Postado em 01/10/2005
Enquanto o restante da cidade nem se dava conta, a Zona Norte cresceu e apareceu, e hoje é considerada uma das regiões mais completas de São Paulo
Fotos: Adriana Vichi e Danilo Tanaka
Os muitos jovens que se concentram nos bares da Avenida Luiz Dumont Villares, no Jardim São Paulo, bairro do distrito de Santana, Zona Norte da cidade, dificilmente conseguiriam imaginar que até meados do século passado quase toda a região era composta de brejais e terrenos baldios, de acesso praticamente inviável devido ao rio que a separa do centro da cidade. Localizados ao longo da planície inundável do Tietê, os povoados da “outra margem do rio”, ao pé da Serra da Cantareira, eram naturalmente – no sentido literal do termo – separados da área “urbana” de São Paulo. Leia-se, afastados das imediações do colégio fundado pelos jesuítas, o marco zero histórico da cidade. Além disso, os alagamentos provocados pelas cheias foram responsáveis pelo fato de locais como Santana, Freguesia do Ó, Casa Verde e Tucuruvi permanecerem durante muito tempo com perfil quase rural, chegando mesmo a ficar de fora dos primeiros mapas da capital. Conhecida como Guaré – nome da estrada que ligava Santana ao povoado da Luz, hoje a Rua Florêncio de Abreu –, a região além-Tietê, embora tenha começado a se incorporar à cidade no século 17, só foi assumir características mais urbanas já quase na segunda metade do século 20. As décadas de 1940 e 1950 foram fundamentais para o desenvolvimento e a valorização da Zona Norte. A inauguração da Ponte das Bandeiras, em 1942, que substituiu a antiga Ponte Grande, deu início às mudanças. Logo vieram as pontes Cruzeiro do Sul e Vila Guilherme, e avenidas importantes, como a Braz Leme. Em 1975 foi a vez de o metrô chegar até Santana, e em 1984 o Shopping Center Norte ajudou a impulsionar a região com suas quase 500 lojas. Mais estações do metrô – dessa vez no Jardim São Paulo, na Parada Inglesa e no Tucuruvi – iniciaram seu funcionamento em 1998. E em 2003 foi inaugurada a primeira fase do Parque da Juventude (a segunda foi concluída em 2004 e a terceira está prevista para o ano que vem), numa área de 240 mil metros quadrados onde, até 2002, funcionava a Casa de Detenção do Carandiru. “Esses foram marcos importantes na história da Zona Norte”, afirma o empresário João de Favari, diretor-superintendente da distrital Santana da Associação Comercial de São Paulo. “Creio que sempre faltou um pouco de visibilidade para nós dentro da cidade. Mas isso está mudando.”
Parceria
Não se pode dizer que a Zona Norte já não fosse famosa. Basta lembrar do Trem das Onze (1964), de Adoniran Barbosa, que levava o jovem amante lá para Jaçanã, ou do Punk da Periferia (1983), de Gilberto Gil, que era da Freguesia do Ó. Entretanto, mudanças que, digamos, atualizassem a imagem da região seriam bem-vindas. E uma delas está para acontecer. Na verdade, já tem até data marcada: 22 de outubro, dia da inauguração do Sesc Santana, primeira unidade na região (veja boxe A unidade em números). “A Zona Norte, espremida entre o Rio Tietê e a Serra da Cantareira, é caracterizada pela existência de bairros antigos, com traços culturais bem distintos”, comenta o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda. A nova unidade localiza-se no bairro de Jardim São Paulo, na agitada Avenida Luiz Dumont Villares, mas a idéia é que o local fique mesmo conhecido como “o Sesc da Zona Norte”. “O Sesc Santana está estrategicamente instalado”, explica Miranda. “A área é o ponto de convergência dos bairros da região, como Vila Guilherme, Vila Maria, Casa Verde, Cachoeirinha, Freguesia do Ó, Brasilândia, Perus, Pirituba, Turucuvi, Tremembé e Jaçanã.” Segundo o diretor, a própria unidade será, por sua vez, uma área de convergência e articulação. “Convergência porque o Sesc integra atividades no domínio da cultura, do esporte e da expressão corporal, da educação em saúde, da ação comunitária e outros. E articulação porque essas áreas todas se relacionam e convidam as pessoas a conhecer novas realidades.”
O grande objetivo é se juntar a outros equipamentos da região, aumentando as opções para os moradores. “O que a gente sentiu é que essa região tem certa tradição de dizer que é preciso ‘ir para a cidade’, toda vez que é preciso fazer alguma coisa, ou seja, atravessar o rio”, conta Cristina Riscalla Madi, gerente da futura unidade. “Mas isso também não é exatamente um problema. Esta é uma região que tem uma auto-suficiência bastante interessante.”
Na Zona Norte estão localizadas algumas importantes áreas comerciais da cidade. Seja em ruas tradicionais, como a Voluntários da Pátria e a Gabriel Piza, seja em shoppings, como o Center Norte, a região mostra ter grande vocação para o setor, refletindo a tendência da própria cidade de São Paulo. No campo dos serviços, vale lembrar que fica lá o maior terminal rodoviário da cidade, o Tietê; e no que diz respeito ao lazer há ainda os Parques da Cantareira e Anhangüera – além do já citado Parque da Juventude. “O Sesc Santana vai fortalecer ações já existentes na região”, comenta o gerente-adjunto Mauro Cesar Jensen. “É mais um parceiro no desenvolvimento da região. Tanto é que já fomos convidados para participar dos aniversários do Jardim São Paulo, de Santana, Jaçanã, de mutirões de jovens no Parque da Juventude, ou seja, na verdade, o Sesc vem se somar a essa grande empreitada de conferir visibilidade à Zona Norte.” O subprefeito da regional Tremembé/Jaçanã, Aníbal de Freitas, avisa ainda que as expectativas são grandes com a inauguração. “Mas temos certeza de que será fantástico para a Zona Norte”, comenta. “É muito importante para nós termos um Sesc aqui, tanto pelas atividades esportivas quanto pelas culturais e as demais. A população precisa disso. Nós vemos isso com muito entusiasmo.”
Convívio social
Eneida Soller é uma das pessoas que lutam pela visibilidade da região já há algum tempo. Ela é presidente do Pólo Cultural da Zona Norte, uma organização criada em 1998 com o objetivo de promover o desenvolvimento cultural e artístico da região. Entre suas atividades mais importantes destaca-se o projeto Praça das Artes, uma espécie de grande sarau ao ar livre – com artesãos, artistas plásticos, dançarinos e músicos locais –, realizado todos os domingos na Avenida Santos Dumont, além da TV Pólo, um canal comunitário com programação voltada para a arte-educação. “Existem dezenas de pequenas academias de dança e ateliês espalhados por toda a região esperando por uma efervescência cultural maior”, conta Eneida. “E acredito que o Sesc chega para expandir a geografia cultural local.”
Para José Dawton Carneiro Mendes, presidente da Associação de Moradores e Simpatizantes do Bairro Jardim São Paulo, outro benefício está no campo da integração social. “O que se espera é que os moradores do Jardim São Paulo, e dos demais bairros, possam ter mais uma chance de integração e interação por meio de atividades comunitárias”, diz. “É importante esse movimento de trazer as pessoas e aumentar cada vez mais o convívio familiar, tão disperso hoje em dia.”
O diretor da distrital Santana da Associação Comercial de São Paulo, João de Favari, acrescenta ainda que o novo Sesc é relevante também do ponto de vista do desenvolvimento econômico da região. Para ele é importante que o morador da Zona Norte tenha bens culturais próximos de sua casa. “A Zona Norte é muito grande e precisa de todos os parceiros possíveis. Uma das questões mais importantes é segurar o morador aqui, para que ele não precise necessariamente ir a outros lugares atrás de teatro, música, lazer... E, se ficar, ele melhora nosso comércio – bares, restaurantes etc. –, e todos ganham com isso.”
100% aprovado
É o que pensa Paulo de Campos, morador de Santana desde que nasceu, há 82 anos. Seu Paulo testemunhou todos os estágios da construção da nova unidade – “todos mesmo”, garante a equipe do Sesc. Das fundações ao acabamento. O motivo? A vontade de acompanhar as mudanças de seu bairro. “Eu moro aqui perto, sou aposentado, quando vi que estavam começando a construir nesse terrenão aqui, fiquei curioso”, conta. “Nadei muito quando era menino num riozinho que tinha aqui [e que hoje corre sob a Avenida Luiz Dumont Villares] e o “trem das 11”, do Adoniran, passava aqui perto.” Com tanta intimidade com a região, seu Paulo decidiu que “monitoraria” tudo. Fez amizade com os engenheiros, com os seguranças e pedreiros, e foi o primeiro morador a conhecer a unidade por dentro. “Ele vinha, sentava num banquinho e ficava olhando a obra”, conta Arlete Gavazza, coordenadora de comunicação da unidade. “Quando ficou tudo pronto, a gente resolveu convidá-lo para conhecer.” O novo Sesc está aprovado, seu Paulo? “Está 100%”, sentencia. “Tem até piscina adaptada para pessoas com problemas físicos – o que para mim é bom porque eu tenho um irmão que sofreu um derrame e a gente vai poder levar ele para nadar.” A história de seu Paulo com o Sesc é antiga, são 53 anos. Começou pela unidade Bertioga, no litoral – “joguei tanto futebol lá que virei até juiz”, conta – e já passou pelo Sesc Consolação, Pompéia e Carmo, onde até hoje vai almoçar com os amigos. “Olha, vou falar uma coisa: quando esse Sesc for inaugurado, acho que nem barba eu vou fazer em casa mais. Faço lá, tomo meu banhozinho quente, como um lanchinho, reúno os amigos, ajudo o pessoal a fazer a carteirinha... Vai ficar perfeito.”
A unidade em números - Conheça detalhes dos equipamentos que estarão disponíveis à população a partir de 22 de outubro
Nos mais de 15 mil metros quadrados de área construída da nova unidade, serão oferecidos todos os serviços aos quais os usuários do Sesc estão acostumados. Um teatro com 337 lugares, quadra poliesportiva com brises para controle da incidência da luz do sol e ventilação natural, piscina coberta para adultos e crianças – que também pode receber luz e ventilação naturais –, área de convivência, sala de múltiplo uso, sala de ginástica, quatro consultórios de odontologia, praça de alimentação, sala de Internet Livre, com 20 terminais de computadores, e um solário.
O conceito de acessibilidade universal se espalha por todas as instalações, dos assentos especiais para obesos e portadores de deficiência no teatro a um acesso para cadeira de rodas até a piscina, passando pelas rampas que ligam os andares, além dos elevadores, que substituem as escadas. A arquitetura é arejada. Grandes janelas deixam o sol entrar e permitem diálogo entre os ambientes – quem está na Internet Livre vê quem está na lanchonete, que consegue enxergar a piscina, e assim por diante. Aliás, o sol tem participação importante não somente na iluminação do local. O aquecimento da água de banho terá uma fonte extra de energia por meio de um sistema de placas solares. O reaproveitamento está também na água das descargas, que, estuda-se, poderá vir do céu. Isso mesmo. A água da chuva poderá ter essa finalidade no novo Sesc.
Embora oficialmente ocorra apenas num final de semana – dias 22 e 23 de outubro, sábado e domingo –, a inauguração será marcada, na verdade, por uma fase de adaptação. “Nós estamos pensando num período que vai da inauguração propriamente dita até mais ou menos o final de fevereiro de 2006”, esclarece Cristina Riscalla Madi, gerente da unidade. “Isso servirá para sentirmos o nosso público, seu comportamento e resposta. Teremos alguns mecanismos internos para medir isso: pesquisas, folhetos etc.” O que significa, segundo a gerente, a programação de atividades as mais diversas possíveis “O público que se destina ao Sesc também é caracterizado pela diversidade”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. “Vai dos mais jovens aos mais velhos, pessoas dos mais diferentes níveis de formação, pessoas de diferentes níveis socioeconômicos. Portanto, o Sesc Santana não será apenas mais uma opção cultural na cidade, ele estabelecerá vínculos com a comunidade da região e trará, para todos, novas possibilidades de conhecimento, interação e participação.”
As curiosidades têm como fonte o livro Santana - Sua História & Suas Histórias (Editora Senac, 1996)
Para saber mais: