Postado em 30/03/2005
O homem não voa. Essa afirmação é tão óbvia quanto triste para o ser humano, nunca conformado com a ausência das asas, símbolo de liberdade representada pelos pássaros. Mas em algumas unidades do Sesc, durante os meses de janeiro e fevereiro, período em que aconteceu o Sesc Verão 2005, essa dura realidade cedeu espaço para a ludicidade de jogos e brincadeiras que levaram os visitantes às alturas. Foi o que ocorreu no Sesc Consolação – além de agitar as unidades Santo André e Carmo (veja boxe) –, que centralizou suas atividades sob o tema da vertigem, ou Ilinx, denominação usada pelo pesquisador e ensaísta francês Roger Caillois (1913-1978) no livro Os Jogos e os Homens: a Máscara e a Vertigem (Lisboa: Cotovia, 1990) e que serviu de base para as programações criadas. No estudo, Caillois divide os diversos estilos de jogos e práticas esportivas em quatro princípios fundamentais: além do Ilinx, são destacados a competição (Agon), a sorte (Alea) e o simulacro (Mimicry), que trata da imaginação e de “imitações” do real, como é o caso do teatro. “A partir da proposta institucional do programa Sesc Verão de 2005, que foi a de oferecer jogos e brincadeiras, utilizamos esses conceitos elaborados por Caillois com o objetivo de apresentar atividades variadas, buscando experimentações e vivências lúdicas”, explica Sérgio Luís, técnico da unidade Consolação. “Dessa forma, entendemos que no período de férias a idéia de liberdade – da não-obrigação, do não-trabalho – é mais forte. E isso nos levou a criar um ambiente que permitisse ao público vivenciar os diversos tipos de jogos, alçando vôos imaginários por meio de práticas concretas de deslocamento aéreo, com os equipamentos corretos e a monitoria necessária.”
O objetivo de integrar visual e conceitualmente os espaços da unidade e a idéia de unir as diversas idades em torno do jogo levaram ao planejamento de uma ambientação que, tendo como tema o vôo, ocupou ginásios, o hall de convivência e o espaço Curumim – destinado a crianças de 7 a 12 anos – com reproduções de aeroplanos, pipas, asas e bandeirolas. Os módulos que compuseram o projeto se dividiram em duas estações: uma fixa e outra móvel. A estação fixa ocupou um ginásio da unidade, onde era possível encontrar diferentes estilos de tirolesas, aqueles vôos rasantes no qual a pessoa, presa a um cinto de segurança, desliza por um cabo de aço de um ponto a outro; e o 6º andar, onde, como parte das atividades do Sesc Curumim, as crianças podiam construir pipas, cata-ventos e aviões de papel, além de participar de oficinas de aeromodelismo, nas quais confeccionaram aviões em miniatura e birutas [tubo de tecido semelhante a um saco cônico que se enfuna quando o vento sopra, indicando sua direção]. Já a estação móvel, localizada no segundo ginásio, associava a vertigem do vôo e da velocidade a outros dois conceitos de Caillois: a sorte e a competição. Nesse caso, foram oferecidas atividades físico-esportivas, como corridas de saco e partidas de queimada para as crianças, e badminton e vôlei para adolescentes e adultos. “O sonho de voar está presente em todas as culturas das quais se tem notícia”, ressalta Sérgio Luís. “O homem, de uma forma ou de outra, sempre almejou poder voar, deslocar-se, ver-se livre.” Pelo menos quem foi ao Sesc nos meses de janeiro e fevereiro por alguns momentos conseguiu.
Unidades Carmo e Santo André também utilizaram os conceitos de Roger Caillois para o Sesc Verão 2005
Imagine um ambiente que abriga jogos populares, brinquedos de todos os tempos, jogos de regras, testes de equilíbrio e ainda atividades circenses. Foram esses os elementos que compuseram a Fábrica do Movimento, criada pelos técnicos do Sesc Santo André especialmente para o Sesc Verão 2005. “A idéia foi despertar a consciência dos participantes tanto no aspecto psíquico quanto no motor”, explica Vânia Rangel, técnica da unidade. “Independentemente do fato de isso acontecer por meio de lembranças da infância ou da vivência de novas experiências.” Assim como o projeto do Sesc Consolação, Livre para Voar, o Fábrica do Movimento também trabalhou com os conceitos do francês Roger Caillois, porém não focou apenas a vertigem (Ilinx), mas também abordou a competição (Agon), com clínicas de badminton e caratê; o simulacro (Mimicry), que ficou a cargo das deliciosas imitações infantis e ainda de caracterizações com figurino teatral e jogos de ilusão com fantoches; e também a sorte (Alea), com o Arquivo de Joguinhos, um espaço para a criançada aprender ou treinar sua habilidade em vários jogos de tabuleiro.
Já o Sesc Carmo programou os Jogos da Vertigem, uma grade de atividades que levou uma parede de escalada para a Praça do Poupatempo, ao lado da unidade, ao som de um DJ. “Quando elaboramos o programa para o Sesc Verão, pensamos no conceito de Roger Caillois sobre os jogos de vertigem e pensamos em aplicá-lo em atividades realizadas em um grande centro urbano, como a cidade de São Paulo”, explica Marina Guzzo, técnica do Carmo.