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Sociedade

Postado em 05/12/2006

REVISTA E Dezembro - 2006

 

 

 

Iniciativas e instituições que trabalham na promoção da cultura, saúde e educação ajudam crianças e jovens a garantir um futuro melhor

 

Quando se fala em crianças em situação de risco, a rede de motivos se alastra e toca em questões que vão de condições socioeconômicas insuficientes para garantir a formação adequada até a violência doméstica, passando por famílias disfuncionais - ausência do pai, da mãe ou, em muitos casos, dos dois - e casos de alcoolismo e drogas no núcleo familiar. O trabalho infantil aparece nas pesquisas com números que comprovam esse quadro. Segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e publicada em 2000, dos cerca de 17 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 10 a 14 anos no Brasil pesquisados em 1999, 1,4% estão fora da escola e exercem algum tipo de atividade profissional. A Região Nordeste do país apresenta-se com os maiores números: 2,2% de 5,7 milhões. A renda per capita das famílias também surge como um dos fatores. A PNAD feita pelo IBGE mostra que, dos 8 milhões de famílias pesquisadas, 39% possuem renda per capita de até meio salário mínimo (350 reais hoje). Já os casos de agressões cometidas contra a criança - muitas vezes dentro de casa - chegam a 200 mil, como informa o livro Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros, de 2005, editado pela Secretaria de Vigilância da Saúde, órgão do Ministério da Saúde. Segundo a publicação, em 80% das ocorrências o agressor é um parente ou um conhecido.



"Trabalhar por um presente e futuro melhores para a criança significa lutar por uma sociedade mais democrática, igualitária e não discriminatória", escreve a representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Marie-Pierre Poirier, na apresentação da edição de 2006 do anuário Situação da Infância no Brasil, editado pelo órgão. "Além disso, o Brasil tem outros desafios", explica Marie-Pierre. "Como a universalização do direito ao registro civil de nascimento e a oferta de pré-natal e parto de qualidade para as gestantes. Medidas fundamentais para garantir a cidadania e os direitos do recém-nascido." Segundo ela, a cada ano aproximadamente 750 mil crianças, mais de um quinto do total de recém-nascidos, completam o primeiro ano de vida sem ser registradas. "Sem o registro civil, a criança não existe perante o Estado e não pode usufruir uma série de serviços e benefícios garantidos por lei."
Considerado um divisor de águas no que diz respeito à garantia dos direitos das crianças e dos jovens, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado em 13 de julho de 1990, por meio da Lei nº 8.069, que "dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente". No entanto, mesmo significando uma importante mudança no modo como governo e sociedade enxergam a população menor de 21 anos, ações concretas ainda somam números insuficientes. Mesmo assim, há os que "arregaçaram as mangas" para tentar mudar a situação, e entre eles estão instituições e iniciativas pessoais - como o trabalho voluntário. A reportagem separou quatro dessas organizações que jogam no time das "pessoas do bem". É um número pequeno, é verdade, mas os trabalhos fazem toda a diferença na vida das crianças e dos jovens atendidos.(veja boxe Cada um faz a sua parte)



Educação infantil
Criado em 1968, o Projeto Arrastão atua na região do Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, com ações nas áreas de educação, cultura e promoção social. Hoje o projeto atende cerca de 1.100 crianças e adolescentes. "No cotidiano desse trabalho, nos deparamos com tantos casos complicados que nosso cuidado acaba sendo não se 'acostumar' com essa realidade, não achá-la normal", conta Maria Aparecida Baldin, responsável pela área de formação de jovens. O coordenador pedagógico da instituição, José Emmanuel Fontes, conta que o que mais impressiona no comportamento das crianças, especialmente das pequenas, é o grau de consciência que elas têm das condições em que vivem. "A criança muitas vezes não chega aqui rebelde, mas sim com um nível de consciência até excessivo", conta Fontes. Um dos exemplos mais marcantes, segundo os coordenadores, foi o de uma menina que chorava muito no primeiro dia em que lá foi deixada pela mãe. As tentativas de acalmar a criança seguiram sem sucesso até que... "Eu decidi, com jeitinho, dizer a verdade a ela", lembra Maria Aparecida. "Cheguei para a menina e disse: 'Olha, a mamãe precisa trabalhar e você precisa ficar bem-cuidada'. Quando eu disse a palavra 'trabalhar', a menina me respondeu: 'Tá bom'. Enxugou as lágrimas e simplesmente entrou." A tarefa, segundo os coordenadores, é árdua. Mas, em 38 anos de instituição, já são muitos os exemplos de que vale a pena continuar. "Houve um garoto, de uns 7 anos, que estava realizando pequenos furtos, aqui e na escola. Como sou psicólogo, sabia que essa fase pode ser vista com um certo grau de normalidade nessa idade, mas a mãe entrou em pânico, temia que o garoto se tornasse um ladrão no futuro - afinal, é isso que ela vê o tempo todo onde mora", conta José Emmanuel. "Investiguei a família e vi que o garoto sentia uma imensa falta do pai, que trabalhava muito, e que o seu referencial masculino eram os garotos mais velhos de sua vizinhança, que, digamos, não eram o melhor exemplo para ele. Convenci a mãe de que aquela situação exigia a presença paterna. O pai arrumou um tempinho no trabalho e veio até aqui. Conversamos e o orientei a qualificar o tempo livre que tivesse para dedicar ao filho. A fase passou e a família não teve mais problemas desse tipo com a criança."


Uma questão de valores
A Fundação Gol de Letra tem capacidade para atender 240 crianças em sua unidade paulista, situada no bairro do Tremembé, Zona Norte de São Paulo. Criada em 1998, por meio de uma iniciativa dos ex-atletas Raí e Leonardo, a instituição atua na área da educação, mas oferece aos jovens da comunidade atividades de cultura, esporte e lazer. "A fundação tem a missão de educar, mas não somente no que diz respeito à educação de conteúdos e conhecimentos", explica a gerente pedagógica, Mônica Zagallo. "O enfoque de nosso trabalho está na educação de valores." Para isso, a família é parte fundamental do processo. Seja por meio de visitas periódicas às comunidades, seja nas reuniões ou conversas - nas quais as crianças sempre estão presentes, como parte de uma tentativa de atingir um nível de co-responsabilidade na sua formação. "Não dá para educar crianças e jovens se a gente não consegue ter um diálogo e uma parceria com a família", conta Mônica. Entre os casos mais freqüentes que surgem no dia-a-dia do trabalho, a pedagoga cita famílias numerosas - "às vezes de nove filhos", conta -, moradias pequenas, de dois ou três cômodos, e agressão da parte dos pais. A situação, não raro, chega a exigir o acionamento do Conselho Tutelar. "Certa vez tivemos de lidar com o problema de um menino de 7 anos que tinha sido usado como moeda de troca no tráfico - a mãe o tinha dado para pagar uma dívida de drogas. O garoto acabou indo morar com a avó paterna, mas ela era alcoólatra." Após passar sete meses em um abrigo, o menino voltou a freqüentar a fundação. "Hoje ele é outra criança", diz Mônica. A pedagoga revela ainda que, para quem lida com a criança e o jovem de perto, todo dia é possível sentir as melhoras.


Saúde dos bebês
O Berçário Anjo da Guarda, mantido pela Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga (Funsai), do bairro do Ipiranga, Zona Sul da capital, criou em janeiro deste ano o Projeto Carinha de Anjo, voltado especificamente para o cuidado de crianças de 0 a 3 anos, e atende hoje a cerca de 50 delas. "A chegada da classe média alta ao bairro do Ipiranga trouxe muitas mulheres das regiões periféricas, como Heliópolis, por exemplo, para trabalhar como empregadas domésticas nos apartamentos", explica João Luís Buarque de Gusmão, 1º vice-presidente da fundação. "O que gerou a demanda no próprio bairro, não de moradores, mas sim de pessoas que trabalham aqui." O berçário oferece atendimento com uma equipe formada por profissionais da área de nutrição, pediatria e assistência social - que faz plantão na unidade duas vezes por semana, mas concentra o trabalho em visitas periódicas às famílias, ponto de partida para a resolução dos problemas. "No berçário é muito importante o envolvimento da família com a criança", explica a irmã Sandra Rizzoli, diretora do berçário. "Nós tentamos ajudar indicando os serviços disponíveis à comunidade conforme podemos detectá-los, como grupos de geração de renda para as mães desempregadas, cursos de informática no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], inclusão no Programa Viva Leite [programa da Prefeitura de São Paulo que distribui leite para famílias de baixa renda que tenham crianças de até 3 anos de idade], enfim, mecanismos para auxiliar os pais na melhoria de condições." A demanda, como sempre, é maior que a capacidade de atendimento. Uma fila de 219 crianças espera vaga na unidade, mas a grande aposta está mesmo na mudança que o trabalho de educação pode proporcionar nas comunidades. "Percebemos que estamos fazendo diferença quando vemos um aumento no envolvimento da família no processo de crescimento e desenvolvimento da criança", conta irmã Sandra. É sempre difícil estabelecer a ordem dos motivos que levam a condições de desassistência, mas, segundo a diretora, as drogas, o álcool e a depressão muitas vezes aparecem num cenário de falta de cuidados que tocam a higiene básica e a alimentação.




 

Reflexo do país
O Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar (Ciam) existe há 47 anos e atua, por meio de programas nas áreas da saúde, educação e promoção social, na busca por fortalecer a consciência acerca das novas formas de pensar a deficiência física e mental, desenvolvendo ferramentas contra o preconceito. "Em nosso trabalho diário encontramos reflexos da maioria dos problemas sociais do Brasil", conta Andréa Man de Carvalho, coordenadora técnica do Centro de Educação e Desenvolvimento (CED) do Ciam. "Flagramos coisas como a ausência do Estado, a falta de políticas públicas que visem ao bem comum e distribuição truncada de renda. Por isso cabe a nós buscar formas e recursos para minimizar esses problemas."



Segundo Andréa, o trabalho de superar o preconceito e buscar a inclusão plena dos atendidos na sociedade é difícil, mas os resultados aparecem - tanto na área da educação quanto no próprio mercado de trabalho. "Os resultados são colhidos e observados em nosso dia-a-dia, nas relações com os alunos, com os profissionais, com as famílias e a comunidade."

 

Correção
Diferente do que foi publicado na matérria A olhos vistos, no mês passado, o Ministério Público Democrático não se encarrega de dar assessoria jurídica à população em geral, mas sim tem o objetivo de difundir a defesa dos direitos humanos na perspectiva da emancipação social de segmentos populares.

 

 

 

 

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Conta exclusão

Bons exemplos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

Cada um faz a sua parte

 

Atividades e programas permanentes do Sesc São Paulo contribuem para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes

 

Assim como prevê o decreto-lei que deu origem ao Serviço Social do Comércio, em 1946 - que logo em seu artigo 1º deixava clara a missão da instituição de "planejar e executar (...) medidas que contribuam para o bem-estar e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias (...)" -, o Sesc São Paulo sempre demonstrou a preocupação de atender, por meio de seus programas, a todas as faixas etárias que compõem não só o contingente de seus usuários, mas também toda a comunidade. No que diz respeito ao trabalho com crianças e jovens, projetos como o Sesc Curumim, o Dança Comunidade e o Mesa Brasil Sesc São Paulo são exemplos dessa filosofia.




Criado em 1987, o Programa Integrado de Desenvolvimento Infantil (Pidi), mais conhecido como Curumim, vem ao longo de seus quase 20 anos oferecendo atividades, nas mais variadas áreas, a crianças de 7 a 12 anos, matriculadas no ensino fundamental. Atualmente, o número de atendidos chega a cerca 3 mil nas 18 unidades do Sesc que oferecem o serviço em todo o estado. Artes plásticas, cênicas, desenvolvimento corporal e esportivo, literatura e educação ambiental são alguns dos assuntos discutidos e vivenciados por meio de oficinas e atividades em campo. "É interessante falar do Curumim neste momento", comenta Maria Alice Oieno, gerente adjunta da Gerência de Programas Sócio-Educativos do Sesc (GPSE). "O programa possui uma equipe própria de instrutores e coordenadores que está agora em pleno processo de reflexão sobre a ação ao longo destes 20 anos. O objetivo é justamente apurar o realinhamento de conceitos e práticas para entrar em uma nova fase com energias renovadas e atualizadas."



Já o Dança Comunidade vem, desde maio de 2003, usando a expressão corporal para ensinar cidadania. O programa, realizado em parceria com a Escola de Reeducação do Movimento, do coreógrafo Ivaldo Bertazzo, reuniu 41 jovens da periferia paulistana, com idade acima de 13 anos, para um trabalho de 32 horas semanais que inclui cursos de reeducação do movimento e coordenação motora, aulas de canto, percussão, ritmo, história da dança e, também, lingüística e saúde. Há ainda uma estrutura de apoio que oferece atendimento médico, social, pedagógico, psicológico, alimentar, ajuda de custo para o transporte e bolsas de estudo. O objetivo principal é ampliar as possibilidades dos jovens, tanto do ponto de vista pessoal e socioeducativo quanto de sua futura profissionalização. "É preciso deixar claro que o importante é construir um modelo no qual a auto-estima, termo que se usa muito hoje em dia, fique muito bem entendida", afirma Bertazzo. "E auto-estima se traduz na capacidade de ir vencendo etapas, é uma luta em direção ao conhecimento." O Dança Comunidade gerou, em 2004, o espetáculo Samwaad - Rua do Encontro (foto) - visto por mais de 80 mil pessoas no Brasil, França e Holanda - e, no ano passado, um segundo trabalho, Milágrimas, que teve 50 mil espectadores no Brasil.




Presente também na área de combate à fome e ao desperdício de alimentos, o Sesc criou, em 1994, o programa Mesa São Paulo - hoje intitulado Mesa Brasil Sesc São Paulo, por estar ligado a outras iniciativas de mesma natureza realizadas por departamentos regionais da instituição em outros estados do Brasil. O programa faz uma ponte entre empresas e supermercados que têm alimentos que perderam seu valor comercial - mas não o nutricional - e que por isso, em vez de ser destinados ao lixo, vão para instituições que precisam desse excedente. "O Sesc considera que uma ação social é efetiva quando promove a autonomia das pessoas, semeia a solidariedade e incentiva ações de interação e participação", afirma Estanislau Silva Salles, responsável pela GPSE. Além de levar alimentos, o programa difunde noções de segurança alimentar e de como evitar o desperdício. Atualmente, o Mesa Brasil Sesc São Paulo tem como parceiras cerca de 620 empresas, atende a 625 instituições - que beneficiam não somente crianças e adolescentes, mas também o público adulto - e distribui 310 toneladas de alimentos por mês. Em todo o país, esses números pulam para 3.328 empresas associadas, 4.676 instituições atendidas e 1.625 toneladas de alimentos distribuídas mensalmente.

 

 

 

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Contra a exclusão

 

Seminário realizado no Sesc Pinheiros discute a importância de investir em políticas específicas para atender à primeira infância

 

A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente promoveu, com parceria institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Seminário América Latina e Caribe: A Primeira Infância Vem Primeiro, realizado no Sesc Pinheiros durante os dias 6, 7 e 8 de novembro. Nas mesas que compuseram o evento, professores, pesquisadores e representantes de instituições atuantes na área se reuniram para discutir conceitos e políticas públicas em prol do esclarecimento e da atenção à primeira infância, idade que vai de 0 a 6 anos - que, segundo os participantes, representa um período crucial na formação da criança. O objetivo foi refletir acerca da realidade dessa faixa etária na América Latina e no Caribe e a necessidade de investimento por parte de governos e sociedade, como estratégia para romper o ciclo de exclusão do qual muitas crianças são vítimas. Estavam presentes pesquisadores do assunto no Brasil - como o professor Vital Didonet, especialista em educação infantil e vice-presidente do braço nacional da Organização Mundial para Educação Pré-Escolar (Omep) - e de outros países - como a doutora em antropologia Emily Vargas Baron, dos Estados Unidos, diretora do Institute of Reconstruction and International Security through Education (The Rise Institute) [título que pode ser traduzido como Instituto de Segurança Internacional e Reconstrução através da Educação]. Entre os temas abordados, a importância do papel da família na formação do indivíduo desde os primeiros anos de vida e a atuação do terceiro setor - organizações não governamentais (ONGs), fundações e demais instituições que "vão aonde os governos muitas vezes não chegam", de acordo com o professor Didonet.

 

 

 

 

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Bons exemplos

 


Dois jovens que foram atendidos por instituições atuantes na área social encontraram formas de garantir o futuro

 

 

Eles trabalham, são integrados à família e fazem planos para o futuro. Essa história não teria nada de excepcional, não fosse o fato de que tiveram uma infância difícil, que poderia ter comprometido seu desenvolvimento. Tony Marlon (foto), hoje com 21 anos, e Flávia Botigeli de Agostinho (foto), com 33, são exemplos de que investir na criança e no jovem é certeza de um retorno que vai muito além do aspecto financeiro.



Tony, desde criança, tem um sonho: tornar-se radialista. Era sua brincadeira favorita. Porém, mesmo contando sempre com o apoio do pai, zelador, e da mãe, dona-de-casa, as dificuldades de acesso a uma educação de qualidade, que lhe garantisse ingressar no ensino superior, ameaçavam esse objetivo. "O ensino público no Brasil é muito ruim", conta o rapaz. "É até vergonhoso dizer isso, mas entrei na faculdade sem saber o que era ditadura militar. Ninguém me ensinou." Em 2002, com 17 anos, Tony ficou sabendo do trabalho do Projeto Arrastão, organização que atua na área da promoção cultural, educacional e social. A porta de entrada foi um curso de gastronomia, mas não demorou até que o rapaz conseguisse chegar ao laboratório multimídia do local. Daí em diante, as oportunidades e seu talento e obstinação fizeram - ou, melhor, estão fazendo - o resto. "O Projeto Arrastão fez muito por mim, inclusive me indicou para o Programa Virada de Futuro, da Fundação Abrinq, que banca uma formação superior para o jovem", afirma. "E, depois de muitos testes, eu passei, fui um dos sete escolhidos em todo o estado. A partir daí, em 2004, a Abrinq começou a pagar minha faculdade de jornalismo." Com relação à profissão almejada, o rapaz também está dando os primeiros passos. "Junto com meus amigos da faculdade, participo de um programa na Rádio Voz Ativa FM, chamado Sexta Alternativa, no qual damos dicas de atividades culturais gratuitas ou mais baratas, e já fiz um estágio na Rádio Jovem Pan, foi uma emoção entrar no estúdio."




A balconista Flávia Botigeli de Agostinho trabalha há seis anos num café dentro de uma concessionária da Honda. Ela diz "adorar" o emprego e ainda divide seu tempo entre a família e a atividade física de que mais gosta, a hidroginástica. Mas a história poderia ser um pouco diferente. Portadora de síndrome de Down, Flávia teve muitas dificuldades para estudar, pois seus pais enfrentaram problemas para encontrar uma escola preparada para a formação escolar da jovem. A mãe, Maria Lúcia, de 60 anos, lembra a época: "Mesmo os estabelecimentos particulares não ofereciam naquela época, há mais de 20 anos, as condições adequadas". Na tentativa de que a formação da garota não fosse comprometida em função de sua condição, a família entrou em contato com o Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar (Ciam), que, entre outros trabalhos, trabalha com crianças portadoras de deficiência mental. Na instituição, Flávia concluiu seus estudos e ainda teve acesso ao apoio necessário para que desenvolvesse sua autonomia. Por meio do Ciam, também, Flávia conseguiu o emprego onde está até hoje e ainda aprendeu o ofício do tear, seu hobby favorito. "Eu saio até hoje com alguns alunos de lá", conta a jovem. "A gente vai a festas, ao shopping, fazemos um monte de coisas." Flávia é tímida, mas se empolga ao falar do trabalho. "Eu tenho dois chefes", conta. "O chefão e o chefinho [respectivamente o dono da concessionária e o gerente]. Fiquei muito triste quando o chefão mandou embora um vendedor que era meu amigo." Mesmo com medo de avião, Flávia não resistiu ao convite da irmã para ir conhecer a sobrinha que deve nascer neste mês lá na Austrália. "Já fiz até uma manta para ela no meu tear."

 

 

 

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