Postado em 01/03/1999
Em evento que reúne debates, shows musicais, vivências culturais e esportivas, a discussão em torno da relação homem/mulher ganha conotação diferenciada*
Nos anos 60 foi preciso fazer alarde. As mulheres se sentiam sufocadas e sem amparo social. Por isso foram às ruas, chamando atenção, brigando pelo seu lugar na sociedade e exigindo respeito. Hoje, 40 anos depois, essa clássica questão muda de tom. Se hoje não se pode isolar a mulher da sociedade para analisar sua condição, Tereza Verardo, professora de filosofia e membro do Coletivo Feminista/SP, vai mais além e relembra que nunca se pôde fazer isso. "Hoje se fala mais em gênero do que em homem ou mulher", afirma. "O homem brasileiro percebeu que, há muito pouco tempo, é verdade, a luta da mulher não era contra ele e sim contra a mutilação do ser humano". Isso coloca ambos os sexos no mesmo lado da luta, uma luta pela cidadania plena. As conquistas, a situação econômica mundial e outros fatores mudaram a antiga definição de papéis. "O papel de chefe da família não cabe somente ao homem hoje em dia", diz Tereza, que alerta também para luta por um mundo mais sensível.
É seguindo essa nova mentalidade que os encontros, palestras e demais atividades que discutem a atualidade são realizados. É nessa nova realidade também que o Sesc dá sua contribuição, promovendo e criando programações de cunho cultural, social e esportivo, como o Sesc Mulher, que congrega atividades nas unidades da capital e interior.
Um dos destaques é o evento Que Vantagem Maria Leva? realizado pelo Sesc Pompéia. Assim como as demais unidades da entidade (ver box), o Sesc Pompéia desenvolveu uma série de atividades para a semana do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. A idéia nasceu por meio de uma proposta recebida pelo Sesc para promover o lançamento de um livro sobre a Conferência do Cairo, um encontro realizado na capital egípcia em 1994, que discutiu questões ligadas à saúde da mulher e aos direitos reprodutivos. Uma proposta feita por Tereza Verardo. A publicação, intitulada Cairo-Brasil 5 anos, relata 100 experiências sobre saúde, direitos reprodutivos, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, e violência contra a mulher. "A partir dessa proposta, nossa idéia foi fazer alguma coisa referente à semana da mulher e o Dia Internacional da Mulher", conta Mariângela Barella, assistente de programação do Sesc Pompéia. "Amparados pelo livro, nós começamos a questionar o porquê dessa semana da mulher e por que realizar um evento ‘da mulher’. Na verdade, são as relações humanas que estão em jogo, a mulher nunca está separada do homem e vice-versa. A gente não quis abordar só o universo feminino". Com isso, a equipe optou por uma programação mais ampla e diversificada, com dança, teatro, música, e debates sobre o masculino e o feminino na sociedade contemporânea.
Relações em transformação
Mariângela explica que a programação do evento, os assuntos a serem abordados e os participantes dos debates seguem a idéia de que as relações entre homem e mulher, e seus respectivos papéis na sociedade, estão em transformação. "Há muita coisa ainda a ser discutida", acrescenta. "Por exemplo: toda essa transformação por que a mulher passou a partir dos anos 60 também causou mudanças no comportamento do homem. É por isso que eu repito que nós não queríamos abordar somente a mulher ou só o homem. É muito mais uma questão de exercício de cidadania". Uma prova disso é que logo na abertura, no dia 9 de março, o debate Masculino e Feminino na Sociedade Contemporânea trará a historiadora da Unicamp Margareth Rago; o médico e psicoterapeuta Moacir Costa e a professora de Literatura e Filosofia da PUC/SP Eliana Robert Moraes para discutir o papel de mulheres e homens na sociedade do novo milênio, funcionando como uma carta de intenções do evento.
Quanto ao conteúdo dos debates, os organizadores acreditam que as discussões não vão tomar o rumo de divergências densas ou mesmo tensas. Mesmo por que o critério de escolha dos integrantes da mesa levou em consideração prioritariamente a apresentação de panoramas sobre as relações humanas em transformação. "O que é ser mulher e ser homem ao final do século 20?", resume Mariângela.
O Recheio
Como em todas as atividades realizadas pelo Sesc, a informação anda lado a lado com a cultura e o lazer. E Que Vantagem Maria Leva? não foge à regra: oferece entretenimento e a oportunidade de se discutir um tema tão necessário e atual. "Estamos enriquecendo o evento com personalidades pertinentes ao assunto", comenta Mariângela. "Como, por exemplo, Dona Ivone Lara (dia 10, às 16h na choperia), que tem uma história de vida fantástica. Ela foi a primeira mulher a escrever sambas-enredo. Nós a convidamos para fazer esse show e nos intervalos ela dará alguns depoimentos sobre sua história". A choperia e o teatro também serão palco para outros espetáculos musicais que garantem a ampliação do público sempre atraído pela música. Paralelamente, uma programação alternativa traz exposições fotográficas no hall do teatro e um ciclo de vídeos que retratam as transformações na relação entre homens e mulheres, seu universo afetivo e seus respectivos papéis sociais.
Na área físico-esportiva, a programação também promete ser intensa. Inicialmente, serão trabalhados aspectos ligados à sensibilização e à dança. Vivências teóricas e práticas irão abordar noções de convívio e meditação, como é o caso da aula Em Busca da Reconciliação Entre o Feminino e Masculino (dia 10, às 19h30 no conjunto esportivo), destinada a homens e mulheres que, por meio de danças circulares, fazem um resgate da jornada da vida relacionada ao feminino e masculino. Em Técnicas Meditativas (dia 11, às 20h no conjunto esportivo) são questionados os motivos pelos quais a experiência da meditação era prática exclusivamente masculina no passado e também porque as mulheres resolveram aderir à meditação. Corpo e Ventre Dançante (dia 12, às 18h conjunto esportivo) vai ainda mais além ao mostrar os benefícios energéticos que a dança do ventre proporciona às mulheres e, por que não, aos homens.
Na área dos esportes, a Maratona Esportiva Mista unirá ambos os sexos em várias atividades – dos patins à esgrima, demonstrações tentam provar que no esporte também não há distinções (dia 13, a partir das 10h no conjunto esportivo). O encerramento será com um show/aula aberta de dança de salão (dia 14, às 15h no deck).
Sejam por meio de debates, atividades físicas, shows musicais ou qualquer outra forma de convívio social, as atividades do Sesc Pompéia e das demais unidades da entidade visam principalmente fazer uma retrospectiva histórica sobre as relações humanas em geral. Há um questionamento quanto ao papel do homem, da mulher e mesmo da troca desses papéis. E mais do que nunca provar que características físicas, biológicas e comportamentais não são as únicas coisas que definem o homem e a mulher. "A mulher teve de começar sua luta rompendo valores e noções de moral, já o homem começa a mudar devido a essa mulher hoje transformada", finaliza Tereza.
Sesc Mulher
O evento Que Vantagem Maria Leva, que o Sesc Pompéia preparou para a semana do Dia Internacional da Mulher, é apenas uma das opções dentro do projeto Sesc Mulher. O Sesc Santo Amaro vem com o Abre Alas, com instalações artísticas, shows musicais, "bate papos" com diversas personalidades e campanhas de saúde. O Sesc São Caetano marca presença com o Raízes Femininas, que inclui aulas abertas, danças circulares, tai-chi-chuan, jogos, exibição, palestras e atividades para a terceira idade. No Sesc Interlagos, o bate-papo virtual é uma das atrações. Consultas e discussões sobre sensualidade feminina poderão ser realizadas via Internet. Já o Torneio Sesc Mulher de Futsal ganha conotação especial e a edição do Bem Brasil estará homenageando o Dia Internacional da Mulher.
Mulheres Criadoras é o nome escolhido pelo Sesc Consolação para abrigar o conjunto de atividades para essa data, com destaque para o encontro com Tatiana Belinky que falará sobre seu espetáculo Sopa de Pedra e que será encenada pelo grupo Núcleo Luz e Ribalta, além de um encontro com Lygia Fagundes Telles, falando sobre sua obra e seu processo criativo. O Sesc Vila Mariana, o Itaquera e o Carmo também não esqueceram das mulheres. O primeiro traz suas atividades habituais com um "toque feminino" e promete tornar o humor um dos pontos marcantes da programação. A unidade campestre de Itaquera abriu o Clube da Luluzinha, com gincanas, jogos, aulas de dança do ventre, palestras e exposições. Por fim, o Carmo promove discussões e trocas de experiências nos Ciclos Femininos e uma caminhada até o Parque da Aclimação com direito a danças havaianas no final.
No interior, a programação é extensa e variada: desde shows até debates com a participação de personalidades das artes e especialistas em comportamento. No Sesc Bauru, o evento As traz oito cantoras se apresentando e afirmando, através da voz, as realizações e individualidade da mulher. Entre elas, destaque para Vânia Bastos, que estará também no Sesc Catanduva como parte da programação da unidade para homenagear as mulheres. Essa unidade do Sesc também preparou jogos e palestras, como A Mulher no Esporte do Ano 2000 e Uma Nova Mulher, abordando o amor e a sensualidade. O Sesc Mulher na unidade Piracicaba estará desenvolvendo workshops de dança havaiana e cigana, e oficinas de mecânica automobilística para mulheres, além de diversas palestras sobre violência, sexualidade, TPM e mercado de trabalho. Elis Mulher é o tema escolhido pelo Sesc Ribeirão Preto com o objetivo de homenagear Elis Regina, uma grande mulher e artista brasileira, com exposições fotográficas sobre a cantora, espetáculos de dança baseado nas suas interpretações, e um show musical com a cantora Joyce. No Sesc Rio Preto, haverá uma palestra com a sexóloga Marta Suplicy e o espetáculo Elis Regina, criado e interpretado por Denise Stoklos, entre outras atrações, como o Torneio Comemorativo do Dia da Mulher. Em Santos, a unidade resolveu abordar o tema "Cidadã, cidadão solidários pelo fim da violência contra a mulher", com shows musicais, clínicas esportivas, palestras e a abertura do Espaço Mulher, com apresentações e performances enfocando questões relacionadas ao cotidiano feminino. Em São José dos Campos, o evento é o Mulheres em Revista que segue a linha de palestras, clínicas e workshops. As cantoras Farid Maria, Eleni Matera e Cidinha Castro apresentam o show musical Guerreiras, no Sesc Taubaté. No Sesc São Carlos, acontece a palestra "Mulher: O Que Mudou?", que leva especialistas em comportamento justamente para responder a essa pergunta, com outros encontros para discutir os mistérios e segredos do corpo da mulher. Finalmente, no Sesc Birigui, vivências abordarão a sensibilização corporal e a dança como terapia, além de ter um show com a cantora francesa Manu Le Prince e cursos de dança. É programação para ninguém botar defeito. Horários, datas e outras informações na PROGRAMAÇÃO.