Como uma equipe venceu dois bichos, 14 cabeças e um incrível desafio
Há coisa de pouco mais ou menos um ano foi que tudo começou. Uma matéria num jornal, uma idéia aparecendo nas cabeças e o resultado: mais um projeto a ser desenvolvido. Só que, o tema (a matemática), o objetivo (mostrar que pode ser acessível a todos) e a forma (por meio de uma exposição lúdico-interativa) transformavam um evento a ser realizado em um verdadeiro desafio ou, para já introduzir a linguagem matemática, em um tremendo problema. Era o início da montagem da exposição Nem Mais Nem Menos - Qual É a da Matemática?. Tínhamos, logo de cara, de enfrentar de uma só vez dois bichos-de-sete-cabeças. O bicho-matemática e o bicho-exposição. Para começar a conversa, participamos de palestras com professores bacanas que explicavam como a matemática pode ser ensinada de uma maneira diferente. Esses professores vieram nos mostrar como é possível gostar de matemática. Gostar realmente, com paixão. Paixão?!? Só se fosse para eles! Eu, agora posso confessar, até participava com interesse e curiosidade das palestras, mas mantinha, qual mula empacada, meus dois (quatro) pés atrás. “Exposição de matemática? Isso não vai dar certo. Por que não fazemos de literatura?”, pensava eu, bem caladinha, no meu canto. Aos poucos todo aquele vocabulário ligado à matemática ia ecoando na nossa cabeça, causando indisfarçável incômodo e trazendo tristes lembranças. Mesmo assim, meio incomodados, fomos tocando. Depois das palestras vieram reuniões, visitas técnicas, leituras, elaboração de projeto e, como sempre, muita conversa. Nesse percurso e nessas conversas com os colegas, três coisas me chamaram a atenção. A primeira foi que, independentemente de quando havia se dado o contato com a matemática (se nos anos 60, 70 ou 80), a maioria das lembranças evocava experiências difíceis. Para quase todos, a matemática era realmente um bicho-de-sete-cabeças. A segunda foi que, quanto mais falávamos de nossas dificuldades, mais isso nos dava forças. Ver como a matemática tinha sido difícil também para meus colegas me ajudou a ter coragem para encarar o bicho-exposição. A essa altura, cada um enfrentava pelo menos 14 cabeças (sete de recordações e mais sete do que estava por vir). Mas então éramos muitos na batalha. Toda uma equipe trabalhando-batalhando unida. E, ainda de quebra, tínhamos agora os professores a nosso lado e não contra nós. A terceira coisa que me chamou a atenção foi como minhas lembranças das aulas de matemática são peculiares. Enquanto para muitos as lembranças são de “croques” que levavam dos pais ou de castigos dos professores, por não saber de cor a tabuada, eu não me lembro de nenhuma aula na qual a tabuada me tenha sido apresentada. Pois o fato é que fui educada numa escola experimental, liberal no auge dos anos 70. Não se decorava a tabuada, nem datas, nem nomes de rios ou de capitais. Não se aprendia o Hino Nacional e não se desenhava bandeira do Brasil. Também não se aprendia ortografia. Aprendi muitas outras coisas, mas essas não. Era a matemática moderna que chegava ao Brasil. Uma forma nova de ensino da matemática que vinha importada, de forma desastrosa, dos Estados Unidos. Mas mesmo não tendo de decorar a tabuada, mesmo usando o famoso Material Dourado* que prometia “concretizar” os conceitos abstratos, nunca entendi a fatídica matéria. Nunca entendi e sempre temi. Mas, assim como todos, sobrevivi à matemática escolar. Depois do vestibular, poucas vezes me lembrei de sua existência. Até meados do ano passado, quando tudo começou. E esse tudo foi muito: entender um pouco mais a história da matemática e da educação matemática; conhecer a deliciosa obra de Malba Tahan. Foi ainda ter a oportunidade de trabalhar com pessoas vindas de todos os cantos com mil idéias para contribuir; foi ver, junto com a equipe, o trabalho diário transformar um bicho em uma exposição. Durante todo esse tempo - quase um ano - em contato com os dois bichos, aprendi muita coisa. Não posso dizer que aprendi matemática, mas certamente passei a entender e admirar não só a matemática-matéria, mas a matemática-ciência. A matemática-paixão. Agora sim, a paixão!
* Recurso didático constituído de cubos, barras e placas criado pela educadora italiana Maria Montessori (1870-1952). O nome vem da versão original feita com contas douradas. Quando foi industrializado, o material passou a ser confeccionado com madeira. Cada peça remete a uma casa decimal.
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