Postado em 01/04/2005
Roberto André
O entendimento mais comum que temos de cenografia é relativo à concepção de espaços cênicos, sendo cenário a solução plástica encontrada. Portanto, é possível uma cenografia sem a execução de cenários (espaço livre), mas não um cenário sem cenografia (a respectiva concepção do espaço). Há cenografia para teatro, dança, performance, cinema e vídeo, podendo ainda se estender a projetos de exposições, decoração de festas, execução de vitrines, eventos etc. etc. e muitos et céteras. É sabido também que um bom projeto leva em conta, além das questões estéticas e de adequação de linguagem, as questões técnicas, de funcionalidade, adequação de materiais e soluções construtivas, circulação, fluxo e atendimento ao público, segurança, entre outras. Normalmente, o cenógrafo tem formação superior em arquitetura ou em artes plásticas, já que são poucos os cursos específicos nessa área, mas isso não chega a ser um pré-requisito. A execução dos projetos também é delegada a profissionais especializados: são os cenotécnicos, profissionais que têm formação diversa em marcenaria, serralheria, técnicas para adereços e efeitos especiais e a sua prática é diferenciada, pois as soluções técnicas são bem específicas.
Bom, pessoal, depois desse blablablá todo, vamos ao que interessa. Aproveito esta conversa para apresentar um ponto de vista recorrente na minha vida e que orienta muito do meu trabalho.
É comum ouvirmos: “O cenário econômico não nos é favorável” ou “Os movimentos migratórios propõem a reorganização da cena mundial...”. Basta olharmos qualquer jornal que encontraremos a vinculação de termos que relacionam a idéia de cenário com a de contexto. Que tal ampliarmos essa abordagem, vinculando-a ainda à idéia de ambiente?
Há uma idéia de ambiente que engloba os aspectos ecológico, cultural, físico, biológico etc. em diversas escalas e que eu acho bem bacana. Aí vai:
– a realidade é composta por sistemas (abertos e que se relacionam em algum nível);
– os sistemas buscam a permanência;
– eles permanecem quando adquirem autonomia, relacionando-se com um sistema maior que os contém;
– esse sistema maior é o seu ambiente. Ou seja, ambiente é um determinado contexto em que “algo” pode se desenvolver.
Quando a gente propõe alguma atividade de programação, quer seja artística, quer cultural, esportiva, social, temos a oportunidade, aqui no Sesc, de concebê-la e de apresentá-la com esse diferencial, ou seja, configurada como um ambiente que instigue, acolha, respeite, valorize, dialogue, desafie, enfim, que se relacione com os usuários nos mais diversos níveis, permitindo que essa troca favoreça o aumento de autonomia para ambos: para quem usufrui de alguma maneira da atividade, aumentando seu repertório e reflexão, e para nós do Sesc que, tanto individual como coletivamente, a cada projeto podemos reavaliar nossos princípios, rever nossas certezas e superar nossas limitações.
A atividade poderá ser multilateral, disponível, generosa, tolerante e co-evolutiva (para usar um termo atual), ampliando, assim, a sua potência e grau de abrangência, tanto quanto consigamos fortalecer e ampliar essa estratégia. Tragam seus sonhos, seus desejos, mas também suas contradições e conflitos. Há espaço, criatividade; liberdade e ousadia são bem-vindos, pois assim teremos novas possibilidades: experiências diversas, experiências possíveis... a nº 1, a nº 2, a nº n+1... no tempo adequado, na mídia apropriada... sem formatação definida, sem modelos preestabelecidos, cada idéia se desenvolvendo e adaptando-se de acordo com suas características e necessidades... como sistemas abertos... navegando em oceanos informacionais, com o foco nas relações que se estabelecerem... à deriva no tempo/espaço...
Roberto André é formado em comunicação e artes do corpo, cenógrafo e técnico do Sesc