Postado em 24/07/2006
Produtos com apelo tropical conquistam espaço no mercado internacional
ALBERTO MAWAKDIYE
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A imagem algo idílica que os estrangeiros fazem do Brasil – um país de natureza exuberante e colorida, habitado por um povo descontraído, com gosto pelo rústico e apaixonado por sol e praia – já não está beneficiando apenas o turismo. Os industriais brasileiros começam a perceber que esse retrato, tão pouco tecnológico e que caberia melhor num cartão-postal do que num catálogo de produtos, pode também ajudá-los a aumentar as vendas no exterior de uma infinidade de bens de consumo.
Produtos com design que remete ao colorido e ao despojamento brasileiro estão sendo vendidos hoje em várias partes do planeta – em quantidades ainda relativamente pequenas, mas suficientes para preocupar a concorrência. E não exatamente por baixo preço, uma prerrogativa que parece ser mesmo dos chineses. É cada vez mais comum ver sandálias, biquínis e guarda-sóis, utensílios domésticos, jóias e bijuterias, todos feitos no Brasil, em disputadas vitrines de grife da Europa, dos Estados Unidos e do Japão.
O exemplo das sandálias Havaianas, o singelo calçado de borracha lançado pela São Paulo Alpargatas nos distantes anos 1960, é sem dúvida o mais emblemático. Desde 1994, quando recebeu "um banho de design" e passou a ser vendida no Brasil e no exterior em modelos monocromáticos e de tons fortes, a sandália é um autêntico ícone dos descolados europeus e norte-americanos, que não hesitam em pagar até US$ 20 por um único par – que não custa mais do que US$ 3 no Brasil. A atriz Nicole Kidman já foi fotografada usando Havaianas, e revistas sofisticadas como "Elle" e "Metropolitan" já recomendaram às suas leitoras que aderissem à moda. A sandália é um fenômeno até de vendas, ao contrário da média dos produtos com a "grife Brasil" com presença no exterior: são, hoje, quase 4 milhões de unidades comercializadas por ano.
Marcas sofisticadas e descontraídas como a Marisol, de roupas infantis, e a Poko Pano, de biquínis e maiôs, viraram igualmente coqueluche internacional. O Brasil está, aliás, até ditando as regras no segmento de moda praia: vários fabricantes europeus e norte-americanos tiveram de passar a produzir maiôs quase tão pequenos, justos e cavados como os brasileiros, e com as mesmas cores berrantes que enfeitam as praias nacionais durante o verão, para não perder ainda mais mercado.
A invasão do que talvez já possa ser chamado de "estilo brasileiro" não vem se limitando, porém, a esses itens que quase resvalam no supérfluo. Produtos cerâmicos, artigos de mobiliário – principalmente aqueles voltados para escritórios – e até eletrodomésticos com desenhos, cores e materiais que remetem ao Brasil Tropical já estão, do mesmo modo, virando objetos de desejo de muitos consumidores estrangeiros.
Os móveis assinados pelos irmãos Fernando e Humberto Campana ganharam, por exemplo, tanto renome internacional que hoje ambos podem se dar ao luxo de desenvolver modelos para fabricantes italianas como a Edra e a Alessi. Os multicoloridos refrigeradores e freezers da Multibrás são encontrados com facilidade cada vez maior em casas indianas e norte-americanas. Já o ventilador de teto Spirit, de policarbonato e inéditas duas pás, desenvolvido pelo estúdio do carioca Guto Índio da Costa, é tido como um dos maiores casos de sucesso além-fronteiras de um produto "inventado" no Brasil.
"Hoje, uma parte significativa das exportações industriais brasileiras já é constituída de itens desenvolvidos com foco no design nativo", afirma Rodrigo Souza, gerente do projeto Design Excellence Brazil, da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). "São produtos de alto valor agregado, não porque sua fabricação envolva necessariamente alta tecnologia, mas porque oferecem diferenciais estéticos e funcionais realmente únicos."
Recuperação
De acordo com Souza, o design nacional já estaria até contribuindo para a lenta mas segura recuperação, no ranking de exportações brasileiro, dos produtos industrializados – categoria que vinha experimentando queda na sua participação, na comparação com as commodities, como grãos e minérios, e com os semimanufaturados. De fato, no ano passado, o volume exportado de manufaturados registrou alta de 12,7% em relação a 2004, fazendo com que aumentasse de 54,9% para 55,1% sua fatia no bolo das exportações.
Obviamente, boa parte desse crescimento deve-se à recente explosão de vendas externas de artigos como telefones celulares (cujo volume dobrou em 2005), automóveis e tratores – fabricados por multinacionais que costumam importar seus projetos da matriz – ou mesmo dos aviões da Embraer, desenhados parcialmente no Brasil, mas nos quais o conceito de design tem outra conotação. De qualquer forma, apenas o setor têxtil – um dos que mais investem em design próprio, principalmente nos segmentos de lingerie, jeans e ginástica, além dos de moda praia e infantil – comercializou no ano passado quase US$ 1,5 bilhão no mercado internacional. Já a exportação de jóias e bijuterias superou os US$ 200 milhões. De seu lado, a expectativa do segmento de móveis é alcançar US$ 1,2 bilhão em vendas externas neste ano.
"Os empresários brasileiros parecem estar descobrindo, finalmente, que em alguns segmentos não há o menor sentido em investir na cultura da cópia", analisa Lincoln Seragini, diretor de um dos mais tradicionais escritórios de design do país, o paulistano Seragini Farné, e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Design (Abedesign). "Temos uma personalidade cultural que é reconhecida no mundo inteiro. Por que não nos aproveitarmos disso para fazer bons negócios?"
Seragini se confessa, aliás, surpreendido com o tempo que os empresários brasileiros levaram para constatar que investir em produtos com a cara do país poderia dar bons resultados. De fato, esse movimento começou, em escala industrial, há cerca de uma década, o que pode ser mesmo considerado um desperdício histórico, na medida em que o Brasil já possuía uma indústria de certo porte no final dos anos 1950, e poderia estar empregando esses diferenciais desde aquela época.
Na verdade, até a década de 1980, os investimentos brasileiros em design restringiam-se ao segmento de móveis e luminárias, e um pouco ao setor gráfico e de embalagens, e mesmo assim dirigidos às faixas de consumo de elite. Design era sinônimo de artesanato de luxo, apesar das tentativas de popularização de alguns pioneiros como Zanine Caldas, Geraldo de Barros e Michel Arnout nos anos 1960.
De qualquer forma, boa parte dos méritos pela "descoberta" do design como ferramenta de vendas na década de 1990 deveria ser debitada menos a esse tardio insight dos empresários do que às próprias demandas do mercado, principalmente a partir da implantação do Plano Real, em 1994, que abriu maiores possibilidades de consumo para as classes C e D. Descobriu-se então o óbvio, que as classes populares também tinham preferências estéticas enquanto consumidoras e ansiavam por produtos com novos desenhos e materiais, naturalmente com preços baixos.
É nessa época que começa o namoro entre os fabricantes e os escritórios de design e a inundação do mercado por produtos baratos e com desenhos e padrões arrojados, como as próprias sandálias Havaianas monocromáticas, a lavadora Nina e o Pop Tank, da catarinense Mueller, estes últimos desenvolvidos pelo escritório paulistano Chelles & Hayashi. São igualmente desse período a linha de equipamentos sanitários populares da Tigre, desenhada pela Keenwork Design, e os móveis da também catarinense Rudnick, projetados por Luciano Deviá. "Tentamos responder aos desejos de sofisticação da clientela brasileira", lembra Domingos Sávio Rigoni, presidente da capixaba Movelar e da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel). "A produção de móveis se tornou mais criativa e diversificada a partir de então, o que antes era uma prerrogativa apenas das linhas top".
Materiais
A globalização, evidentemente, também cumpriu seu papel. Tornando os produtos cada vez mais parecidos em termos de qualidade funcional e preço, a internacionalização do mercado experimentada a partir do começo da década de 1990 forçou as empresas de todo o planeta – inclusive as brasileiras – a buscar no desenho alguma forma de diferenciação.
Até mesmo a revolução dos materiais – com o desenvolvimento de plásticos cada vez mais translúcidos e trabalháveis – e a preocupação ecológica, que fez aumentar a produção de objetos a partir de componentes ambientalmente corretos (como a madeira resultante de manejo sustentável), contribuíram para que as empresas brasileiras passassem a ver o design não mais como um fator de elevação de custos, mas como um aliado em suas estratégias de crescimento.
"A verdade é que, até as grandes mudanças econômicas da década de 1990, os escritórios brasileiros de design eram considerados quase supérfluos, e por isso não tinham voz ativa no mercado", resume Sheila Brabo, gerente do Centro São Paulo Design, entidade criada com o objetivo de estimular o desenvolvimento do design nas pequenas empresas paulistas. "Os designers se limitavam a pouco mais do que adaptar os produtos estrangeiros ao gosto do consumidor local, e não tinham espaço para elaborar projetos próprios. Isso, felizmente, acabou."
O curioso é que, ao contrário do que se poderia imaginar, não são apenas as grandes empresas brasileiras que estão investindo no design e participando dos negócios de exportação por conta desse diferencial. De acordo com uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), cerca de metade das indústrias do país hoje investe de alguma forma no desenvolvimento do design de produto – e a porcentagem vale tanto para as grandes e médias companhias quanto para as micro e pequenas empresas. Praticamente todas as companhias exportadoras de menor porte – que somam pouco mais de 10% do conjunto das indústrias que participam do mercado externo – usam o design como ferramenta estratégica.
Isso se deve, em parte, aos vários programas governamentais de apoio à pequena empresa, com ênfase na inovação tecnológica (que inclui o design) como uma das condições para a sobrevivência desse segmento empresarial. Esse esforço concentrado, capitaneado pelo Sebrae, já gerou mais de 90 "núcleos de design" em todo o país desde meados dos anos 1990, com diferentes parcerias, a exemplo do próprio Centro São Paulo Design, criado por inspiração da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e que conta com o apoio de órgãos públicos e privados. Há núcleos em praticamente todos os estados brasileiros.
"Sem agregar valor ao que produz, o pequeno empresário dificilmente consegue ir adiante no seu negócio, já que lhe falta capital", explica Paulo Alvim, diretor de tecnologia do Sebrae. "E o design é uma das ferramentas mais acessíveis para obter um produto mais valorizado". O trabalho do Sebrae e das entidades associadas é hoje complementado pela Apex-Brasil, que organiza e apóia a participação das pequenas empresas em feiras internacionais – em geral o primeiro passo no caminho para as vendas externas. E exportar, é bom lembrar, também é considerado essencial para o robustecimento das companhias de menor porte.
Diga-se que o trabalho do Sebrae (e das empresas) tem sido facilitado pela existência, no Brasil, de uma rede de escritórios de design surpreendentemente grande, além de bastante espalhada pelos quatro cantos do país. Segundo uma estimativa da Abedesign, existiriam cerca de 3 mil escritórios de design no território nacional – isso sem contar os departamentos cativos das empresas. O número de designers também é relevante, mais de 35 mil, muitos deles formados em escolas de qualidade reconhecida em todo o mundo, como a pioneira Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), do Rio de Janeiro, fundada no começo dos anos 1960.
Prêmios
Tidos como bastante criativos e despojados – e ainda com um ótimo olho para a escolha dos materiais – os designers brasileiros (e as empresas para as quais desenvolvem os produtos) vêm, nos últimos anos, se destacando em concursos internacionais, o que mostra que eles também estão sabendo aproveitar a seu favor o espaço aberto pelas indústrias. De 2004 para cá, o Brasil ganhou, por exemplo, nada menos do que 57 prêmios no concorrido concurso alemão iF Product Design Award, considerado o Oscar da categoria. Na sua edição 2006 (que aconteceu no final do ano passado), foram premiados 19 produtos de 17 empresas brasileiras.
A variedade dos objetos chega a espantar: de equipamento médico a talheres, de adaptador de fone de ouvido a lixeira automática, de embalagem de telefone celular a luminárias. A Spirit, a empresa que inovou em ventiladores de teto, parece ter tomado gosto pela coisa. Certamente para aproveitar os bons ventos que sopram a favor da moda praia brasileira, participou (e ganhou) com um guarda-sol desenhado pela agência Rio 21 Design, cujos principais diferenciais são a cúpula invertida, um sistema espiral na haste que impede que o guarda-sol voe, tecido sintético que protege contra os raios ultravioleta e bolsos para todo lado. O produto se destacou também pelas suas cores vibrantes.
"Os designers brasileiros têm um especial talento para desenvolver projetos personalizados que podem ser facilmente aproveitados pela indústria", resume Ivete Cattani, designer de jóias gaúcha que também foi premiada na versão 2006 do iF Award com o colar Tentáculos, feito de um raro silicone, prata e ágata. A peça – que parece deslizar pelo corpo, criando uma suave sensação de movimento – é parte de uma coleção do mesmo nome que será produzida em série, tanto para o mercado interno como externo.
As próprias multinacionais já não estão tão indiferentes como antes ao design brasileiro. Apesar de sua assumida estratégia de fabricar basicamente "carros mundiais" – ou seja, com design gerado nas matrizes –, a indústria automotiva instalada no país já tem pelo menos um modelo totalmente desenhado em terras brasileiras, o utilitário esportivo Ford EcoSport, produzido na Bahia e exportado para vários países. A Philips, tradicional fabricante holandesa de aparelhos de som e vídeo, também tem reservado algum espaço para o design nacional na produção dos eletrodomésticos da sua subsidiária Walita, que exporta para a América Latina ferros elétricos, liquidificadores e batedeiras.
A indústria de máquinas, cujo desprezo pelas belas formas é lendário (e não apenas no Brasil), parece igualmente estar se curvando a esse novo nicho de excelência brasileiro. A Romi, tradicional fabricante e exportadora de máquinas operatrizes da região de Campinas, no interior paulista, está cada vez mais embutindo em seus equipamentos conceitos como leveza, boa ergonomia e uma bem brasileira mistura entre linhas curvas e retas. "A beleza pode muito bem conviver com a eficiência", diz Hiçao Misawa, diretor de comercialização da Romi. "Hoje, estamos ganhando os clientes também pelos sentidos".
O respeito pelo design brasileiro no âmbito internacional vem crescendo tanto que alguns países já não estão se limitando a importar, mas abrindo espaços para que indústrias se instalem no seu próprio mercado. É o que deverá acontecer em breve com a Fame, antiga produtora paulista de chuveiros e equipamentos elétricos, que deverá montar uma fábrica na China, país para onde exporta há quatro anos. Acostumados com chuveiros a gás, os chineses se encantaram com os multicoloridos equipamentos elétricos da marca brasileira.
Os chuveiros fabricados na China terão obviamente de sofrer algumas adaptações técnicas para atender ao mercado local, já que nesse país a água vem da rua e não das caixas-d’água, como no Brasil, e a pressão, além de oscilar, costuma ser muito forte. Terão de permitir também maior aquecimento (os chineses adoram tomar banhos quentíssimos) e apresentar maior resistência à corrosão, devido ao alto teor de sal e minerais na água. Mas o desenho do chuveiro será tipicamente brasileiro – os chineses simplesmente o adoram. "Acrescentaremos alguns botões luminosos para efeito de informação, habituais naquele país. De resto, será, em termos estéticos, o mesmo produto que fabricamos no Brasil", explica José Armando Coelho Silva, diretor de negócios da empresa.