Postado em 05/07/2005
Fecomercio e Fipe apresentam proposta para simplificar relações entre empresas e governo
HERBERT CARVALHO
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Depois de um bem-sucedido esforço para controlar a inflação, representado pelo Plano Real, o Brasil mais uma vez está diante de uma encruzilhada, evidenciada pela seguinte questão: o que fazer para aproveitar plenamente a excepcional "janela" de oportunidades oferecida pelo cenário mundial favorável e consolidar um ciclo de expansão econômica que vá além dos soluços ou vôos de galinha?
As previsões de crescimento para 2006 de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) nos deixam em situação incômoda, abaixo da África, da Europa Oriental, da maioria dos países da América Latina e da média mundial. Mais grave do que estarmos inferiorizados é o fato de que, após ter apresentado evolução média de 7% ao ano entre 1930 e 1980, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro estagnou nos últimos 25 anos em medíocres 2,5% anuais. Nessa toada, levaremos 80 anos para dobrar a renda per capita dos brasileiros, que é de apenas US$ 3 mil, contra US$ 20 mil nos países desenvolvidos.
O controle da inflação é, sem dúvida, uma das condições para a expansão econômica, mas outras precisam ser satisfeitas para que o Brasil volte a crescer de acordo com o potencial de seus recursos e as necessidades de sua população. Em dez anos de estabilidade monetária (1994/2004), a renda per capita aumentou apenas 8,7%, irrisórios 0,8% ao ano.
Quais fatores desencorajam os investimentos que fariam a economia brasileira retomar o dinamismo que já ostentou no passado? Estudos internacionais destacam que as condições para o desenvolvimento de empreendimentos econômicos no país são, freqüentemente, bastante precárias. As causas estão hoje menos associadas à instabilidade macroeconômica ou às deficiências que persistem na infra-estrutura e mais vinculadas à burocracia, às dificuldades para abertura e fechamento de empresas, às mudanças constantes de regras e à complexidade de funcionamento das instituições em áreas fundamentais para a economia, como a tributária e a trabalhista.
Para equacionar essas questões e remover os entraves, a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio SP) solicitou a uma equipe da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), vinculada à Universidade de São Paulo, um diagnóstico a respeito dos altos custos de transação na economia brasileira, com propostas para simplificar a relação entre empresas e governo nas áreas mais críticas.
O resultado desse estudo, coordenado pela professora Maria Helena Zockun, foi o projeto Simplificando o Brasil, detalhado em eventos realizados no primeiro semestre deste ano, destinados a debater as propostas com a sociedade para depois apresentá-las aos candidatos às próximas eleições. "São idéias desenvolvidas por especialistas, que merecem ser vistas com um olhar livre de preconceitos partidários ou ideológicos. Nossas aspirações são as mesmas de toda a sociedade brasileira: reduzir os preços na economia; combater a informalidade; estimular o consumo, a poupança e os investimentos público e privado; promover a redistribuição da renda e aumentar a transparência, dificultando a corrupção e as fraudes", explica o presidente da Fecomercio, empresário Abram Szajman.
O deputado federal Walter Barelli (PSDB-SP), ex-ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, participou dos debates e elogia a iniciativa: "Essa nova forma de as associações empresariais trabalharem, contratando profissionais competentes para uma prospecção de futuro, pode servir de modelo, porque a universidade tem capacidade de contribuir". A discussão tem revelado um alto grau de concordância em torno do diagnóstico, embora surjam dúvidas e críticas quanto às propostas de reforma tributária e trabalhista, algumas consideradas excessivamente radicais. Em relação às medidas para desburocratização, o consenso volta a predominar.
Custos de transação
"Não há uma causa única que explique o atraso econômico do Brasil, mas certamente uma delas são os elevados custos de transação. A produtividade de uma economia, medida por sua renda per capita, não depende apenas do custo de produção, da tecnologia e do uso eficiente dos recursos naturais, de capital e trabalho na produção dos bens e serviços. As trocas no mercado envolvem custos de transação que influenciam as decisões dos agentes econômicos", explica a professora Maria Helena, acrescentando: "No Brasil, esses custos são muito elevados, quando comparados aos de outros países, e estão afetando negativamente as decisões de investimento.
De acordo com a pesquisa da Fipe, o fraco posicionamento do Brasil na atração de investimentos deriva de três fatores: complexidade do sistema tributário, caracterizado por grande número de tributos, cada um deles com regras de aplicação opacas e instáveis; complexidade da legislação trabalhista, que torna muito elevado o custo do trabalho formal; excesso de burocracia para operar e investir, além da que sobrecarrega os sistemas tributário e trabalhista, exigindo muito mais tempo que em outros países.
"Onde impera a dificuldade, sempre há alguém para vender facilidades: esse quadro se agrava pela corrupção em todos os níveis de governo e pela elevada carga tributária", constata Abram Szajman. Suas palavras são confirmadas por pesquisas do Banco Mundial (Bird), realizadas com empresários de diversos países para apurar quais os obstáculos enfrentados para o funcionamento e crescimento dos negócios em países emergentes.
Em relação ao Brasil, os maiores problemas apontados são o excesso de tributos e alíquotas altas, pesados encargos sociais sobre a folha de pagamentos, interferência da Justiça do Trabalho nos conflitos laborais e morosidade administrativa, que pode fazer com que a obtenção de licenças ambientais ou autorizações para construir demande meses e mesmo anos. Intervenção nos mercados, muita burocracia e baixa transparência das ações governamentais resultam em corrupção generalizada, que se acentua com a impunidade, revelam os indicadores contidos no "Investment Climate Surveys", levantamento que o Bird faz sobre o ambiente para investimentos nos diferentes países.
Tributos perversos
Entre 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, e 5 de outubro de 2004 foram editadas 3.315.947 novas normas pela União, estados e municípios para reger a vida do cidadão. Foram em média 832 regras por dia (55 em matéria tributária), das quais o cidadão teria de tomar conhecimento, se isso fosse possível. O resultado foi a colocação do Brasil entre os países com mais alto custo de administração tributária no mundo: 0,36% do PIB, o dobro do percentual registrado nos Estados Unidos.
"Mudanças e criação de impostos são muito freqüentes no Brasil, e isso exige a constante assimilação de novos procedimentos – um processo caro e problemático. Um terço do Judiciário trabalha exclusivamente para discutir assuntos de natureza tributária", explica o contador e economista Aldo Vincenzo Bertolucci, autor de pesquisas sobre os custos de pagamento e administração de tributos.
Em sua tese de doutorado, defendida em novembro do ano passado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), Bertolucci analisou quanto é gasto pelo fisco brasileiro na administração dos tributos federais – pagamento de funcionários, despesas gerais, com informática e procuradorias – e comparou com a situação de outros países. "Os custos são muito altos. Ficam atrás apenas dos do fisco português", afirma o pesquisador, que atribui o problema à complexidade da legislação tributária. "É necessário simplificá-la", defende.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária no país, que era de 25% do PIB antes do Plano Real, continua sua trajetória de alta, passando de 36,8% em 2004 para 37,82% em 2005, percentual que representa a soma da arrecadação de todos os tributos federais, estaduais e municipais. Isso, segundo o IBPT, significa uma carga tributária maior que a de 13 dos 16 países que compõem as maiores economias mundiais. Somente França e Itália superam o Brasil nesse quesito.
Pelos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro totalizou R$ 1,94 trilhão no ano passado, fazendo a arrecadação nos três níveis atingir a espetacular soma de R$ 732,87 bilhões – uma tributação anual per capita de R$ 3.095,34 (era de R$ 2.738,95 em 2002). Para o IBPT, esses números significam que o brasileiro terá de trabalhar quatro meses e 25 dias no ano em curso somente para pagar impostos. Quase o dobro da relação observada nas décadas de 1970 e 80, que era de dois meses e meio.
Para o economista Antonio Carlos Borges, diretor executivo da Fecomercio SP, o sistema tributário brasileiro não é apenas absurdamente caro, mas representa também um perverso processo de transferência de renda dos mais pobres para os mais favorecidos. "A progressividade atual de impostos diretos como IPVA, IPTU, ITR, Imposto de Renda e contribuições previdenciárias é insuficiente para compensar a regressividade dos tributos indiretos, como o ICMS, que não levam em conta a capacidade contributiva do cidadão. Ao contrário, os percentuais de gastos com tributos indiretos se reduzem à medida que aumenta a renda das famílias, expondo toda a injustiça inerente a esse tipo de tributação", afirma Borges. Segundo ele, a redução da carga tributária e o fim da regressividade do sistema permitiriam promover a distribuição de renda e o aumento do potencial de consumo do mercado interno.
Em termos federativos, hoje o sistema tributário é tão mais regressivo quanto mais pobre for o estado. Por exemplo, famílias com renda de até 2 salários mínimos gastam com IPI, ICMS, PIS e Cofins cerca de 25,8% de sua renda se estiverem na capital de São Paulo e 30,1% se estiverem em Belém do Pará.
O economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP e coordenador dos módulos de debate do Simplificando o Brasil, disse que o estudo contém grave denúncia no campo social, à qual a mídia deveria dar a devida divulgação: a transformação dos pobres em miseráveis, operada pelas duas últimas administrações federais. Citando o dado segundo o qual entre 1996 e 2004 a tributação saltou de 28,2% para 48,8% da renda total de quem ganha até dois salários mínimos, indignou-se: "Os pobres recebem dos políticos palavras de consolo e bolsas disso ou daquilo, ao mesmo tempo em que 50% da sua renda é tragada por um sistema iníquo".
De acordo com Paulo Rabello, há sete idéias básicas que devem nortear a simplificação tributária: 1) cada real arrecadado tem de custar pouco ao Estado; 2) a tributação não deve interferir nas decisões de investimentos; 3) acabar com a guerra fiscal entre estados e municípios; 4) cada cidadão deve contribuir na medida de sua capacidade econômica; 5) exportar impostos prejudica a competitividade dos produtos brasileiros; 6) a complexidade tributária distorce a competição entre grandes e pequenas empresas; 7) eliminar o trânsito de carimbos e papéis entre o fisco e o contribuinte. Esses princípios foram ignorados nas sucessivas e frustradas tentativas de reforma tributária, que apenas acabaram conseguindo o que parecia impossível: tornar o sistema ainda mais caro e complicado. O que ocorreu com o Simples federal, criado para implementar o preceito constitucional que garante tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas, é emblemático. Como os valores para enquadramento estavam congelados há dez anos, depois de muita pressão o governo aceitou dobrá-los. Mas em seguida editou uma medida provisória estabelecendo dez novas faixas de alíquotas e inviabilizando, na prática, a permanência de muitas empresas de pequeno porte no Simples.
Lembrando que não é a empresa quem paga o imposto, uma vez que ele é transferido aos consumidores no preço dos bens e serviços vendidos, Maria Helena Zockun adverte: "Como os valores são recolhidos pelas empresas, independentemente de terem sido cobrados do consumidor, as menos produtivas se vêem diante de três alternativas: ou recolhem ao fisco a totalidade do tributo, retirando parte dos recursos do seu capital e comprometendo a própria sobrevivência, ou ficam inadimplentes, ou ainda submergem na informalidade".
Corte de gastos
A proposta de reforma tributária alinhavada pela Fipe tem dois eixos principais. No primeiro se promove a unificação dos tributos indiretos que incidem sobre bens e serviços – ICMS, IPI, ISS, PIS/Pasep, Cofins e Simples – em um único imposto sobre o consumo, de competência federal. No segundo, a idéia é obter a fusão de todos os tributos que incidem sobre a renda – IRPF, IRPJ, CSLL e contribuições previdenciárias – em um único imposto de renda, abrangente e também de competência federal.
Esses dois novos impostos seriam compartilhados entre União, estados e municípios de forma a garantir que cada ente federal mantivesse sua participação atual sobre o montante arrecadado. No sistema vigente, 41% do total já é compartilhado: a União repassa 20% do que arrecada para estados e municípios, e os estados entregam mais 21% de sua fatia aos municípios. No sistema proposto, a arrecadação centraliza-se na União, que repassa 70% do total aos demais entes federados.
O imposto sobre consumo incidiria sobre bens e serviços nacionais ou importados e sobre o valor adicionado de todos os setores sem exceção, com uma alíquota única de 12%. Sua base de cálculo não incluiria o próprio imposto. Os investimentos e as exportações não seriam tributados, pois não configuram consumo interno. Também deixaria de existir a questão de origem ou destino em operações interestaduais, já que o tributo seria federal e com alíquota única. Essas características acabariam com as distorções atuais entre estados e faixas de renda e as configuradas pela guerra fiscal, incidência sobre exportação e investimentos, regressividade e renúncia fiscal.
As principais características do imposto de renda abrangente proposto seriam: incidência sobre todos os rendimentos, como salários, juros, lucro, aluguéis e ganhos de capital. Haveria uma alíquota única de 17%, sem abatimentos, deduções ou isenções, suficiente para manter a arrecadação total do país em 28% do PIB, patamar considerado adequado ao nosso nível de renda e às necessidades de crescimento econômico.
O corte nos gastos do governo deve preceder a reforma tributária. A redução do tamanho do Estado na economia teria de ser proporcional aos efeitos desejados. Hoje as despesas do governo se situam 25% acima da média internacional e, se nada for feito, dobrarão em 20 anos.
O aumento do gasto até se justificaria, caso a qualidade de vida da população tivesse melhorado na mesma proporção. Mas a verdade é que o Estado brasileiro gasta muito e mal, porque privilegia os setores com melhor acesso aos centros de poder. A ineficiência no gerenciamento das despesas provocou, entre outras coisas, a redução de investimentos em saneamento básico e infra-estrutura, afetando diretamente a população.
Estima-se que, no Brasil, as empresas de capital aberto destinem em média 0,33% de seu faturamento só ao custeio da burocracia exigida no cumprimento das obrigações fiscais. Quanto menor a empresa, maior esse percentual, atingindo 1,7% naquelas com faturamento anual inferior a R$ 100 milhões. São custos relativos ao estudo, discussão, definição, cumprimento e acompanhamento das disposições tributárias e de suas modificações legais, decorrentes do papel de agente arrecadador que elas exercem. As empresas aqui instaladas cobram, em nome do fisco, impostos dos consumidores, dos trabalhadores e dos acionistas, para repassá-los ao governo.
Esses custos podem ser reduzidos, de acordo com a Fipe, por meio da aplicação de alguns critérios que orientam todos os sistemas tributários racionais: menor número de tributos, alíquotas únicas, redução no número de normas, definição clara e estabilidade das regras, ausência de exceções e formulários simples. A simplificação será ampliada se a informatização das declarações e dos pagamentos, já desenvolvida nas áreas administrativas dos fiscos federal e de alguns estados, for estendida às demais unidades da Federação e a todos os municípios.
A proposta de apenas dois impostos com alíquotas únicas, entretanto, foi alvo de críticas. Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista, diz que estados e municípios "não se conformariam em perder a capacidade de tributar". Ele discorda também da alíquota única: "É inimaginável prosperar uma proposta que tribute com os mesmos 12% a fábrica de cigarros e o hospital do câncer". Marcos Cintra, professor da Fundação Getúlio Vargas, considera que "apesar de avançar e inovar ao propor drástica redução nas bases tributárias" o estudo comete "um erro capital: repudia a experiência acumulada no Brasil com o uso da movimentação financeira como base de incidência".
Regulação criativa
Em relação à área trabalhista, também há muito a ser feito. De cada R$ 100 que uma empresa gasta com a folha de pagamentos, o trabalhador leva para casa apenas R$ 65,30. O restante vai para o governo na forma de impostos e contribuições.
"Essa realidade torna necessário, além de reduzir impostos sobre trabalho e capital, simplificar as exigências legais para minimizar a informalidade. Acreditamos que é possível encontrar um meio-termo entre as demandas por maior desregulamentação e a necessária defesa dos direitos básicos do trabalhador", argumenta Paulo Rabello.
De fato, a sexagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é detalhista e difícil de ser cumprida. Ela ignora a complexidade do mercado de trabalho, composto de inúmeros segmentos e de diferentes portes de empresas e localizações geográficas.
O professor Hélio Zylberstajn, encarregado de expor a proposta da Fipe na área trabalhista, disse que é correta a imposição, prevista na atual legislação, de custos crescentes para a empresa que demite com mais freqüência. "O problema é que a regra vale para todas as situações, e o custo é o mesmo para realidades distintas. Há empresas que poderiam demitir menos, que exageram na rotatividade, enquanto outras precisam demitir com freqüência, como as que atuam na agricultura e na construção civil", explica.
A Fipe propõe que as empresas possam escolher critérios para demitir, a partir de um leque de opções. Essas novas regras diferenciariam os empregos de curta duração – possíveis em consórcios de empregadores nos quais, ao terminar a tarefa em uma empresa, o empregado passaria para outra – dos empregos contínuos. Nesse caso, a empresa que quisesse sair do eixo CLT-Justiça do Trabalho teria de admitir a representação sindical no local de trabalho e negociar com os empregados todas as condições da relação laboral, incluindo as regras para demissão, nos moldes previstos pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição e na CLT seriam substituídos por uma "lista enxuta de direitos individuais", que seriam mais direitos humanos do que propriamente trabalhistas: limitação da jornada, salário mínimo, férias, saúde e segurança no trabalho, proteção à mulher e à criança, proibição de discriminação e alguns poucos mais. "Tudo o mais fica para a negociação entre a empresa e seus empregados", acrescenta Zylberstajn.
Haveria ainda a categoria dos "empregados auto-suficientes" – como gerentes e outros de alta qualificação –, cujos contratos de trabalho se transformariam em contratos comerciais, com eventuais conflitos dirimidos por arbitragem ou pela Justiça comum, como já ocorre com alguns artistas e jogadores de futebol mais famosos.
Finalmente, seriam eliminados todos os impostos e contribuições de empregados e de empregadores sobre a folha de salários, à exceção do Imposto de Renda com alíquota única, conforme detalhado na proposta de reforma tributária.
Entretanto, apenas a desoneração da folha de pagamentos, embora seja importante, não resolverá o problema da informalidade, opina Zylberstajn: "Ela deve ser acompanhada por menos burocracia e melhor acesso a crédito e a tecnologia por parte das empresas".
Para o deputado Barelli, a proposta deve ser vista como um roteiro de construção do futuro: "Depois de ter sido ministro do Trabalho e ter participado de várias tentativas de reformar a legislação trabalhista, estou convencido de que assim como a CLT foi feita por capítulos, sua flexibilização também deve ocorrer por etapas. Este país necessita pensar no longo prazo, precisa ter discussões como esta, mas sabendo que elas são tentativas de iluminar o caminho. Mas o caminho vai ser feito ao caminhar", disse, lembrando o poeta espanhol Antonio Machado.
O professor titular de Relações do Trabalho da FEA/USP, José Pastore, ex-representante do Brasil na OIT, disse ter simpatia por vários dos pontos apresentados pela Fipe. "O trabalho não é uma commodity, precisa ser regulamentado de forma criativa. Convém combinar vários tipos de regulação, lei com negociação e contrato. Também me parece interessante a idéia de atrelar os sindicatos ao conceito de representatividade, para dar-lhes legitimidade, que hoje muitos não têm." Mas questionou a viabilidade política de uma mudança radical. "Em nosso regime, as corporações têm muito peso, infelizmente. Por isso, as reformas devem ser parciais. A reforma radical é válida do ponto de vista conceitual, mas inviável politicamente", avaliou.
Burocracia
De acordo com a definição do sociólogo alemão Max Weber, a burocracia é um instrumento de poder e dominação baseado numa ordem legal impessoal, de onde emanam as regras e normas. Em outras palavras, para racionalizar e tornar mais eficientes suas atividades, à medida que estas se concentram e se multiplicam, toda grande organização produz um sistema de regras impessoais para definir responsabilidades e meios de atuação, baseado na divisão do trabalho: a consecução dos objetivos é alcançada pelo desdobramento da tarefa total no número máximo de tarefas especializadas e relativamente simples, de tal modo que os encarregados, pela repetição continuada, possam adquirir rapidez e destreza na execução da parte que lhes cabe.
Nessa estrutura, os desdobramentos das tarefas devem ser definidos por uma autoridade central, que conhece os objetivos globais da organização e se incumbe de supervisionar e coordenar as atividades parciais. Se a burocracia se justifica na teoria como aparato administrativo, o número exagerado de regras é uma de suas piores disfunções. O acúmulo de normas que devem ser rigorosamente cumpridas gera o que a Fipe chama de "incapacidade treinada" para a adoção de outras condutas, quando elas seriam requeridas diante de novas situações.
Também ocorre o contrário: o excesso de normas expressa a tentativa de adaptar os procedimentos, mas a instabilidade das regras, muitas vezes redigidas de forma obscura, cria espaço para interpretações subjetivas do burocrata, que assim adquire a capacidade de tornar pessoal o que deve ser impessoal, abrindo espaço para a corrupção. A burocracia desestimula aumentos de produtividade na máquina administrativa, e o corporativismo dos burocratas provoca a hostilidade do grupo em relação aos clientes e cidadãos comuns.
No Brasil, a burocracia impõe às empresas custos mais elevados do que em outros países. São pequenas dificuldades que, somadas, se transformam num grande entrave: as atividades de atendimento regulatório consomem 7,6% do tempo administrativo das empresas brasileiras, contra 4,1%, em média, na América Latina. Como no desempenho do PIB no ano passado, só o Haiti está em situação pior que a nossa nesse quesito.
Parte das dificuldades que o empresário encontra deriva da organização federativa do país, de acordo com a qual União, estados e municípios criam seus próprios procedimentos, num cipoal de regras que confunde e onera investimentos e operações das empresas. O exemplo mais gritante de entrave burocrático é o tempo gasto para abrir uma empresa no Brasil, de 152 dias, contra dois dias na Austrália, quatro nos Estados Unidos, 28 no Chile, 51 no México e 68 na vizinha Argentina.
O próprio governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que visa reduzir esse prazo para 15 dias. "A aprovação desse projeto é urgente e resultará em uma melhoria sistêmica da competitividade das empresas brasileiras, além de incentivar a formalização e a geração de empregos", argumenta o ministro Luiz Fernando Furlan.
Pela proposta, seriam unificados os órgãos de registro em uma rede nacional e limitados ao mínimo indispensável os documentos e as certidões exigidos. Hoje, os interessados em abrir uma empresa têm de fornecer os mesmos dados para vários órgãos, já que os sistemas informatizados são isolados. Com a integração, os documentos só precisariam ser apresentados em um único momento. Além disso, atualmente há um prazo longo para concessão de alvará definitivo. O projeto define que as empresas possam entrar em funcionamento de imediato, com a concessão do alvará provisório, exceto em atividades consideradas de alto risco.
Licenças e autorizações
De acordo com o trabalho da Fipe, além do que se refere aos trâmites para abertura e fechamento, a burocracia inferniza a vida das empresas nas áreas trabalhista, previdenciária, tributária, ambiental, de uso do solo, civil e outras. Os maiores problemas são a excessiva freqüência dos pedidos de informações, dificuldades para obter licenciamento, dispersão dos órgãos aos quais as empresas devem reportar-se, prazos exíguos e multas pesadas. Salvo em alguns poucos casos, a burocracia pública não está sujeita a prazos de resposta quando acionada pelo setor privado. Na proposta do Simplificando o Brasil, a reforma do aparelho burocrático deve se pautar pelo princípio de poucas regras e ausência de exceções, o que beneficiaria em especial as micro e pequenas empresas, que não dispõem dos mesmos recursos das grandes para atender à miríade de exigências atuais.
A construção, instalação, expansão ou operação de qualquer empresa potencialmente poluidora demanda, como é natural, o licenciamento em agências ambientais. Ocorre que estas atuam em múltiplas jurisdições, por vezes sobrepostas. Tal complexidade coloca o tempo necessário para conseguir uma licença ambiental no Brasil – dois anos em média – como um dos maiores do mundo. Esse prazo não é tão longo mesmo em países muito rigorosos nesse tipo de análise: nos Estados Unidos, a concessão de uma licença ambiental leva, em média, um ano; na Holanda, seis meses, e na Inglaterra, Dinamarca e Noruega, cinco meses. Também nesse caso a proposta é unificar a atuação das agências controladoras que operam nos níveis federal, estadual e municipal para análise dos pedidos.
A aquisição de bens imóveis para uma atividade econômica constitui outro processo complicado e moroso. Os procedimentos variam e demandam até 12 meses, dependendo da atividade da empresa e do município, contra apenas 90 dias em Portugal. Para superar esse obstáculo a idéia é homogeneizar e desenvolver um sistema racional e transparente de processamento de pedidos em todo o país, estabelecendo diretrizes nacionais para a elaboração dos planos locais de zoneamento e ocupação do solo.
No caso de projetos que incluem a construção de novas instalações, o investidor também se depara com um longo, complexo e oneroso processo. Cada exigência feita pelo poder público – alvará de construção, habite-se, licença de ocupação, aprovações sanitárias e ambientais, certidões negativas, aceitações de instituições municipais, estaduais e federais, conexão de serviços básicos – envolve a aprovação em múltiplas instâncias, que pode demandar meses ou anos. Esses procedimentos acabam obrigando a recorrer a despachantes, o que inviabiliza o empreendimento para os pequenos investidores. Não raro os processos só são "agilizados" mediante pagamentos irregulares aos agentes públicos.
As sugestões da Fipe para superar esses obstáculos são: criação, por estados e municípios, de um plano claro de zoneamento de seu território, baseado em diretrizes do poder central, e estímulo ao desenvolvimento de novas áreas para uso industrial e comercial nos municípios com essa vocação, assim como ao estabelecimento de parques fabris que, com a cooperação dos setores público e privado, tornem disponível o acesso a imóveis industriais atendidos por serviços públicos, sem entraves burocráticos.
Prazos e orientação
A morosidade dos órgãos públicos – com a concentração da burocracia mais nos processos do que nas suas finalidades – redunda num custo social que pode ser evitado fixando-se prazos para a resposta ao pleito ou solicitação efetuada. Após a data fixada, não ocorrendo a resposta, o pleito seria considerado aprovado, e o comprovante da solicitação valeria como documento.
Muitas vezes as empresas deixam de cumprir a lei por desconhecimento e dificuldade de interpretação. Dado o número excessivo de normas e a falta de clareza dos dispositivos legais, as irregularidades hoje são dificilmente evitáveis, o que amplia de forma perigosa o poder da fiscalização.
Para evitar essa distorção, a Fipe propõe que em qualquer área da relação entre o Estado e as empresas o fiscal não possa aplicar multa na primeira constatação de irregularidade. Nessa visita inicial haveria apenas orientação ao empresário. Somente a partir da segunda constatação da mesma irregularidade, após um prazo adequado, em que esta poderia ter sido sanada, o processo de fiscalização transcorreria normalmente, com aplicação de multa.
Quebra-cabeça tributário
A proposta Fipe/Fecomercio visa substituir um cipoal de tributos por apenas dois: um imposto sobre consumo e um imposto de renda abrangente. Abaixo as siglas mais conhecidas do contribuinte brasileiro.
• Cofins: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
• CSLL: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
• ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
• IPI: Imposto sobre Produtos Industrializados
• IPTU: Imposto Predial e Territorial Urbano
• IPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
• IRPF: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física
• IRPJ: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica
• ISS: Imposto sobre Serviços
• ITR: Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural
• Pasep: Contribuição para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
• PIS: Contribuição para o Programa de Integração Social
• Simples: Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte