Postado em 01/05/1999
Depois do terremoto cambial, o Brasil vive uma nova e decisiva realidade
CECÍLIA ZIONI (Colaborou Salete Silva)
Caberá ao semestre que começa agora em julho confirmar - ou derrubar, definitivamente
- as teses formuladas, ao longo do primeiro trimestre do ano, sobre a viabilidade da nova
economia vivida pelo Brasil. Dependendo do andar da carruagem, nestas próximas semanas
vai-se ficar sabendo se o país pode, afinal, dar certo e se também estavam no rumo
correto as mudanças feitas pelo governo. A nova política cambial, a troca das âncoras
anteriores do Plano Real (a cambial, a monetária) pelo regime de metas inflacionárias:
isso está indo bem? E mais: o Brasil vai ou não fazer a reforma tributária, bela
adormecida há mais de quatro anos, tida como condição sine qua non para a retomada do
desenvolvimento, com estabilidade? Este, no fim das contas, é o objetivo do Plano Real,
lançado em 1994 para ser o último e definitivo plano econômico de um país de certa
forma vacinado contra projetos de impacto, desde 1986.
As respostas terão de ser dadas no segundo semestre, tradicionalmente o período da
recuperação, mas, neste ano, investido da responsabilidade de revelar a nova face da
economia brasileira.
O que parece ser o cenário mais nítido, a esta altura do ano, é que, depois do soluço
da inflação, pode-se voltar a certa estabilidade de preços, com a taxa cambial e a de
juros jogando a favor da produção e deixando de asfixiá-la. Assim, começa-se a crescer
a partir de julho e pode-se, até, "virar o século e entrar no milênio em rota de
crescimento", declara o economista Roberto Macedo, ex-ministro da Fazenda.
No primeiro semestre - mais acentuadamente de janeiro a março -, o governo teve de tomar
medidas monetárias para manter a estabilidade, e a primeira delas foi fixar metas de
inflação. Começou a era da inflation targeting, como se diz no jargão dos economistas.
Ou seja, indica-se o número a ser perseguido para se manter a estabilidade, principal
objetivo do Plano Real, e vão sendo tomadas medidas que induzam a isso.
Armínio Fraga, presidente do Banco Central, introduziu o termo, e desde sua posse
procurou manter o leme do BC na direção fixada: moveu para cima e para baixo a taxa de
juros, com a mira num Índice de Preços ao Consumidor de 0,6% ao mês, no fim do ano.
Isso é importante para fechar o ano dentro das metas acertadas com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) - entre elas, um Índice Geral de Preços de 16,8% em 1999. A
continuidade da retração da atividade econômica, o desemprego crescente e a oferta
razoável de alimentos ajudaram a refrear o "chutão inicial da inflação",
como diz Macedo. No fim de março, também colaborou o fato de o câmbio começar a se
ajustar em torno de R$ 1,70 por dólar, considerado o melhor patamar
pós-desvalorização.
Agüenta?
A estratégia de metas de inflação é um "sistema eficaz mas muito complexo",
diz o também ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, lembrando que vem sendo usado
em países como Nova Zelândia, Finlândia, Suécia e Espanha. "Não tenho notícia
de país em desenvolvimento que tenha tentado esse mecanismo. Seu problema é que se torna
prioridade conter a inflação, sejam quais forem as conseqüências. Esse é o risco: o
país agüenta?"
Apesar de inibir a atividade econômica no primeiro semestre, as mudanças de política
são benéficas no médio prazo, na opinião de alguns economistas como o presidente do
Conselho Federal de Economia, Antônio Lacerda. "Na essência, o Plano Real sofreu
alterações, mas as metas de combate à inflação e de desenvolvimento econômico
sustentado foram preservadas", observa.
O nível de atividade econômica, segundo Lacerda, começará logo no início do segundo
semestre a dar sinais de recuperação e deverá manter essa tendência até o fim do ano,
depois de um primeiro semestre muito difícil. Isso, no entanto, não muda a previsão,
segundo ele, de retração de até 4% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ainda este
ano. "O PIB só deverá voltar a crescer no ano 2000, quando a expectativa é de que
a receita bruta avance pelo menos de 3% a 4%", afirma. O ministro da Fazenda, Pedro
Malan, ao final de março, já fazia previsões um pouco mais otimistas, mesmo sem falar
em índices diferentes dos contidos no seu Memorando de Política Econômica (ver abaixo),
enviado ao FMI no começo desse mês.
Quem se arriscou a montar um cenário mais otimista foi Amaury Bier, secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda:
o A retração do PIB pode ficar em 3,5% ou até menos este ano, pois para chegar a 4%
negativos seria preciso que o produto da indústria caísse 8% ou mais, o que é
improvável. Provável é que, no final de 1999, os índices já indiquem PIB com
crescimento de 3,5% anuais, começando a melhoria da atividade econômica a partir do
segundo semestre.
o Os principais fatores para essa retomada são o aumento de consumo de produtos
nacionais, em lugar dos importados, o crescimento das exportações, a queda na taxa de
juros e a volta do crédito interno e externo.
o Os índices de preço ao consumidor não vão chegar aos 16,8%, que seriam a média das
projeções do mercado feitas no começo do ano. As pressões do atacado têm sido
repelidas pelo varejo já a partir de fevereiro.
o A aprovação da CPMF e sua incidência a partir de junho reforçam o caixa do Tesouro
e, entre os agentes econômicos internacionais, a percepção de que o país está
cumprindo o ajuste fiscal combinado.
A pressão da dívida (interna e externa) sobre a economia brasileira deve se atenuar a
partir de agosto, anunciou em março o presidente do BC, Armínio Fraga. Dos US$ 22,1
bilhões a serem liquidados este ano, US$ 15,1 bilhões têm prazo de vencimento até
julho. De agosto a dezembro, o valor cai quase à metade, para US$ 6,9 bilhões. Segundo
Fraga, o melhor de tudo será "o mercado tomar consciência desse perfil de
amortização, pois ele mesmo se encarregará de financiar os desvios maiores. Nossa
política é divulgar a informação para que o mercado prepare o colchão para o
financiamento".
O item sobre o qual menos se fala é o desemprego, e não por acaso o problema mais
difícil de vencer. A recontratação e o aumento da oferta de empregos dependem da
capacidade de recuperação econômica. Contas públicas saneadas e juros menores são
condições básicas para isso, diz Antônio Lacerda, e com ele concorda a maioria dos
especialistas. Amaury Bier diz que a recessão será, ao longo de todo o ano, o fator
limitante do emprego e das negociações salariais. "A indexação não beneficia o
assalariado nem assegura salário real ou oferta de emprego, como comprova a história
recente do Brasil", diz ele.
Desde a implantação do Plano Real, em julho de 1994 - há quase cinco anos -, a
indústria paulista demitiu 535,3 mil pessoas (25% do contingente de mão-de-obra),
segundo a Fiesp. O número se equipara ao total dos empregos que os estados de Paraná,
Minas Gerais e Rio de Janeiro pretendem gerar com programas de incentivo fiscal (que somam
R$ 15 bilhões). Em 12 meses encerrados em fevereiro deste ano, revela a Pesquisa de
Emprego e Desemprego, realizada pelo Dieese/Fundação Seade, foram fechadas na Grande
São Paulo 45 mil vagas na indústria, 29 mil no setor de serviços e 15 mil no do
comércio.
Reforma: sim ou não?
"Se a reforma fiscal não sair, o Banco Central vai persistir na elevação de juros.
A política de metas de inflação só funciona quando a sociedade acredita nela: se isso
acontece, fixar um limite funciona como uma âncora", diz Maílson da Nóbrega. Ele
confia nos efeitos a serem provocados pelo fato de já haver "consciência e consenso
sobre a grande questão brasileira e por ter-se tornado agora transparente o diagnóstico
da situação para todos, desde a União até os estados e os municípios: é preciso
conter o déficit da previdência, sob risco de nada mais dar certo, e fazer a reforma
tributária". Um ponto positivo citado por Maílson é a consciência da urgência da
votação da Lei da Responsabilidade Fiscal. "Bem conduzida, pode ser uma verdadeira
revolução", diz.
Roberto Macedo confia menos nos efeitos da reforma tributária no curto prazo. Para ele, a
vantagem imediata estaria mais no âmbito das expectativas, "se a reforma caminhar na
direção correta do ajuste do sistema, pois nesse caso o que interessa mesmo é atuar no
mercado flutuante, para evitar um chutão na taxa de câmbio". É que, explica, isso
levaria a uma inflação ainda mais alta, criando ambiente para a volta da indexação e,
então, a mais um plano econômico.
Nem por isso, entretanto, a reforma tributária pode ser descartada, diz o economista,
pois "seus impactos mais importantes serão sentidos a médio prazo na
competitividade das exportações, na alocação de recursos, na diminuição de custos,
na baixa da sonegação e outros efeitos nessa linha".
Tanto Macedo quanto Maílson fazem uma advertência: cuidado com a reforma que pode vir do
Congresso. O problema é que não há, a rigor, uma proposta concreta de reforma. Macedo
diz que o Executivo continua devendo uma reforma à sociedade. "No começo do
primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso um projeto que, por sua
própria iniciativa, morreu nas gavetas. Em meados do ano passado, revelou linhas gerais
de outra proposta, mas a crise financeira mais uma vez adiou seu estudo." E agora, o
Executivo deixa o assunto para o Legislativo. Maílson acrescenta: "O governo não
começou bem e abriu um vácuo retardando a prioridade da reforma tributária, que virou
bandeira de um partido político, mais por oportunismo e conveniência do que por
convicção, e o fantasma que ronda, agora, é o de uma reforma do crioulo doido ou
reforma Frankenstein".
"É preciso ficar de olho no Congresso, pois muitos parlamentares querem arrecadar
mais para gastar mais. Pode vir mais imposto e/ou mais arrecadação. Um exemplo é o
Imposto Verde", diz Macedo.
Em todo o mundo, reforma tributária é assunto do Executivo, comenta Maílson, para quem
"no Legislativo, o que mais ocorre são lutas de facções e de interesses. No
Congresso brasileiro, o caso se agrava, pois não parece haver quadros técnicos
competentes para uma análise profunda da questão".
Com o vácuo criado, continua Maílson, o "Executivo pode acabar ficando só na
retranca, tentando bloquear o desastre, cujo cenário, da forma como está, não mostra
muito além de aumento de impostos, predomínio de pontos de vista e de interesse dos
parlamentares, base tributária vinculada estreitamente a bases eleitorais". Ele
também cita o Imposto Verde como um perigoso precedente. Fernando Henrique, que adjetivou
o sistema tributário de "deformado e irracional", considera o Imposto Verde
"o primeiro passo para a reforma", cuja liderança diz que negociará com o
Congresso.
"É mais um dos equívocos", condena Maílson, "da ação política, até
aqui", entre os quais ele cita como os mais graves:
a) Não dar prioridade à reforma tributária por muito tempo. (No final de março, o
presidente Fernando Henrique prometeu, afinal, mudar de postura, atribuindo o atraso ao
fato de, antes, "não haver consenso da sociedade para sua discussão".)
b) Aumentar impostos, escolhendo aqueles cuja receita não precisa ser dividida com
estados e municípios. Esses impostos são, em quase todos os casos, os mais perversos
para a economia e abortam qualquer perspectiva de expansão das atividades. Incidem em
cascata, não são desoneráveis na exportação, retiram competitividade do produto
brasileiro e são perniciosos do ponto de vista social, por serem concentradores de renda.
Por tudo isso, intensificam a queda do emprego e a recessão. (A Receita Federal tem
cumprido seu papel: mesmo com a retração da atividade econômica, a arrecadação tem
batido recordes históricos, graças, em parte, a uma ativa atuação da máquina fiscal,
que anda fazendo acertos e cobrando atrasados, mediante negociações diversas. Por conta
disso, Everardo Maciel, secretário da Receita Federal, afasta a hipótese de criação de
impostos: "Vamos cumprir a lei e garantir a arrecadação", diz. As dívidas
tributárias, segundo ele, somam R$ 100 bilhões.)
c) Comemorar a aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF), "como se isso fosse um ajuste fiscal, quando não passa de remendo".
Uma medida urgente, no segundo semestre de 1999, é reverter o quadro de retração
econômica para substituir a queda de 4% no PIB neste ano para uma alta de 4% no ano 2000,
como prevê o ministro Pedro Malan.
Voltando a crescer
Como chegar a essa reversão é o que fará toda a diferença. Para os empresários, a
saída é voltar a crescer. Para o governo, é obter superávit primário de 3,1% do PIB
este ano, sendo fundamental cumprir os acordos de renegociação das dívidas dos estados.
Se isso não ocorrer (e talvez a Lei da Responsabilidade Fiscal possa dar bons resultados
nesse ponto), diz Malan, "o governo será obrigado a tomar medidas adicionais
compensatórias para garantir a meta fiscal acertada".
Ou seja, pode vir mais chumbo grosso, pois, como afirmou o ministro da Fazenda, "os
estados e municípios terão de gerar saldo positivo em suas contas correspondente a 0,4%
do PIB, com o mesmo nível de economia a ser feito pelas estatais. E à União caberá um
esforço de 2,3% do PIB".
Para Antônio Lacerda, do CFE, no médio prazo dificilmente sairá a reforma tributária.
"Ela não fica pronta antes do fim do ano", e "medidas para reduzir os
gastos terão de ser adotadas". Opinião contrária tem Francisco Barbosa, economista
do Citibank: "A reforma fiscal deve sair este ano de qualquer jeito, porque é isso o
que está atrapalhando tudo". Para ele, o processo de privatização, acelerado no
ano passado, já deu algum alívio para o governo. "Muitas daquelas empresas, embora
rentáveis, demandavam investimentos altos, dos quais o governo ficou livre",
observa. Mas só mesmo com o equilíbrio fiscal é que haverá um freio definitivo nos
preços. Não há acordos com o FMI ou alterações na política monetária capazes de
fazer o país voltar a crescer, segundo Barbosa. Por isso, é exatamente da aprovação
dessas medidas fiscais que depende o cenário econômico brasileiro no longo prazo.
Aumentar a carga fiscal pode ser um tiro no próprio pé. Embora sempre se diga que a
carga tributária brasileira não é excessiva, mas similar à de muitos outros países,
cálculos mais modernos indicam que os 30% ou 31% do PIB atuais são altos demais,
considerando-se a renda per capita do brasileiro. Para ser comparável à de outros
países, deveria ficar em 24% do PIB, de acordo com esses cálculos.
É por essas e por outras que os empresários dão sinais de fadiga. Segundo estudo da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), o primeiro semestre foi perdido e não será
fácil cumprir o previsto no segundo:
o As exportações não atingirão o nível de crescimento esperado de 10%, pois a falta
de crédito interbancário prejudicou as operações de antecipação de contratos de
crédito (ACC), e novos instrumentos nas operações de comércio exterior, previstos no
acordo com o FMI, podem dificultar a expansão das vendas externas (como a suspensão do
uso do IPI para ressarcir a Cofins e o PIS/Pasep e o corte de 10% do Proex).
o As importações não vão registrar a queda esperada de 21%, pois a desvalorização
cambial não afeta, na mesma intensidade, as relações entre produtor nacional e
fornecedor estrangeiro estabelecidas depois da abertura de mercados.
Letargia
José Augusto Marques, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e
Indústria de Base (Abdib), criou uma frase de efeito muito reveladora: "Este será
um ano com 12 meses de despesas e seis de receita", referindo-se às incertezas em
que mergulhou esse setor, com previsão de investimentos de US$ 21 bilhões em 1999, com a
nova política cambial. Nenhum dos projetos iniciados parou, mas certa letargia acometeu
alguns deles no primeiro semestre.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) apurou queda de 11,1% no seu
Indicador de Nível de Atividade em janeiro sobre o mesmo mês de 1998, não registrando
nenhum indicativo de que nos meses seguintes haveria retomada da trajetória de
crescimento, como assinalou, à época, Clarice Seibel, diretora do Departamento de
Pesquisas e Estudos Econômicos.
A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FCESP) registrou queda de 32,8% no
faturamento do comércio entre janeiro deste ano e o do ano passado, que já havia sido um
mês de baixo movimento.
"Fraca demanda, juros altos, sobrecarga tributária e aperto nos gastos dos estados e
municípios, que induzem a continuidade da desaceleração da atividade econômica nos
primeiros meses do ano" - é o diagnóstico feito pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), em sondagem realizada no começo do ano. A situação, assinala a FGV, pode mudar
já a partir do terceiro trimestre para setores em que a concorrência dos importados se
tornar menor e para os bens de consumo.
Menos mal, mas nada suficiente para reverter a curva de queda do emprego, que, segundo o
Dieese/Fundação Seade, bateu em fevereiro o recorde desde 1985: 18,7% da população
economicamente ativa da Grande São Paulo. Ou seja, 1,6 milhão de pessoas em um
contingente de 8,6 milhões.
Lacerda aponta uma trilha: "Torna-se urgente implementar políticas de estímulo ao
desenvolvimento. Ao contrário de uma volta ao passado, isso deve representar
articulação de políticas voltadas para o desenvolvimento (industrial, comercial,
agrícola e também científico e tecnológico). É o que de mais moderno têm feito
países com sucesso em sua inserção no capitalismo globalizado".
Essa deve ser tarefa prioritária do novo Ministério do Desenvolvimento. E não se pode
deixar cair no vácuo o trabalho que vinha fazendo, até o começo do ano, a Câmara de
Comércio Exterior (Camex), analisando prioritariamente meia centena de segmentos que, do
agronegócio à tecnologia avançada, tem chances de crescer no mercado internacional. A
acomodação do câmbio e a volta, ainda que parcial, do crédito externo podem propiciar
o deslanche desses projetos.
Estudo da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) repete o que sempre se fala
e nem sempre (ou quase nunca) se pratica em política de comércio exterior: exportar é
gerar emprego. Na média do setor industrial, cada US$ 1 bilhão a mais em embarques
significa abertura de 50 mil empregos no país. O que falta para exportar mais? Muita
coisa, principalmente a desoneração fiscal, e é por isso, também, que se a América
Latina vende para o exterior 16% do que produz, o Brasil não embarca mais de 7% - e
participa com menos de 1% do comércio internacional. Outro entrave: na média européia,
o crédito à exportação chega a 85% do valor do produto vendido. No Brasil, nem 30%.
Menos mal que, no acordo com o FMI, seja prevista a criação de um fundo de US$ 1 bilhão
inicial para financiamento a exportadoras brasileiras sem acesso ao mercado internacional
de crédito.
O fantasma da indexação
Nessas circunstâncias, o que mais se deve fazer para garantir a estabilidade e criar
ambiente de crescimento econômico é impedir a volta de um dos fantasmas de planos
anteriores: a indexação, por conta da retomada da inflação. "A memória
inflacionária volta com a indexação", alerta Affonso Celso Pastore, que já
presidiu o BC. Segundo ele, as diferenças entre o IPC (varejo) e o IGP (atacado) mostram
haver pressões especulativas de curto prazo que devem ser detidas. "O governo está
gerenciando com sucesso a dívida pública, como comprova a aquisição de títulos
prefixados pelo mercado. Isso demonstra expectativa de queda nas taxas de juros",
diz.
Nada a ser desprezado, mesmo que ocorra de forma gradativa, como imagina Lacerda, do CFE.
"O nível dos juros vai depender muito da estabilização do dólar e, enquanto
houver turbulência, não será prudente reduzir as taxas. Depois, não há por que não
rever rapidamente a política monetária. Manter uma política de juros altos por
recomendação do FMI não faz bem ao país."
A recessão é a conseqüência mais perversa e mais imediata da desvalorização cambial
como foi feita, diz o economista. O equilíbrio da balança comercial só deve começar a
aparecer no segundo semestre, passados os primeiros meses, em que os exportadores tiveram
de renegociar contratos, buscar crédito, efetivar as vendas e embarcar as mercadorias.
Também se espera para a segunda metade do ano certo aquecimento econômico, forçado pela
redução das importações, no médio prazo, assinala Barbosa, do Citibank. "Acaba
sendo uma medida expansionista, uma vez que as empresas nacionais vão vender mais,
produzir mais, o governo vai arrecadar mais imposto e poderá até haver maior absorção
de mão-de-obra", analisa Barbosa. E se a inflação não ficar abaixo de 15%
haverá, pelo menos, vantagem para a Receita Federal e parte das contas do Tesouro:
"Como a arrecadação de tributos é indexada, haverá maior facilidade para o
equilíbrio fiscal".
Pode resultar disso tudo outra vantagem. "O governo é o grande pagador de juros e o
credor é a comunidade", raciocina Barbosa, segundo o qual o ganho dos juros pagos,
afinal, é repassado pelas empresas para os consumidores, ainda que não integralmente.
"Cobrando juros altos, o governo está devolvendo indiretamente renda à comunidade.
O problema monetário o governo só vai resolver definitivamente com o equilíbrio
fiscal."
Alcides Amaral, presidente do Citibank, confia na melhoria de cenários a partir do
segundo semestre, desde que certas medidas sejam tomadas e que o empresariado colabore com
o esforço federal. "Reduzindo-se a pressão sobre o dólar, a taxa cambial ficará
mais condizente com a realidade. Com esse ajuste do dólar deverão baixar os juros, que
agora ameaçam inviabilizar não só o país como também as empresas. No segundo
semestre, teremos um quadro mais otimista: crescimento do mercado exportador, queda das
importações e a conseqüente reversão na balança comercial do país, gerando
superávits em lugar de déficits. Isso tudo ajudará no fechamento do balanço de
pagamentos", disse ele em recente palestra em São Paulo.
Há numerosos fatores positivos que três ou quatro medidas como essas poderão
precipitar, continuou Amaral. "Essa é a nossa saída para a crise, que passa
necessariamente pela reversão da confiança no país. Se não conseguirmos isso, não
poderemos chegar a nada. A grande preocupação é o controle da inflação. O que ocorreu
nos países que desvalorizaram suas moedas nos deu algumas lições sobre a necessidade de
evitar a inflação." O repasse da desvalorização cambial para a inflação em um
ano, segundo estudos internacionais citados por Amaral, chegou a 11% de inflação anual
na Tailândia quando o câmbio se desvalorizou 47%. Os 39% de depreciação na Malásia e
35% na Coréia significaram respectivamente 6% e 7% de inflação. Casos anteriores como o
do México indicam, em 1994, desvalorização de 122% e inflação de 48,5%; no Chile, em
1982, desvalorização de 92% e inflação de 31%.
Sem adiar a previdência
A saída, então, não é só fazer a reforma cambial e preparar a fiscal, embora esta
seja básica, diz Maílson da Nóbrega. "Importante é o governo abraçar,
definitivamente, uma agenda de reformas e não acreditar piamente no próprio discurso.
Este é um erro muito comum em Brasília: o discurso deve ter, efetivamente, uma linha
otimista, para mobilizar a sociedade, que deve ser convencida de que a solução está
próxima. Mas o governo precisa saber que essa não é a realidade efetiva."
É mais que hora, também, de sanear a previdência, pois não se pode esperar mais da
âncora cambial nem do ajuste fiscal, diz Maílson. "Tenho medo de isso não
acontecer, apesar de não ser nem derrotista nem alarmista. Meu medo é que o país sofra
um novo ataque de simplismo, isto é, que o governo acabe acreditando em seu próprio
discurso e se deixe levar pela ilusão de que o novo câmbio vai resolver tudo. Já se
errou antes, do mesmo modo, quando se pensava que o congelamento resolveria o problema da
inflação."
O próximo semestre é também a deadline para a segunda fase da reforma previdenciária.
"Ou se resolve o coração do problema fiscal, pelo saneamento da previdência, ou o
déficit se torna explosivo e não haverá controle capaz de salvar o sistema",
adverte Maílson. A renegociação das dívidas dos estados, encetada pela União,
surpreendeu por alguns bons resultados, por não ter a "viúva" se deixado levar
pelo engodo do total do débito. "Se a isso se seguir a vigência da Lei da
Responsabilidade Fiscal, estaremos num bom caminho, pois evitar-se-á o surgimento de
novos Itamares", diz o ex-ministro. Para o economista Paulo Guedes, "é
fundamental desarmar a bomba-relógio do endividamento interno por meio da mudança no
regime fiscal, bem como impedir qualquer tentativa de reindexação da economia".
Formular uma agenda positiva para o segundo mandato de Fernando Henrique é também
fundamental, pois, como diz Guedes, não se pode confundir o acerto com o FMI com essa
agenda, de que é apenas um dos condicionantes.
Se for o caso de buscar uma âncora, que não seja a recessão, pois, como diz Roberto
Macedo, regredir será afundar, mesmo. Para manter a estabilidade, "as âncoras devem
ser a fiscal e a monetária, mais um caixa reforçado no Banco Central, para evitar
chutões na taxa cambial".
Estes são os principais itens sobre as perspectivas para 1999, formalizados no
Memorando de Política Econômica, enviado ao FMI:
Redução do PIB em 3,5% a 4%
Redução adicional da demanda interna no primeiro semestre
Pico do declínio da atividade econômica em meados do ano
Recuperação gradual no segundo semestre
Intensificação no ritmo da atividade econômica a partir de 2000
Índice de Preços ao Consumidor de 10% no primeiro semestre
Atenuação no ritmo do IPC no segundo semestre, fechando o ano com taxa mensal de 0,5% a
0,7%
Superávit comercial de US$ 11 bilhões
Déficit em conta corrente de 3% do PIB (antes, 4,5%)
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