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História

Postado em 01/09/2005

Projeto desvenda a intricada história do estado, que carrega em sua formação influências de várias partes do Brasil e do mundo

 

A viagem foi longa, mas rendeu muita história para contar. A jornada pelo estado de São Paulo revelou dados, destruiu mitos e ajudou a reconstituir memórias dispersas pela inevitável ação do tempo ou pelo descaso que insiste em ser regra quando se trata da preservação da herança cultural brasileira. O projeto Terra Paulista: Histórias, Arte, Costumes, coordenado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), organização da sociedade civil que desenvolve, entre outras, ações para a melhoria da qualidade da educação pública, reuniu pesquisadores que durante quase dois anos percorreram várias regiões de São Paulo. O resultado da primeira fase desse trabalho pode ser visto na exposição Terra Paulista (veja boxe Boa Viagem), em cartaz no Sesc Pompéia até 11 de dezembro, e em uma série de livros e vídeos didáticos distribuídos em escolas públicas. Nessa fase do projeto, os pesquisadores estudaram cidades do oeste paulista, Vale do Médio Tietê e Vale do Paraíba e também de áreas próximas à capital. “As demais regiões, como a alta Sorocabana e noroeste, assim como o litoral e Vale do Ribeira devem fazer parte de uma próxima etapa da pesquisa”, adianta a socióloga Maria Alice Setubal, presidente do Cenpec e idealizadora do projeto. O caminho traçado pela pesquisa, em certo sentido, seguiu a ordem da ocupação histórica do estado. O núcleo inicial foi o Vale do Médio Tietê, onde estão cidades como Sorocaba e Porto Feliz. “Essa foi a primeira área de expansão sólida da colonização a partir de São Paulo”, explica o historiador e consultor do projeto Paulo César Garcez Marins. Dali a expedição partiu para o Vale do Paraíba, e suas cidades originadas ainda no período colonial, como São Luís do Paraitinga e Bananal. “Essa área também se destaca na história do estado por ter sido a primeira região onde o café penetrou”, explica o historiador. A caravana rumou então para o oeste paulista, passando por Campinas e Ribeirão Preto.

 

 

Paulista existe?

Ao deparar com a vastidão do “mundo” paulista, pode-se chegar à conclusão de que as regiões do estado são muito distintas. Mas quais serão essas diferenças? “Não é que as áreas sejam radicalmente diferentes, mas têm suas especificidades”, explica Paulo César Garcez Marins. “São Paulo não é um bloco cultural, são muitos.” Para começar, basta imaginar a variedade de etnias presentes na formação e ocupação dessas terras. No início eram os indígenas. Segundo o historiador, há muitos equívocos sobre esses habitantes originais. “Normalmente imaginamos que eram só os tupis. Mas havia muitas etnias por aqui”, diz. Depois chegaram à costa espanhóis e portugueses. Alguns eram cristãos; outros, judeus ou cristãos-novos – convertidos para escapar dos tribunais da Santa Inquisição. Some-se a isso, a entrada das populações africanas a partir do século 17 e, dois séculos depois, a vinda de imigrantes japoneses, alemães, italianos, espanhóis e, novamente, os portugueses. Sem contar a presença de letões e sírio-libaneses no oeste do estado e, já no século 20, a intensa migração de brasileiros vindos da Região Nordeste. Ou seja, não é possível imaginar uma etnia paulista. “Temos um povo paulista que mora numa terra paulista. Daí para a frente, não existem mais singulares. Tudo é conjugado no plural”, observa o historiador.

 

 

Fatos e mitos

Ao fim de tamanha jornada, muitas verdades sobre a história paulista vieram à tona enquanto outras foram por água abaixo. Uma delas habita principalmente o imaginário de quem vive na capital. No que se refere ao sotaque, geralmente a idéia é que todo o interior fala o mesmo “r” retroflexo – aquele que puxa, até não mais poder, a pronúncia da letra. Mas não é bem assim. “Quem é de Taubaté, por exemplo, sabe exatamente quem é de lá ou não. Assim como um ituano é capaz de identificar quem é de Sorocaba ou de Piracicaba. O paulistano [nascido na capital do estado] é que tem mania de chapar tudo em um mesmo formato”, garante Garcez.

 

Outra sólida imagem paulista derrubada pelos historiadores é a da aparência do bandeirante, um dos símbolos culturais do estado. Ainda é comum a divulgação da imagem desse pioneiro como um imponente homem branco, com botas de cano longo e chapéu de abas largas. Mas historiadores que participaram do projeto contestam essa figura e garantem que ela não passa de mito. “Muitos eram mestiços e entravam nas matas descalços e com roupas simples”, afirma Garcez. E eles eram todos desbravadores? Depende do ponto de vista. Aliás, uma das muitas curiosidades que se descobrem nessa viagem é que o termo “desbravar” já foi usado com um sentido nada heróico, significando “tirar o bravo”, ou seja, exterminar os índios do território.

 

O projeto teve patrocínio do Grupo Camargo Corrêa e co-patrocínio do Banco Volkswagen.

 

 

Boa viagem - Exposição no Sesc Pompéia revela as descobertas do projeto Terra Paulista – Histórias, Arte, Costumes

Quem passar pelo Sesc Pompéia  de 20 de setembro até 11 de dezembro poderá embarcar numa grande viagem no tempo promovida pela exposição que integra o projeto Terra Paulista. Idealizada pelas sociólogas Elena Grosbaum e Ilana Goldstein, a mostra percorre cinco séculos de história de uma região marcada pelo cruzamento de vários povos. A dupla trabalhou com o historiador Paulo César Garcez Marins e reuniu uma equipe de artistas plásticos, museólogos, antropólogos, escritores, atores, fotógrafos e cinegrafistas. O resultado é um convite a embarcar na trajetória paulista por meio de diversas linguagens. Ao todo são seis módulos, divididos por temas e períodos históricos. Logo na entrada o primeiro deles soa como uma instigante provocação. Ali se lê: “Quem é o paulista?” Na exposição, é possível voltar à época da chegada dos portugueses e imaginar-se parte do histórico e fatídico encontro entre o homem branco e os nativos do Novo Mundo. Nesse módulo, chamado O Primeiro Encontro, estão elementos que nos ligam a esse passado. Como exemplo, temos o significado de uma das palavras mais conhecidas da cidade de São Paulo: “ibirapuera”, nome do maior parque paulistano que quer dizer “árvore podre”. Vai entender... O visitante também vai descobrir que algumas das importantes rodovias do estado foram abertas pelos índios muito antes de os europeus chegarem. Os “peabirus” eram caminhos abertos nas matas que ligavam o litoral ao interior do continente. Suspeita-se que alguns podiam chegar até o Oceano Pacífico. “Muitos eram estreitos como caminho de bicho, outros pareciam ruas”, conta Ilana Goldstein. “Alguns peabirus chegavam a ter oito palmos, exatamente a largura das ruas de Lisboa naquela época. Os portugueses ficaram muito impressionados.”

 

 

Coisa de paulista - O projeto Terra Paulista produziu um almanaque cheio de curiosidades sobre os cinco séculos de história de São Paulo. O resultado é um delicioso apanhado de fatos que marcaram a trajetória do estado. Conheça alguns deles.

 

Ramalho e Bartira não se casam

Foi proibido o casamento entre o português João Ramalho e a índia Bartira, filha do cacique Tibiriçá – um dos maiores líderes indígenas da época da colonização –, pois o colonizador já possuía uma esposa em Portugal. Ramalho e Bartira formavam um dos muitos casais mestiços que povoavam o planalto de Piratininga, para horror dos jesuítas, escandalizados com a ausência de casamentos.

 

Devorados dois jesuítas

Em 30 de setembro de 1554 os sacerdotes Pedro Correia e João de Sousa foram devorados na praia de Cananéia. Os clérigos tinham como missão catequizar os índios da região.

 

E se fez a luz...

Em 1872 a iluminação pública a gás chegou ao vilarejo de São Paulo. A novidade transformou por completo a vida dos 31 mil habitantes, que, a partir de então, poderiam sair à noite.

 

Pai rico, filho aventureiro

O engenheiro Henrique Santos Dumont, pai de Alberto Santos Dumont, era dono de uma das maiores fazendas do mundo. Na Arindeúva, ele cultivava cerca de 5 milhões de pés de café. Em 1891, o engenheiro sofreu um acidente e ficou paraplégico. Foi quando resolveu vender a propriedade e mudar-se com a família para Paris, onde seu filho Alberto faria voar o 14 Bis.

 

O bonde sem burros

“Uma febre de curiosidade tomou as famílias, as casas, os grupos. Como seriam os novos bondes que andavam magicamente, sem impulso exterior? (...) Um mistério esse negócio de eletricidade. Ninguém sabia como era. Caso era que funcionava (...).” Essas eram as impressões do escritor Oswald de Andrade sobre a novidade que movimentou São Paulo em 1900.

 

São Paulo das letras

Em 1828 começou a funcionar em São Paulo a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, instalada num antigo convento franciscano. Em pouco tempo os estudantes que chegaram à capital para freqüentar suas aulas deram um pouco de animação à tão tediosa cidadezinha, à época com 20 mil habitantes. Entre eles estavam o jurista e jornalista Rui Barbosa e o poeta Castro Alves.

 

Crendices

Cada época tem as suas. Na passagem do século 19 para o 20, os paulistas acreditavam que comer com chapéu na cabeça era comer com o diabo e que pentear o cabelo à noite trazia doença e morte.

 

Uma estrada para o açúcar

Bernardo José de Lorena, governador da capitania de São Paulo, construiu na década de 1790 a primeira estrada calçada unindo a Serra do Mar à Baixada Santista. O caminho permitiu que as mulas carregadas de caixas de açúcar vindas do interior paulista chegassem ao porto em segurança e muito mais rápido.

 

Fonte: Almanaque Cortes e Recortes da História da Terra Paulista (Cenpec, 2005). Mais informações no site www.imprensaoficial.com.br

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