
Iniciativas
e instituições que trabalham na promoção da
cultura, saúde e educação ajudam crianças
e jovens a garantir um futuro melhor
Quando se fala em
crianças em situação de risco, a rede de motivos
se alastra e toca em questões que vão de condições
socioeconômicas insuficientes para garantir a formação
adequada até a violência doméstica, passando por famílias
disfuncionais - ausência do pai, da mãe ou, em muitos casos,
dos dois - e casos de alcoolismo e drogas no núcleo familiar. O
trabalho infantil aparece nas pesquisas com números que comprovam
esse quadro. Segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), e publicada em 2000, dos cerca de 17 milhões
de crianças e adolescentes com idade entre 10 a 14 anos no Brasil
pesquisados em 1999, 1,4% estão fora da escola e exercem algum
tipo de atividade profissional. A Região Nordeste do país
apresenta-se com os maiores números: 2,2% de 5,7 milhões.
A renda per capita das famílias também surge como
um dos fatores. A PNAD feita pelo IBGE mostra que, dos 8 milhões
de famílias pesquisadas, 39% possuem renda per capita de até
meio salário mínimo (350 reais hoje). Já os casos
de agressões cometidas contra a criança - muitas vezes dentro
de casa - chegam a 200 mil, como informa o livro Impacto da Violência
na Saúde dos Brasileiros, de 2005, editado pela Secretaria
de Vigilância da Saúde, órgão do Ministério
da Saúde. Segundo a publicação, em 80% das ocorrências
o agressor é um parente ou um conhecido.
"Trabalhar
por um presente e futuro melhores para a criança significa lutar
por uma sociedade mais democrática, igualitária e não
discriminatória", escreve a representante do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Marie-Pierre Poirier,
na apresentação da edição de 2006 do anuário
Situação da Infância no Brasil, editado pelo
órgão. "Além disso, o Brasil tem outros desafios",
explica Marie-Pierre. "Como a universalização do direito
ao registro civil de nascimento e a oferta de pré-natal e parto
de qualidade para as gestantes. Medidas fundamentais para garantir a cidadania
e os direitos do recém-nascido." Segundo ela, a cada ano aproximadamente
750 mil crianças, mais de um quinto do total de recém-nascidos,
completam o primeiro ano de vida sem ser registradas. "Sem o registro
civil, a criança não existe perante o Estado e não
pode usufruir uma série de serviços e benefícios
garantidos por lei."
Considerado um divisor de águas no que diz respeito à garantia
dos direitos das crianças e dos jovens, o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) foi criado em 13 de julho de 1990, por meio da
Lei nº 8.069, que "dispõe sobre a proteção
integral à criança e ao adolescente". No entanto, mesmo
significando uma importante mudança no modo como governo e sociedade
enxergam a população menor de 21 anos, ações
concretas ainda somam números insuficientes. Mesmo assim, há
os que "arregaçaram as mangas" para tentar mudar a situação,
e entre eles estão instituições e iniciativas pessoais
- como o trabalho voluntário. A reportagem separou quatro dessas
organizações que jogam no time das "pessoas do bem".
É um número pequeno, é verdade, mas os trabalhos
fazem toda a diferença na vida das crianças e dos jovens
atendidos.(veja boxe Cada um faz a sua parte)
Educação
infantil
Criado em 1968, o Projeto Arrastão atua na região do Campo
Limpo, Zona Sul de São Paulo, com ações nas áreas
de educação, cultura e promoção social. Hoje
o projeto atende cerca de 1.100 crianças e adolescentes. "No
cotidiano desse trabalho, nos deparamos com tantos casos complicados que
nosso cuidado acaba sendo não se 'acostumar' com essa realidade,
não achá-la normal", conta Maria Aparecida Baldin,
responsável pela área de formação de jovens.
O coordenador pedagógico da instituição, José
Emmanuel Fontes, conta que o que mais impressiona no comportamento das
crianças, especialmente das pequenas, é o grau de consciência
que elas têm das condições em que vivem. "A criança
muitas vezes não chega aqui rebelde, mas sim com um nível
de consciência até excessivo", conta Fontes. Um dos
exemplos mais marcantes, segundo os coordenadores, foi o de uma menina
que chorava muito no primeiro dia em que lá foi deixada pela mãe.
As tentativas de acalmar a criança seguiram sem sucesso até
que... "Eu decidi, com jeitinho, dizer a verdade a ela", lembra
Maria Aparecida. "Cheguei para a menina e disse: 'Olha, a mamãe
precisa trabalhar e você precisa ficar bem-cuidada'. Quando eu disse
a palavra 'trabalhar', a menina me respondeu: 'Tá bom'. Enxugou
as lágrimas e simplesmente entrou." A tarefa, segundo os coordenadores,
é árdua. Mas, em 38 anos de instituição, já
são muitos os exemplos de que vale a pena continuar. "Houve
um garoto, de uns 7 anos, que estava realizando pequenos furtos, aqui
e na escola. Como sou psicólogo, sabia que essa fase pode ser vista
com um certo grau de normalidade nessa idade, mas a mãe entrou
em pânico, temia que o garoto se tornasse um ladrão no futuro
- afinal, é isso que ela vê o tempo todo onde mora",
conta José Emmanuel. "Investiguei a família e vi que
o garoto sentia uma imensa falta do pai, que trabalhava muito, e que o
seu referencial masculino eram os garotos mais velhos de sua vizinhança,
que, digamos, não eram o melhor exemplo para ele. Convenci a mãe
de que aquela situação exigia a presença paterna.
O pai arrumou um tempinho no trabalho e veio até aqui. Conversamos
e o orientei a qualificar o tempo livre que tivesse para dedicar ao filho.
A fase passou e a família não teve mais problemas desse
tipo com a criança."
Uma questão
de valores
A Fundação Gol de Letra tem capacidade para atender 240
crianças em sua unidade paulista, situada no bairro do Tremembé,
Zona Norte de São Paulo. Criada em 1998, por meio de uma iniciativa
dos ex-atletas Raí e Leonardo, a instituição atua
na área da educação, mas oferece aos jovens da comunidade
atividades de cultura, esporte e lazer. "A fundação
tem a missão de educar, mas não somente no que diz respeito
à educação de conteúdos e conhecimentos",
explica a gerente pedagógica, Mônica Zagallo. "O enfoque
de nosso trabalho está na educação de valores."
Para isso, a família é parte fundamental do processo. Seja
por meio de visitas periódicas às comunidades, seja nas
reuniões ou conversas - nas quais as crianças sempre estão
presentes, como parte de uma tentativa de atingir um nível de co-responsabilidade
na sua formação. "Não dá para educar
crianças e jovens se a gente não consegue ter um diálogo
e uma parceria com a família", conta Mônica. Entre os
casos mais freqüentes que surgem no dia-a-dia do trabalho, a pedagoga
cita famílias numerosas - "às vezes de nove filhos",
conta -, moradias pequenas, de dois ou três cômodos, e agressão
da parte dos pais. A situação, não raro, chega a
exigir o acionamento do Conselho Tutelar. "Certa vez tivemos de lidar
com o problema de um menino de 7 anos que tinha sido usado como moeda
de troca no tráfico - a mãe o tinha dado para pagar uma
dívida de drogas. O garoto acabou indo morar com a avó paterna,
mas ela era alcoólatra." Após passar sete meses em
um abrigo, o menino voltou a freqüentar a fundação.
"Hoje ele é outra criança", diz Mônica.
A pedagoga revela ainda que, para quem lida com a criança e o jovem
de perto, todo dia é possível sentir as melhoras.
Saúde
dos bebês
O Berçário Anjo da Guarda, mantido pela Fundação
Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga (Funsai), do bairro do Ipiranga,
Zona Sul da capital, criou em janeiro deste ano o Projeto Carinha de Anjo,
voltado especificamente para o cuidado de crianças de 0 a 3 anos,
e atende hoje a cerca de 50 delas. "A chegada da classe média
alta ao bairro do Ipiranga trouxe muitas mulheres das regiões periféricas,
como Heliópolis, por exemplo, para trabalhar como empregadas domésticas
nos apartamentos", explica João Luís Buarque de Gusmão,
1º vice-presidente da fundação. "O que gerou a
demanda no próprio bairro, não de moradores, mas sim de
pessoas que trabalham aqui." O berçário oferece atendimento
com uma equipe formada por profissionais da área de nutrição,
pediatria e assistência social - que faz plantão na unidade
duas vezes por semana, mas concentra o trabalho em visitas periódicas
às famílias, ponto de partida para a resolução
dos problemas. "No berçário é muito importante
o envolvimento da família com a criança", explica a
irmã Sandra Rizzoli, diretora do berçário. "Nós
tentamos ajudar indicando os serviços disponíveis à
comunidade conforme podemos detectá-los, como grupos de geração
de renda para as mães desempregadas, cursos de informática
no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial],
inclusão no Programa Viva Leite [programa da Prefeitura de São
Paulo que distribui leite para famílias de baixa renda que tenham
crianças de até 3 anos de idade], enfim, mecanismos
para auxiliar os pais na melhoria de condições." A
demanda, como sempre, é maior que a capacidade de atendimento.
Uma fila de 219 crianças espera vaga na unidade, mas a grande aposta
está mesmo na mudança que o trabalho de educação
pode proporcionar nas comunidades. "Percebemos que estamos fazendo
diferença quando vemos um aumento no envolvimento da família
no processo de crescimento e desenvolvimento da criança",
conta irmã Sandra. É sempre difícil estabelecer a
ordem dos motivos que levam a condições de desassistência,
mas, segundo a diretora, as drogas, o álcool e a depressão
muitas vezes aparecem num cenário de falta de cuidados que tocam
a higiene básica e a alimentação.

Reflexo do país
O Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar (Ciam) existe há 47
anos e atua, por meio de programas nas áreas da saúde, educação
e promoção social, na busca por fortalecer a consciência
acerca das novas formas de pensar a deficiência física e
mental, desenvolvendo ferramentas contra o preconceito. "Em nosso
trabalho diário encontramos reflexos da maioria dos problemas sociais
do Brasil", conta Andréa Man de Carvalho, coordenadora técnica
do Centro de Educação e Desenvolvimento (CED) do Ciam. "Flagramos
coisas como a ausência do Estado, a falta de políticas públicas
que visem ao bem comum e distribuição truncada de renda.
Por isso cabe a nós buscar formas e recursos para minimizar esses
problemas."
Segundo Andréa, o trabalho de superar o preconceito e buscar a
inclusão plena dos atendidos na sociedade é difícil,
mas os resultados aparecem - tanto na área da educação
quanto no próprio mercado de trabalho. "Os resultados são
colhidos e observados em nosso dia-a-dia, nas relações com
os alunos, com os profissionais, com as famílias e a comunidade."
Correção
Diferente do que foi publicado na matérria A olhos vistos, no mês
passado, o Ministério Público Democrático não
se encarrega de dar assessoria jurídica à população
em geral, mas sim tem o objetivo de difundir a defesa dos direitos humanos
na perspectiva da emancipação social de segmentos populares.
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ao início
veja boxe
Conta exclusão
Bons
exemplos
Cada
um faz a sua parte
Atividades
e programas permanentes do Sesc São Paulo contribuem para
o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida de crianças
e adolescentes
Assim como prevê
o decreto-lei que deu origem ao Serviço Social do Comércio,
em 1946 - que logo em seu artigo 1º deixava clara a missão
da instituição de "planejar e executar (...)
medidas que contribuam para o bem-estar e a melhoria do padrão
de vida dos comerciários e suas famílias (...)"
-, o Sesc São Paulo sempre demonstrou a preocupação
de atender, por meio de seus programas, a todas as faixas etárias
que compõem não só o contingente de seus usuários,
mas também toda a comunidade. No que diz respeito ao trabalho
com crianças e jovens, projetos como o Sesc Curumim, o Dança
Comunidade e o Mesa Brasil Sesc São Paulo são exemplos
dessa filosofia.
Criado em 1987, o Programa Integrado de Desenvolvimento Infantil
(Pidi), mais conhecido como Curumim, vem ao longo de seus quase
20 anos oferecendo atividades, nas mais variadas áreas, a
crianças de 7 a 12 anos, matriculadas no ensino fundamental.
Atualmente, o número de atendidos chega a cerca 3 mil nas
18 unidades do Sesc que oferecem o serviço em todo o estado.
Artes plásticas, cênicas, desenvolvimento corporal
e esportivo, literatura e educação ambiental são
alguns dos assuntos discutidos e vivenciados por meio de oficinas
e atividades em campo. "É interessante falar do Curumim
neste momento", comenta Maria Alice Oieno, gerente adjunta
da Gerência de Programas Sócio-Educativos do Sesc (GPSE).
"O programa possui uma equipe própria de instrutores
e coordenadores que está agora em pleno processo de reflexão
sobre a ação ao longo destes 20 anos. O objetivo é
justamente apurar o realinhamento de conceitos e práticas
para entrar em uma nova fase com energias renovadas e atualizadas."
Já o Dança Comunidade vem, desde maio de 2003, usando
a expressão corporal para ensinar cidadania. O programa,
realizado em parceria com a Escola de Reeducação do
Movimento, do coreógrafo Ivaldo Bertazzo, reuniu 41 jovens
da periferia paulistana, com idade acima de 13 anos, para um trabalho
de 32 horas semanais que inclui cursos de reeducação
do movimento e coordenação motora, aulas de canto,
percussão, ritmo, história da dança e, também,
lingüística e saúde. Há ainda uma estrutura
de apoio que oferece atendimento médico, social, pedagógico,
psicológico, alimentar, ajuda de custo para o transporte
e bolsas de estudo. O objetivo principal é ampliar as possibilidades
dos jovens, tanto do ponto de vista pessoal e socioeducativo quanto
de sua futura profissionalização. "É preciso
deixar claro que o importante é construir um modelo no qual
a auto-estima, termo que se usa muito hoje em dia, fique muito bem
entendida", afirma Bertazzo. "E auto-estima se traduz
na capacidade de ir vencendo etapas, é uma luta em direção
ao conhecimento." O Dança Comunidade gerou, em 2004,
o espetáculo Samwaad - Rua do Encontro (foto) - visto
por mais de 80 mil pessoas no Brasil, França e Holanda -
e, no ano passado, um segundo trabalho, Milágrimas,
que teve 50 mil espectadores no Brasil.
Presente
também na área de combate à fome e ao desperdício
de alimentos, o Sesc criou, em 1994, o programa Mesa São
Paulo - hoje intitulado Mesa Brasil Sesc São Paulo, por estar
ligado a outras iniciativas de mesma natureza realizadas por departamentos
regionais da instituição em outros estados do Brasil.
O programa faz uma ponte entre empresas e supermercados que têm
alimentos que perderam seu valor comercial - mas não o nutricional
- e que por isso, em vez de ser destinados ao lixo, vão para
instituições que precisam desse excedente. "O
Sesc considera que uma ação social é efetiva
quando promove a autonomia das pessoas, semeia a solidariedade e
incentiva ações de interação e participação",
afirma Estanislau Silva Salles, responsável pela GPSE. Além
de levar alimentos, o programa difunde noções de segurança
alimentar e de como evitar o desperdício. Atualmente, o Mesa
Brasil Sesc São Paulo tem como parceiras cerca de 620 empresas,
atende a 625 instituições - que beneficiam não
somente crianças e adolescentes, mas também o público
adulto - e distribui 310 toneladas de alimentos por mês. Em
todo o país, esses números pulam para 3.328 empresas
associadas, 4.676 instituições atendidas e 1.625 toneladas
de alimentos distribuídas mensalmente.
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Contra
a exclusão
Seminário
realizado no Sesc Pinheiros discute a importância de investir
em políticas específicas para atender à primeira
infância
A Fundação
Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente promoveu,
com parceria institucional do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef) e da Organização Pan-Americana
da Saúde (Opas), o Seminário América Latina
e Caribe: A Primeira Infância Vem Primeiro, realizado no Sesc
Pinheiros durante os dias 6, 7 e 8 de novembro. Nas mesas que compuseram
o evento, professores, pesquisadores e representantes de instituições
atuantes na área se reuniram para discutir conceitos e políticas
públicas em prol do esclarecimento e da atenção
à primeira infância, idade que vai de 0 a 6 anos -
que, segundo os participantes, representa um período crucial
na formação da criança. O objetivo foi refletir
acerca da realidade dessa faixa etária na América
Latina e no Caribe e a necessidade de investimento por parte de
governos e sociedade, como estratégia para romper o ciclo
de exclusão do qual muitas crianças são vítimas.
Estavam presentes pesquisadores do assunto no Brasil - como o professor
Vital Didonet, especialista em educação infantil e
vice-presidente do braço nacional da Organização
Mundial para Educação Pré-Escolar (Omep) -
e de outros países - como a doutora em antropologia Emily
Vargas Baron, dos Estados Unidos, diretora do Institute of Reconstruction
and International Security through Education (The Rise Institute)
[título que pode ser traduzido como Instituto de Segurança
Internacional e Reconstrução através da Educação].
Entre os temas abordados, a importância do papel da família
na formação do indivíduo desde os primeiros
anos de vida e a atuação do terceiro setor - organizações
não governamentais (ONGs), fundações e demais
instituições que "vão aonde os governos
muitas vezes não chegam", de acordo com o professor
Didonet.
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Bons
exemplos
Dois
jovens que foram atendidos por instituições atuantes
na área social encontraram formas de garantir o futuro
Eles trabalham,
são integrados à família e fazem planos para
o futuro. Essa história não teria nada de excepcional,
não fosse o fato de que tiveram uma infância difícil,
que poderia ter comprometido seu desenvolvimento. Tony Marlon (foto),
hoje com 21 anos, e Flávia Botigeli de Agostinho (foto),
com 33, são exemplos de que investir na criança e
no jovem é certeza de um retorno que vai muito além
do aspecto financeiro.
Tony, desde criança, tem um sonho: tornar-se radialista.
Era sua brincadeira favorita. Porém, mesmo contando sempre
com o apoio do pai, zelador, e da mãe, dona-de-casa, as dificuldades
de acesso a uma educação de qualidade, que lhe garantisse
ingressar no ensino superior, ameaçavam esse objetivo. "O
ensino público no Brasil é muito ruim", conta
o rapaz. "É até vergonhoso dizer isso, mas entrei
na faculdade sem saber o que era ditadura militar. Ninguém
me ensinou." Em 2002, com 17 anos, Tony ficou sabendo do trabalho
do Projeto Arrastão, organização que atua na
área da promoção cultural, educacional e social.
A porta de entrada foi um curso de gastronomia, mas não demorou
até que o rapaz conseguisse chegar ao laboratório
multimídia do local. Daí em diante, as oportunidades
e seu talento e obstinação fizeram - ou, melhor, estão
fazendo - o resto. "O Projeto Arrastão fez muito por
mim, inclusive me indicou para o Programa Virada de Futuro, da Fundação
Abrinq, que banca uma formação superior para o jovem",
afirma. "E, depois de muitos testes, eu passei, fui um dos
sete escolhidos em todo o estado. A partir daí, em 2004,
a Abrinq começou a pagar minha faculdade de jornalismo."
Com relação à profissão almejada, o
rapaz também está dando os primeiros passos. "Junto
com meus amigos da faculdade, participo de um programa na Rádio
Voz Ativa FM, chamado Sexta Alternativa, no qual damos dicas
de atividades culturais gratuitas ou mais baratas, e já fiz
um estágio na Rádio Jovem Pan, foi uma emoção
entrar no estúdio."
A
balconista Flávia Botigeli de Agostinho trabalha há
seis anos num café dentro de uma concessionária da
Honda. Ela diz "adorar" o emprego e ainda divide seu tempo
entre a família e a atividade física de que mais gosta,
a hidroginástica. Mas a história poderia ser um pouco
diferente. Portadora de síndrome de Down, Flávia teve
muitas dificuldades para estudar, pois seus pais enfrentaram problemas
para encontrar uma escola preparada para a formação
escolar da jovem. A mãe, Maria Lúcia, de 60 anos,
lembra a época: "Mesmo os estabelecimentos particulares
não ofereciam naquela época, há mais de 20
anos, as condições adequadas". Na tentativa de
que a formação da garota não fosse comprometida
em função de sua condição, a família
entrou em contato com o Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar
(Ciam), que, entre outros trabalhos, trabalha com crianças
portadoras de deficiência mental. Na instituição,
Flávia concluiu seus estudos e ainda teve acesso ao apoio
necessário para que desenvolvesse sua autonomia. Por meio
do Ciam, também, Flávia conseguiu o emprego onde está
até hoje e ainda aprendeu o ofício do tear, seu hobby
favorito. "Eu saio até hoje com alguns alunos de
lá", conta a jovem. "A gente vai a festas, ao shopping,
fazemos um monte de coisas." Flávia é tímida,
mas se empolga ao falar do trabalho. "Eu tenho dois chefes",
conta. "O chefão e o chefinho [respectivamente o
dono da concessionária e o gerente]. Fiquei muito triste
quando o chefão mandou embora um vendedor que era meu amigo."
Mesmo com medo de avião, Flávia não resistiu
ao convite da irmã para ir conhecer a sobrinha que deve nascer
neste mês lá na Austrália. "Já fiz
até uma manta para ela no meu tear."
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