Suíça.
Comparados às diretrizes da Articulação Soja Brasil, eles abordam aspectos mais técnicos, com ênfase na restrição ao uso de transgênicos, respeito aos direitos de posse da terra e monitoramento das conseqüências sociais da produção para a população local.
Dois fornecedores brasileiros, Imcopa e Agrenco, aderiram às normas e já estão colhendo os frutos da safra responsável. Conjugadas, as capacidades dessas duas empresas chegam a 2,2 milhões de toneladas, quase 10% do total exportado pelo Brasil em 2006, que foi de mais de 23 milhões de toneladas, segundo dados da Anec.
Em janeiro de 2007, o RTRS foi constituído juridicamente em Rolle, na Suíça, e deverá ter sede em São Paulo ou Buenos Aires. Entre seus membros estão a Abiove, o Grupo André Maggi, a Unilever e o banco ABN Amro.
Segundo Kruglianskas, esse tipo de debate enfrenta, no entanto, uma série de obstáculos. "De um lado, há quem diga que os países ricos têm a intenção de frear a expansão da soja na América do Sul. E existem aqueles que acham que estamos querendo fazer um green wash, isto é, legitimar a produção irresponsável. Nenhum dos dois está certo. Nosso objetivo é que a produção continue, mas inclua valoração ambiental e social."
Soja sustentável?
Mais de um terço das riquezas geradas no país vem do chamado agronegócio, uma indústria que movimentou mais de R$ 530 bilhões no ano passado, de acordo com projeção do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP).
Nesse mercado, sem dúvida, a menina-dos-olhos é o complexo da soja, isto é, o grão in natura, além do farelo e do óleo oriundos de seu processamento. Entre todas as lavouras que, de norte a sul do país, garantiram mais de R$ 83 bilhões em 2006, também segundo estimativa do Cepea, a soja ocupa de longe a maior extensão de terras: 20,6 milhões de hectares. Para se ter uma idéia, o segundo lugar é do milho, que não chega a 13 milhões de hectares.
O que a soja tem absorvido em termos de investimentos e de atenção do mercado, no entanto, é proporcional à polêmica que ela tem gerado nos bastidores da tensa relação entre expansão do agronegócio e sustentabilidade socioambiental. Nesse ponto, a iniciativa conjunta da Abiove e da Anec continua sendo um paradoxo. Afinal, se, em nome das grandes corporações ligadas à soja, essas entidades afirmam não contribuir para o desmatamento da Amazônia, qual seria o objetivo prático do embargo? Sérgio Mendes, diretor-geral da Anec, diz que as críticas nacionais e internacionais ao setor de citros por utilização de mão-de-obra infantil serviram de modelo para a moratória da soja amazônica. "A experiência ensina que, quando é apontada uma falha em sua atividade, negá-la é um erro. Por isso, mesmo que o desmatamento causado pelas lavouras na Amazônia seja mínimo, é melhor evitá-lo", declara.
Além disso, a atual polêmica em torno da soja na Amazônia tem obscurecido outros dois pontos cruciais relativos a essa cultura. A despeito do alívio da pressão sobre a floresta, o cerrado continua sofrendo os efeitos da expansão indiscriminada do plantio.
Como se não bastasse, segundo um estudo encomendado pelo governo holandês à AIDEnvironment sobre os impactos socioeconômicos das chamadas agricommodities, a soja afeta mais do que o meio ambiente: ela aumenta o abismo social brasileiro.
Nas áreas produtoras de Mato Grosso, líder nacional da soja, os índices de desigualdade social cresceram e o emprego no campo caiu significativamente, tanto para áreas já consolidadas de lavoura como para aquelas em expansão e de fronteira agrícola.
No entanto, qualquer movimento de negação à soja consiste num radicalismo tão insustentável quanto as lavouras que não respeitam o meio ambiente e a sociedade. Pelo peso que essa commodity tem na economia nacional, demonizá-la significa estancar uma das principais fontes de geração de riqueza para o país. "Só queremos a eliminação de quem não produz corretamente. Nunca defendemos o boicote, que não é solução. O ideal é premiar a legalidade e extinguir a ilegalidade", finaliza Galinkin.
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