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Diamante baiano

Postado em 09/05/2006

Chapada Diamantina atrai visitantes do mundo inteiro

HERBERT CARVALHO


A estrada vista do alto: ao longe, o sertão
Foto: Ana Sílvia de Almeida

Seca, miséria e desolação fazem parte da imagem que costuma vir à mente quando se menciona a palavra sertão, não por acaso derivada de "desertão". Há, porém, em pleno sertão da Bahia, no centro geográfico do estado, um extenso planalto, com altitude média entre 800 e mil metros, repleto de rios, lagos e cachoeiras, que constitui uma autêntica ilha de verde, cercada de caatinga por todos os lados.

É o prolongamento baiano da cadeia do Espinhaço, que, embora também tenha tido seu ciclo do ouro ao norte, na cidade de Jacobina, e ao sul, em Rio de Contas, ganhou seu nome – chapada Diamantina – na metade do século 19, quando jazidas de diamantes foram descobertas em Andaraí, Mucugê, Palmeiras e Lençóis.

Localizados na serra do Sincorá (uma das cinco em que se divide geograficamente a chapada Diamantina, situada em sua porção centro-leste), esses municípios constituíram as Lavras Diamantinas e são os mesmos que hoje integram o Parque Nacional da Chapada Diamantina (criado em 1985), com área de 1.520 quilômetros quadrados e que atrai ecoturistas do mundo todo, dispostos à prática de esportes radicais ou simplesmente interessados em admirar maravilhas como a cachoeira da Fumaça, a maior queda livre do país.

Distante 420 quilômetros de Salvador, a cidade de Lençóis, que chegou a ser a terceira maior da Bahia no auge do período minerador, é a porta de entrada e ponto de apoio logístico para a visita a esse paraíso ecológico heterogêneo, marcado pela diversidade: alterna morros de formatos exóticos, como o do Camelo, com vales profundos, como o do Pati e o do Capão, matas frondosas e brejos com campos rupestres adornados por orquídeas e bromélias, cachoeiras e grutas, que podem despertar o espírito de aventura em caminhadas guiadas de vários dias ou o simples êxtase da contemplação da natureza no alto do morro do Pai Inácio ou nas entranhas do poço Encantado.

A chapada Diamantina, em resumo, é um mosaico do Brasil, mesclando características de relevo, flora e fauna de ecossistemas tão diferentes como a caatinga, o cerrado, a Mata Atlântica e até o pantanal, incluindo amazônicas vitórias-régias. É um tesouro pouco conhecido que está sendo desfrutado mais por estrangeiros – maioria no fluxo de turistas – do que por brasileiros. Estes, entretanto, sobretudo os baianos, se beneficiam das divisas que irrigam a economia da região, oferecendo a redenção a uma população relegada ao abandono desde a decadência do garimpo. Mas, para que o desenvolvimento se sustente, perigos devem ser evitados, e o maior deles são os incêndios provocados intencionalmente.

Para todos os gostos

Lençóis conta com um belo conjunto arquitetônico colonial, reconhecido como monumento histórico nacional e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1973. Na Praça Coronel Horácio de Matos – chefe sertanejo local que nos anos 1920 enfrentou e perseguiu, a pedido do presidente Arthur Bernardes, a Coluna Prestes em sua passagem pela chapada – observa-se, entre outros, o curioso prédio de três andares que abrigou o vice-consulado francês, testemunho de uma época, segunda metade do século 19, em que franceses, ingleses e alemães disputavam a primazia na compra dos diamantes. Um pouco mais acima, na praça do coreto, está o casarão da antiga prefeitura, hoje museu.

A culinária da cidade é uma atração à parte e se divide em duas vertentes: a primeira se destina a agradar os turistas estrangeiros e do sul do país, com pizzas, grelhados e até pratos da gastronomia francesa; a segunda alterna iguarias locais, como o godó de banana, o cortado de palma e a carne de bode, com outras de origem mineira: galinha ao molho pardo, quibebe (feito de abóbora) e diversas modalidades de feijão de garimpeiro.

São muitas, aliás, as evidências de que a chapada Diamantina foi ocupada em parte pelos baianos vindos do Recôncavo, mas também, e em larga escala, pelos experientes garimpeiros de Minas Gerais, os primeiros a descobrir e explorar as lavras de diamantes na Bahia. O nome da atração turística mais popular de Lençóis, por exemplo, é Serrano, onde trabalhavam os garimpeiros mineiros conhecidos como "serrânios".

Ali, no trecho em que o rio Lençóis deixa as montanhas e desce por um leito de pedra em direção à cidade, ficam os "caldeirões", piscinas naturais cavadas na rocha em formato de bacias redondas, por onde a água gira em redemoinhos, dando ao banhista a deliciosa sensação de estar numa banheira de hidromassagem. A cor escura, semelhante à do chá preto, não deve impressionar: a água é absolutamente limpa (como acontece em todos os rios da serra do Sincorá) e a tonalidade se deve à matéria orgânica que nela se dissolve, como restos de folhas, galhos, troncos e raízes.

O Serrano fica a 15 minutos do centro e pode ser facilmente localizado, mas para visitar as atrações em suas imediações é recomendável contratar um guia. É o caso do Salão das Areias Coloridas, conjunto de pequenas grutas formadas por enormes pedras que a natureza empilhou em posições diversas, deixando vãos livres de até 30 metros. O lugar fornece a matéria-prima para as famosas garrafas de areia artesanais e também já foi cenário de telenovela. Completam o passeio ao longo do rio Lençóis a Cachoeirinha, a cachoeira Primavera e o poço Halley, ideais para banhos de água fria, e o Mirante, de onde se tem uma bela vista da cidade.

Duas outras caminhadas, de curta e média duração, podem ser feitas em direção a outro rio que corta Lençóis, o Ribeirão. Na primeira opção, leva-se uma hora para chegar ao Ribeirão do Meio, balneário que oferece um tobogã natural para escorregar na superfície polida da pedra. Na segunda – a cachoeira do Sossego – é recomendável, além do guia e dos indispensáveis tênis (calçado ideal para as trilhas da chapada), providenciar lanches e apressar a volta, para evitar fazer no escuro a trilha de mais de três horas, que inclui um canyon alto e estreito.

A última aventura a ser feita a pé, partindo do centro de Lençóis, é a visita à gruta do Lapão, a maior em pedra de quartzo do Brasil, cavada pelo rio do mesmo nome, que ainda corre no seu interior ou subsolo. Trata-se de um autêntico túnel dentro da serra, a ser percorrido com lanterna até a majestosa saída de 30 metros, na qual o grupo Nativos da Chapada, entre outros, pratica o rapel (descida vertical de escarpas entre 15 e 50 metros, com o auxílio de cordas) e o cave jump (salto na boca da caverna, preso a uma corda, variação do bungee-jump, em que se utilizam a mesma técnica e equipamento).

O Pai Inácio

Depois de explorar a cidade de Lençóis e o que ela oferece ao alcance do pé, está na hora de o ecoturista conhecer as principais atrações que celebrizaram a chapada Diamantina, e que requerem carros ou utilitários. O roteiro número 1 oferecido pelas agências é uma maratona de quatro destinos – poço do Diabo, morro do Pai Inácio, balneário da Pratinha e gruta da Lapa Doce –, que podem ser mais bem desfrutados na razão de dois por dia, embora isso demande um passeio personalizado, que custará mais caro ou terá de ser feito em carro próprio ou alugado.

A primeira parada é no km 225 da BR-242, onde outro rio, dessa vez o Mucugezinho, passa a poucas centenas de metros da estrada. O nome Mucugê, que batiza o rio e também a cidade a 150 km de Lençóis, vem do de uma fruta comestível nativa cuja árvore só cresce às margens dos rios da serra, em altitudes acima de 600 metros.

O balneário do Mucugezinho é o mais freqüentado pelos habitantes das cidades próximas e costuma lotar nos finais de semana. Primeiro há uma piscina natural, com cachoeira e escorrega. A seu lado funciona um bar dentro de uma antiga "toca" de garimpeiro – casas de pedra construídas em locas naturais, que se espalham por todo o parque nacional e são também utilizadas para dormir, nas caminhadas de mais de um dia. Um quilômetro rio abaixo está o grande poço do Diabo, que oferece como opção, além do banho, a possibilidade de descer o paredão que o forma de rapel ou tirolesa (modalidade em que se desliza entre um paredão e uma lagoa, preso por um gancho a uma corda).

Seguindo pela BR-242 em direção a Brasília chega-se ao morro do Pai Inácio – um dos cartões-postais da chapada –, localizado no km 231. O nome se deve a uma lenda sobre um escravo fugitivo que, encurralado no topo, preferiu o salto para a morte à vida no cativeiro. Em uma variante mais otimista, o escravo não morre e sim escapa, usando um guarda-chuva como pára-quedas.

Uma estrada asfaltada (construída para facilitar o acesso à torre de retransmissão de televisão ali instalada) permite que se chegue bem perto do pico, 1.150 metros acima do nível do mar. Apenas os últimos 300 metros são de trilha íngreme, que demanda em torno de meia hora para subir. Tombado pelo Iphan como patrimônio nacional em 2000, o morro do Pai Inácio tem o acesso controlado por organizações não-governamentais.

De cima, a vista é espetacular, não apenas da serra do Sincorá mas também de suas vizinhas, as serras da Bacia e da Chapadinha. À esquerda está o morro do Camelo, com seu formato único, embora para vê-lo como o nome indica seja necessário observá-lo de outra perspectiva. À direita, o castelo de pedra conhecido como Morrão, que ao lado do Camelo e do Pai Inácio forma a tríade das elevações mais bonitas da chapada. Entre eles, vales, em meio aos quais serpenteia, como um cordão sem ponta pelo chão desenrolado, a BR-242 em direção a Salvador.

É também do alto do Pai Inácio que se pode compreender melhor o trabalho da natureza, cujo início, segundo os geólogos, situa-se há 1,5 bilhão de anos. Nesse tempo remoto, quando o planeta Terra nem sequer contava com a proteção da camada de ozônio, não havia morro algum no local e sim uma planície que alternava deserto seco com mar raso.

Foram Plutão e Vulcano, Éolo e Netuno, os deuses da mitologia greco-romana que respectivamente evocam a terra e o fogo, o ar e a água, os escultores da chapada Diamantina: suas rochas são de origem sedimentar, formadas por areia, seixos, barro e outros materiais trazidos e depositados pela ação da água e do vento em lâminas horizontais uniformes, até que as camadas inferiores se transformassem em rocha (arenito); quando a crosta da Terra se rompeu em meio a erupções vulcânicas, essas camadas foram empurradas para cima e racharam, como um bolo retirado desajeitadamente do forno; o retoque final foi dado pelo deus Cronos, ou seja, o tempo de milhões de anos até que a chuva, o vento e as alterações de frio e calor desgastassem a rocha, formando os vales e os picos que hoje deslumbram os visitantes.

As grutas

A 70 km de Lençóis, o tempo é também o grande artesão da gruta da Lapa Doce, já que cada centímetro de suas estalactites e estalagmites leva dezenas de anos para se formar. Nesse verdadeiro templo da espeleologia – estudo e exploração de grutas e cavernas –, cujo teto se ergue a até 30 metros do chão, é possível admirar, ao longo dos 850 metros do percurso, várias colunas (formadas pelo encontro de estalactites com estalagmites) e espeleotemas de formatos os mais diversos: um deles, que se assemelha a um seio, foi usado na abertura da novela "Pedra sobre Pedra". A Lapa Doce, assim chamada porque em seu interior os habitantes da região se abasteciam de água doce, conta com 24 quilômetros mapeados.

Distante 5 km da Lapa Doce fica a Pratinha, uma combinação de gruta aquática, ideal para mergulhar, com uma lagoa rasa ao ar livre, de águas cristalinas e azuis, que se tornam prateadas sob a luz do sol. Dentro da gruta a água é tão transparente que é difícil saber onde começa. Fora, milhares de peixinhos e uma areia fina, formada por minúsculos búzios, fazem do banho uma aventura paradisíaca.

A Fumaça

Conhecida originalmente como cachoeira Glass, em honra do piloto que divulgou sua existência em 1960, a cachoeira da Fumaça pode ser definida como uma beleza sem fim, já que nos períodos mais secos a água que despenca da altura de 340 metros se dispersa pelo ar, sem tocar o chão. Nos últimos anos tem atraído milhares de visitantes, para os quais as agências de turismo oferecem duas maneiras de conhecê-la: "por cima", ou seja, até o alto da queda-d’água e apenas para contemplação a distância, ou "por baixo", até onde a água chega e o rio segue seu curso.

Por cima, o passeio leva apenas um dia e é feito parte em veículo motorizado, parte em caminhada através da serra. De Lençóis pega-se a BR-242 até a cidade de Palmeiras e de lá mais 25 km em estrada de terra até a vila do Capão, onde começa a trilha. São três horas de caminhada (uma de subida) até que o visitante se encontra à beira de um despenhadeiro. Dali, 1,3 mil metros acima do nível do mar, as águas se precipitam num espetáculo inigualável. No caminho de volta, antes de o veículo retornar a Lençóis, a parada é na cachoeira do Riachinho, acessível para banho.

Por baixo, não há estrada: são 25 quilômetros de caminhada a partir de Lençóis, normalmente percorridos em três dias.

O pantanal

Podem-se encontrar até jacarés, além de vitórias-régias, em algumas fazendas no chamado pantanal do Marimbus, entre as cidades de Lençóis e Andaraí. Trata-se de um grande pântano de água doce formado pela confluência dos rios Santo Antônio e Utinga, que se estende até o encontro com o rio Paraguaçu, um dos maiores da Bahia e que já foi navegável desde a chapada Diamantina, onde nasce, até a foz, na baía de Todos os Santos. Hoje está assoreado em virtude da utilização desenfreada de dragas (proibidas desde 1996), que atuaram principalmente na década de 1980 em busca de diamantes remanescentes e inacessíveis ao garimpo manual.

O próprio pantanal é resultado do assoreamento dos rios causado pela atividade garimpeira. Os passeios turísticos são feitos em barcos a remo (motores são proibidos), na maioria das vezes em canoas cavadas em troncos de árvores, e apenas pelos cursos principais do Santo Antônio e do Utinga, profundos o suficiente para permitir a passagem de pequenas embarcações. A vegetação é constituída por plantas e flores aquáticas, que nascem na lama do fundo do brejo e crescem até 2 metros para fora da água.

O ponto de partida do passeio de barco é a vila do Remanso, aldeia de pescadores cujos moradores, descendentes de quilombolas, vivem da pesca – em especial do tucunaré – e do turismo. Depois de uma hora de barco, chega-se a outro rio, o Roncador, onde mais uma cachoeira e uma deliciosa refeição preparada em fogão a lenha, em uma centenária casa de fazenda, esperam o turista.

A volta é feita pela estrada dos garimpeiros, que ligava Lençóis a Andaraí e hoje só é transitável para veículos com tração nas quatro rodas ou – outra boa opção – bicicletas. Atravessam-se diversos rios com belas paisagens, mas às vezes também desoladoras e impressionantes, como a de enormes pedras no leito seco de um rio, desviado para facilitar o trabalho do garimpo.

Igatu

A cidade de Andaraí – que significa "rio dos morcegos", em tupi – fica a 100 km de Lençóis pela asfaltada rodovia BA-142, a mesma que vai até Mucugê. Há muito tempo a agropecuária e o turismo substituíram o garimpo como sua principal atividade econômica, deixando como recordação dos tempos de glória alguns casarões antigos, pequenas oficinas, ainda em operação, para lapidação de diamantes, e uma estátua de um garimpeiro com sua bateia. Nos arredores, cachoeiras, poços, a praia fluvial do rio Paraguaçu e uma testemunha histórica do auge do garimpo: Xique-Xique de Igatu.

Hoje distrito de Andaraí e quase uma cidade fantasma, com apenas 300 habitantes, Igatu já teve 8 mil no século 19, quando foi um dos primeiros e mais prósperos núcleos de garimpeiros. Ainda agora, quando algumas poucas edificações não foram reduzidas a ruínas, pode-se apreciar sua principal característica: ali tudo era de pedra – casas, jardins, passeios, muros e até lojas, que seduziam os novos-ricos com artigos importados.

Os moradores mais antigos dão a seguinte explicação para o desmoronamento das construções: quando os diamantes começaram a rarear, os garimpeiros desmontaram as ruas e as próprias casas, procurando as cobiçadas pedras em suas entranhas. Entre as ruínas crescem cactos – inclusive o xiquexique –, sisal e bromélias. De lá tem-se uma bela vista do vale do rio Paraguaçu.

Mucugê

Entre Andaraí e Mucugê há uma parada obrigatória, para uma visita ao poço Encantado. De acordo com a terminologia local, é um "sumidouro", designação dada em geral ao ponto em que um rio deixa a superfície para seguir um curso subterrâneo. A sensação que o visitante tem ao descer, com um capacete na cabeça e agarrado a uma corda, é a de uma incursão pelo centro da Terra.

Só que em vez de fogo encontra-se um lago, apropriadamente chamado de "Encantado", porque suas águas azuis e cristalinas permitem ver o fundo, a 61 metros de profundidade. Para cima, há um salão escavado na rocha calcária, de 40 metros de altura entre o nível da água e o teto, parcialmente fendido: por essa abertura penetra a luz e, durante os meses de junho e julho, pela manhã, um raio de sol, que multiplica o encanto num espetáculo único de luz e cor.

Uma opção, antes de chegar ao centro de Mucugê, é a visita ao Projeto Sempre-Viva, que visa preservar da coleta predatória e da ameaça de extinção essa planta, que chega a durar mais de dez anos e tem uma espécie nativa, a Syngonanthus mucugensis. A sede do projeto é uma construção que conserva enormes pedras em seu interior.

Mais antiga cidade do garimpo, chamada inicialmente de Santa Isabel do Paraguaçu, foi em Mucugê que a chapada tornou-se Diamantina, quando em 1844 o mineiro José Pereira Prado retirou dos riachos Mucugê e Cumbucas 6 arrobas de diamantes grossos. No centro histórico, além de casarões coloniais e da Praça dos Garimpeiros, é possível visitar um museu para conhecer um pouco a história da região: depois da opulência, a decadência que reduziu a 400 pessoas a população da sede do município, e sua ressurreição como pólo turístico e sobretudo agrícola, com lavouras de café e outros produtos cultivados graças a modernas técnicas de irrigação.

Antes de ir embora, o turista não deve deixar de ver a mais famosa atração de Mucugê: atrás da cidade, como um corpo estranho e absolutamente incomum na paisagem brasileira, paira na encosta da serra do Cruzeiro o Cemitério Santa Isabel. É mais conhecido como Cemitério Bizantino, em razão de seus túmulos brancos construídos numa miríade de estilos, formas e tamanhos, que adquirem uma aura de perfeição e impressionam no conjunto. Nele foram enterrados, ao final do século 19 e início do 20, estrangeiros de diferentes nacionalidades, que o comércio de diamantes atraiu para o interior da Bahia.

Biodiversidade

De acordo com o comerciante José Américo Viana, de 42 anos, vereador em primeiro mandato pelo Partido Verde em Lençóis, o ecoturismo representou a recuperação econômica a partir de 1996, quando o governo estadual proibiu o garimpo mecanizado nos rios da região. Além de gerar a maior parte dos empregos diretos e indiretos que ajudam a fixar na sede do município 60% de sua população de 10 mil habitantes, a explosão de pousadas e agências atraiu capital e gente do sudeste, principalmente de São Paulo.

"As melhores oportunidades ficaram com os paulistas, porque não houve uma reciclagem adequada da mão-de-obra do garimpo para o turismo, que exige qualificação", diz José Américo, ele próprio ex-garimpeiro e nativo de Lençóis, onde fundou o grupo Nativos da Chapada, especializado em esportes radicais.

Exemplo disso é o paulistano Eduardo Andrade, que abandonou a carreira de jornalista para dirigir um táxi e ser guia de turistas na chapada. "Optei por uma vida sem estresse", ele diz, ao lado da mulher, recepcionista em um hotel, e do filho de 7 anos, que como todas as crianças de Lençóis aprende inglês na escola pública a partir do ensino fundamental. "Um guia que fala inglês ganha o dobro", explica Andrade.

O auge do turismo em Lençóis ocorreu em 2003, quando o dólar estava mais valorizado. Mas visitantes continuam a vir de todas as partes do mundo, ainda que não haja divulgação direcionada no exterior. "Funciona o boca-a-boca. O turista que gosta e conta para os amigos é a melhor propaganda", garante Andrade.

Já o vereador José Américo considera Lençóis ainda muito isolada e defende duas medidas para atrair mais os próprios brasileiros: a criação de uma rota aérea São Paulo (ou Rio de Janeiro)-Porto Seguro-Lençóis, para trazer mais passageiros e baratear a passagem, e a colocação de ônibus-leito, em mais horários, com a ruptura do atual monopólio da única empresa que liga a chapada a Salvador.

A maior preocupação dos que vivem do ecoturismo, porém, é com o fogo, "o inimigo número um da chapada Diamantina", de acordo com Roy Funch, biólogo norte-americano naturalizado brasileiro e primeiro diretor do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Ele diz que as queimadas, como a que consumiu 12 mil hectares dentro do parque e mais 3 mil hectares na Área de Proteção Ambiental Marimbus/Iraquara no ano passado, são invariavelmente causadas por moradores da região, por razões que vão da melhora do pasto para o gado até a manutenção das trilhas abertas na mata. Os que assim procedem alegam que "logo chove e tudo fica verde de novo". É verdade, mas apenas sobrevivem as plantas mais resistentes. O desaparecimento das demais compromete a biodiversidade, que é, na verdade, o único diamante que resta na chapada Diamantina. 


A expedição de Teodoro Sampaio

O Brasil deve a Teodoro Sampaio a revelação da chapada Diamantina, minuciosamente estudada por uma expedição de engenheiros e técnicos brasileiros e norte-americanos, integrantes da Comissão Hidráulica organizada pelo governo imperial em 1879, com a finalidade de avaliar as condições de navegação pelo São Francisco e outros rios no interior da Bahia.

Se mostrou a beleza do Brasil central em seu "Diário de Viagem ao Rio de São Francisco e à Chapada Diamantina", publicado em 1906 – um relato que se assemelha a Os Sertões pela precisão descritiva –, a própria vida do autor permaneceu desconhecida: muita gente sabe que ele empresta seu nome a uma das ruas principais do bairro paulistano de Pinheiros, mas a maioria certamente ignora o porquê.

A trajetória de Teodoro Fernandes Sampaio está ligada à Bahia desde seu início, pois nasceu em 7 de janeiro de 1855 no Engenho Canabrava, no Recôncavo Baiano. Filho da escrava Domingas da Paixão, ele não cresceria no cativeiro, ao contrário dos irmãos: foi registrado com o mesmo sobrenome do padre Manoel Fernandes Sampaio, que sem assumir formalmente a paternidade se encarregaria de sua educação, levando-o para o Rio de Janeiro.

Na Corte, às vésperas de completar 17 anos, entrou para o curso de engenharia civil da Escola Central, mais tarde Escola Politécnica, de onde sairia em 1876 com um diploma e um propósito: comprar a carta de alforria de seus três irmãos, o que conseguiria ao longo dos oito anos seguintes.

Em 1879, com apenas 24 anos, convidado a integrar a Comissão Hidráulica sob a direção do engenheiro norte-americano William Roberts, foi vítima de preconceito explícito: um burocrata do ministério, ao constatar que ele era o único negro da comitiva, decidiu suprimir-lhe o nome da relação publicada no "Diário Oficial", sob a alegação de que os demais não apreciariam tal companhia. A objeção só foi contornada pela intervenção de um senador, Viriato de Medeiros.

Teodoro Sampaio subiria o rio São Francisco com a Comissão Hidráulica, na condição de engenheiro de segunda classe, da foz até a cidade de Carinhanha (BA). Dali, por determinação de Roberts, mudaria de rumo, fazendo a travessia da chapada Diamantina. A aventura se estenderia de 25 de dezembro de 1879 a 30 de janeiro do ano seguinte, quando chegou a Salvador, após percorrer 900 quilômetros, e foi considerado "the best Brazilian engineer in mister Roberts’s staff", segundo o relatório final.

Em seu trabalho, Teodoro Sampaio não apenas descreve a paisagem, os acidentes geográficos, a flora e os tipos humanos que encontra, mas também os desenha e organiza mapas dos caminhos e trilhas que percorreu entre Rio de Contas e Mucugê. Sua expedição testemunha o início da decadência do garimpo, que tem como marco o ano de 1871, quando a descoberta de enormes jazidas na África do Sul faz mudar para o outro lado do Atlântico a febre dos diamantes, além de derrubar seu preço no mercado internacional.

Na época em que Teodoro Sampaio passou pela chapada já haviam ficado para trás os tempos (entre 1844 e 1870) em que os garimpeiros mergulhavam nos rios e traziam diamantes em meio ao cascalho que colhiam até com o chapéu de couro.

Uma circunstância, entretanto, adiou por mais algumas décadas o encerramento definitivo do ciclo diamantífero: o início da construção do Canal do Panamá (1880), que provocou uma grande demanda do carbonado, um tipo de diamante poroso, de cor escura, sem valor como jóia, mas utilizado na fabricação de brocas para perfuração de rochas. Em 1905 foi encontrado em Lençóis o maior carbonado da história, com 3.167 quilates.

Entre 1939 e 1945, a produção de diamantes na chapada ainda foi de 570 mil quilates. Em 1984, empresas de mineração recomeçaram a atuar, mas, depois de grandes prejuízos ambientais, como o desmonte de barrancos e o assoreamento dos rios, foram proibidas em 1996.

A partir daí, apenas o garimpo manual é praticado, de forma residual e sem maior expressão econômica. Se os diamantes ainda existem mesmo, além do imaginário dos garimpeiros, permanecerão onde estão, protegidos por leis ambientais que fazem do ecoturismo o novo surto de prosperidade na chapada Diamantina.

Do passado fica um rico patrimônio urbanístico e a herança cultural dos desbravadores, cujos descendentes sabem tudo sobre a serra do Sincorá. Só que agora eles reviram buracos para tirar, em vez de diamantes, um tatu preso pelo rabo, para encanto dos turistas.


Como chegar à chapada

O visitante pode optar entre a via aérea e a rodoviária para viajar a Lençóis. No primeiro caso, há vôos da Ocean Air em aviões do tipo Fokker, de Salvador até o aeroporto em Tanquinho, município situado na BR-242, a 20 quilômetros de Lençóis. No segundo, o ponto de partida também é Salvador, pela BR-242 com destino a Brasília.

Para quem não dispuser de automóvel, a empresa Real Expresso oferece dois horários para Seabra (maior cidade da região centro-sul da chapada, depois de Lençóis), às 7:30 e às 23:30 horas, mas a viagem noturna é desaconselhável: com freqüência o ônibus é emboscado na região de Feira de Santana por quadrilhas especializadas na colheita de máquinas fotográficas e filmadoras, além dos euros e dólares dos turistas estrangeiros. Em janeiro deste ano, duas argentinas se queixavam da triste experiência, enquanto o motorista encarava o episódio como rotina: era o seu quarto assalto nessa rota.

Quem for de avião em um dia claro observará, olhando de cima, como o verde do Recôncavo Baiano se transforma no semi-árido sertanejo para voltar ao verde no encontro com as montanhas da chapada, quase sempre envoltas em nuvens. Essas formações, cuja altitude chega a 1,2 mil metros acima do nível do mar, são as responsáveis por absorver a umidade vinda do Atlântico e garantir as chuvas na maior parte do ano. Por isso ali se localizam as nascentes de 90% dos rios que banham o estado da Bahia, inclusive os três maiores exclusivamente baianos: Paraguaçu, Jacuípe e rio de Contas. Passada a chapada, acabam-se as águas e tudo vira sertão outra vez, até as barrancas do rio São Francisco.

Chegando a Lençóis, o visitante desemboca na única avenida da cidade, a Senhor dos Passos (padroeiro cuja festa é realizada no início de fevereiro), às margens do rio Lençóis. Se descer do ônibus e olhar à direita rio acima, verá lençóis e outras peças de roupa estendidos pelas lavadeiras nas pedras ribeirinhas. O hábito, até hoje mantido e que deu origem ao nome da cidade, era uma das atividades das escravas domésticas conhecidas como nagôs, numa referência a suas raízes africanas, e que foram homenageadas no nome da praça em frente ao imponente edifício de pedra do antigo mercado, recentemente restaurado.

Na minúscula rodoviária, o turista é assediado por guias e representantes de pousadas e agências de turismo, mas se não tiver feito reserva prévia ou contratado pacotes, não deve se precipitar: há cerca de 70 hotéis e pousadas, para todos os bolsos, com diárias que vão de R$ 20 a R$ 480 por casal. O mesmo vale para as agências que oferecem os passeios mais complexos, que exigem carro ou veículo com tração nas quatro rodas: são cerca de 30, com pequenas diferenças de preço entre elas. Vale a pena visitá-las (são todas próximas umas das outras) e recolher os prospectos dos roteiros disponíveis, para posterior avaliação e escolha. Para os passeios mais simples, ou que dispensam o automóvel, bastam guias que conheçam bem a região. Existem quase duas centenas deles, devidamente credenciados pela Associação dos Condutores de Visitantes de Lençóis (ACVL).

 

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