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Esporte

Postado em 01/10/2004

Ponto para as meninas

 

Aumento da participação feminina em atividades físicas antes praticadas apenas pelos homens mostra que há espaço para todos que têm paixão pelo esporte

 

 

Paula Romano sempre foi apaixonada por futebol. Quando pequena, chegava a “fugir” de casa à procura do irmão para ver se conseguia uma vaguinha no time dos meninos. Sem muita convicção, eles até a recebiam, mas a colocavam no gol, onde daria menos trabalho durante as “divididas”, “cabeçadas” e demais performances típicas do jogo, que, segundo rezava a regra, era coisa de quem usava calças. “Em minha criação não tinha muito essa história de menina jogar futebol”, conta Paula, hoje com 36 anos, mãe de dois adolescentes, um menino de 14 e uma menina de 12 anos, e freqüentadora assídua da turma de futebol de salão feminino de unidades do Sesc. “Meu pai era repressor, não gostava que eu jogasse porque só os meninos podiam. A garota que jogasse era meio discriminada.” De fato – o exemplo mais gritante é o futebol, mas também em outros esportes –, enquanto os meninos se lançavam na lama e colecionavam pequenas cicatrizes da última partida, às meninas cabia colecionar cândidos papéis de carta. “Puro machismo”, define Paula. E ela não está assim tão longe da verdade. “Acho que temos de encarar esta questão em três níveis”, explica o mestre em educação física pela Universidade de São Paulo (USP), Jorge Dorfman Knijnik, também docente da Faculdade de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Primeiro, o do estigma propriamente dito, que surge das representações sociais sobre a mulher ao longo da história, segundo o qual o corpo feminino é considerado inábil, inadequado ou fraco para certas práticas esportivas e apto para a maternidade. O segundo nível vem da própria exploração desse estigma, ou seja, os preconceitos sociais são criados a partir de concepções históricas que sempre afirmam, até com comprovações científicas, que a mulher não pode praticar certas atividades em virtude de seu corpo”, afirma Knijnik, que tem dois livros publicados sobre a relação entre a mulher e o esporte, A Mulher Brasileira e o Esporte – Seu Corpo, Sua História (Editora Mackenzie, 2003), do qual ele é organizador junto com o professor Antonio Carlos Simões, e O Mundo Psicossocial da Mulher no Esporte – Comportamento, Gênero, Desempenho (Editora Aleph, 2004).

As conseqüências desse preconceito, seguindo o raciocínio do professor, revelam o terceiro ponto de análise: a origem da restrição. “Quando se esbarra nesse tipo de discriminação, surge a dificuldade de acesso à prática esportiva feminina. E discriminação é crime. E deve ser denunciada e punida legalmente como tal.” Segundo Knijnik, o problema é que ainda hoje, sobretudo nos espaços educativos para garotas – e mesmo em alguns espaços de lazer –, elas vêem diminuídas suas chances de praticar esporte ou pela precariedade dos espaços ou pela falta de horários disponíveis. “Ou seja, considerando o esporte como um direito humano essencial, as mulheres continuam sendo alijadas do acesso a esse direito.”

 

Maníacas por Bola Anônimas

Isso explica, então, por que muitas vezes é visto com surpresa o fato de mulheres se destacarem em algumas modalidades esportivas – basta lembrar quanto de conversa rendeu o ótimo desempenho da seleção feminina de futebol nos Jogos Olímpicos de Atenas. Afinal, trata-se de mais um passo na conquista pelo direito à igualdade.

No Sesc, essa conquista vem da união de dois fatores fundamentais. De um lado, mulheres dispostas a ocupar mais esse espaço e, de outro, uma instituição que fornece as condições para materializar o desejo (veja boxe Nas quadras, nas piscinas e nos campos). Helena de Sousa Ferrazza, de 22 anos, é uma das adeptas do esporte que encontrou nas unidades do Sesc a estrutura e o espaço de que precisava para dar continuidade ao saudável hábito que adquiriu quando adolescente, aos 15 anos. Mesmo sem enfrentar em casa empecilhos para a prática esportiva – sinal dos tempos –, Helena deparou com aquela dificuldade de espaço citada pelo professor Knijnik. “Depois que terminei o colégio, até consegui uns lugares para treinar lá em São Bernardo, onde eu moro, mas nunca dava para continuar”, conta a jovem, que há três anos se matriculou na turma de futsal feminino do Sesc. Ela não só encontrou o que precisava para continuar seus treinos como também achou a companhia perfeita. “É um convívio muito legal. E todos os meses entram meninas novas. Há bastante procura. Mesmo as que não sabem jogar são incentivadas pelas outras a ficar. Não só pelo fato de jogar – ninguém vai ganhar dinheiro com isso –, mas o importante é praticar uma atividade física freqüentemente”, ensina.

Paula Romano, também da turma de futsal do Sesc, forma junto com as amigas Cristiane Morgado e Roseli Gomes um time para lá de bem-humorado. Distante da época em que o pai a proibia de jogar, Paula conta que, depois do intervalo para ter os filhos, voltou com força total. “Meus filhos a-do-ram ter mãe esportista”, conta orgulhosa. “Acham um barato, contam para os amigos, e eu até jogo com eles quando posso. Meu filho fez até uma redação para a escola falando da mãe que joga futebol com ele e com as amigas. Ele me contou que os outros meninos disseram que queriam ter uma mãe assim.” Paula diz que os pais ainda estranham um pouco quando ela chega em casa “suada e de caneleira, toda descabelada”. “Mas eles sabem que eu gosto e por isso permitem... Quer dizer, permitem não, que eu já sou bem grandinha, eles aceitam”, corrige-se rindo.

Cristiane, também de uma época mais repressora, vê igualmente com tranqüilidade o gosto – dela e das outras mulheres – pelo esporte. “Mas, por outro lado, eu também não comento com ninguém que jogo todas as terças e quintas aqui no Sesc.” Vergonha, Cristiane? “Nããão”, rebate. “Não comento porque não surge o assunto, quando me perguntam o que eu faço de terça e quinta, eu conto, mas não é uma coisa que eu levanto bandeira. Como também não me destaco, eu não faço muita questão de divulgar”, brinca em meio aos risos das colegas zombando de sua “modéstia”.

Roseli é outra aficionada do esporte. Daquelas que ajudam com prazer a provar que as mulheres estão, sim, se interessando mais pelas práticas esportivas. Além do time no Sesc, ela, em companhia de outras amigas, fundou o Maníacas por Bola Anônimas (MBA), time fixo que tem horário garantido na quadra que aluga e até já contratou um técnico para aperfeiçoar as jogadas. “Mulheres cuja relação com o esporte se resume a assistir ao futebol na Copa do Mundo são assim porque que não vivem o esporte. Porque quem joga está sempre ligado, sabe o que se passa. Inclusive nossas conversas sobre os campeonatos na mesa dos barzinhos têm até nome, são a Bola Redonda”, brinca. Roseli torce para o São Paulo, Paula é a famosa corintiana roxa e Cristiane insiste na Portuguesa. “Ela sabe tudo, inclusive que a Lusa está na segunda divisão”, brinca Paula. “Cristiane é uma das únicas dez pessoas que enchem uma van para ver o time dela jogar”, provoca Roseli.

 

Nas quadras, nas piscinas e nos campos

O Sesc São Paulo, por meio de programas em todas as suas unidades, incentiva a participação feminina no esporte

 

O Sesc São Paulo mantém inúmeras atividades ligadas ao desenvolvimento físico e esportivo de pessoas de todas as idades. Com o objetivo de propiciar a socialização, a educação e formação corporal e o aprendizado de diversas habilidades esportivas, a instituição tem como filosofia ligar as diferentes práticas – que passam por ginástica, dança, artes marciais, técnicas alternativas e prática de esportes individuais e coletivos – à melhoria da qualidade de vida dos praticantes, sejam eles homens, sejam mulheres. No entanto, segundo aponta José Roberto Ramos, gerente adjunto da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE) do Sesc, “historicamente a participação feminina nos esportes é menor que a masculina”. Diante desse fato, há nove anos o Sesc lançou a Copa Sesc de Vôlei Feminino, justamente na tentativa de incentivar as mulheres a participar de modalidades esportivas coletivas. No ano seguinte, 1996, outros esportes, como basquete, futsal e natação, passaram a fazer parte da agenda de jogos, ampliando a proposta, que recebeu no nome de Jogos Femininos do Sesc. “A partir dessa iniciativa, percebemos o crescimento, por parte do público feminino, na procura por atividades esportivas, sejam cursos, locação de espaços ou recreação livre”, diz Ramos.

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