Postado em 01/04/2005
por Gylvan Meira Filho
Doutor em astrofísica pela Universidade do Colorado, Estados Unidos, Gylvan Meira Filho graduou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Em 2003 foi conselheiro científico sênior da Secretaria da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. É presidente dos Grupos de Negociação dos artigos 3 (sobre metas de redução de emissões dos países industrializados) e 12 (sobre o mecanismo de desenvolvimento limpo) do Protocolo de Kyoto. Foi presidente do Painel sobre Metodologias de Linhas de Base da Junta Executiva do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto. Entre outros cargos de destaque, ocupou a vice-presidência do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima.
A quantas anda a Amazônia
Atualmente estou no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), embora eu seja da área de ciência e tecnologia – do Instituto Nacional de Atividades Espaciais de São José dos Campos. Fui para Brasília certa vez, convidado para criar a Agência Espacial Civil – fiquei uns oito anos lá fazendo isso – e resolvi me dedicar em tempo integral ao problema da mudança do clima no mundo, questão com a qual venho trabalhando desde 1989. A história até é curiosa: o professor da USP José Goldemberg, atual secretário de Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo – colega nosso da área científica –, pediu para que checasse a quantas andava a questão do desmatamento da Amazônia. Todos se lembram da época em que a discussão foi primeira página de jornal e até capa da revista Time. Diziam que os brasileiros estavam queimando a Amazônia e eram responsáveis por 60% da mudança do clima. Pois bem, Goldemberg pediu para a gente dar uma olhada nisso. A primeira coisa que fiz foi acabar com essas discussões para chegar aos números exatos da Amazônia nesse sentido. Desenvolvemos uma metodologia para tal e o final da história é que, hoje, o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] conquistou boa reputação no mundo todo no que diz respeito a medir os números do desmatamento na Amazônia – que no Brasil é, de fato, a maior fonte de emissão de gases e de efeito estufa. Isso porque a Amazônia é muito grande, o desmatamento é alto e a matriz energética é limpa.
Os próximos 50 anos
No que diz respeito à mudança do clima, em termos de lógica, há três opções: não fazer nada, evitar que o clima mude – mesmo que parcialmente, e isso só seria possível deixando-se de emitir tantos poluentes – e, a terceira opção, se adaptar à própria mudança. Ou seja, mesmo que o clima mude, tentar diminuir o prejuízo que isso causa. Muita gente diz que a mudança do clima vai custar muito caro. O governo federal norte-americano, pelo menos na atual administração, está dizendo que não pode fazer nada, que sai muito caro e que criaria problemas sociais. Na verdade, o governo brasileiro também diz isso – embora eu acredite que o nosso governo adota uma posição mais razoável. O discurso aqui, e isso é correto, é que o Brasil é um país que ainda possui uma parte da população que historicamente ainda não foi incorporada à economia e aos confortos mais modernos. Esse é o grande desafio de países como o Brasil ou a China.
Contudo, é necessário levar em consideração os danos causados por essas mudanças. Danos que não vão ocorrer hoje, vão aparecer daqui a 50 anos. E é dificílimo fazer essa projeção na cabeça das pessoas hoje. Ou seja, é preciso pesar o quanto vale a pena gastar agora para evitar um dano daqui a meio século. Trata-se de um problema até ético – o respeito que se tem pela geração futura.
E essa é uma preocupação que chegou para ficar, é uma consideração a mais que, já hoje, todo mundo vai ter de levar em conta. Os governos federais são importantes, porque eles é que negociam os tratados internacionais, como é o caso do Protocolo de Kyoto [acordo assinado em 1998, em vigor desde fevereiro deste ano, que estabelece metas e prazos vinculantes para cortar emissões dos países industrializados a fim de minimizar o risco da mudança do clima]. Porém, se pensarmos bem, não é o Protocolo de Kyoto que vai resolver o problema. Ele é só um acerto entre os países sobre quem faz o quê. Só isso. Quem vai realmente pôr em prática as coisas não é nem tanto o governo. Afinal, o governo não é responsável por toda a emissão.
O caso é mostrar para as pessoas que com 3,5°C a mais na temperatura média ninguém vai “fritar”, mas isso muda a vida, muda o mundo. A única coisa certa é que esse fator da mudança climática, além dos problemas que nós já temos, é um item a mais que só vai complicar a vida das pessoas.
Protocolo de Kyoto
Durante a negociação do Protocolo de Kyoto, eu estava presidindo o grupo que tratou do artigo 3, referente aos compromissos dos países industrializados. Os europeus disseram que não queriam que esse artigo fosse presidido por um norte-americano ou por um japonês, por exemplo. E eu, brasileiro e pobre [risos], fui convidado. Mediei uma discussão sobre qual deveria ser o critério para se chegar a uma porcentagem x de redução de cada país. Escrevi um documento – que, até mesmo, tornou-se a posição oficial do Brasil a esse respeito – que dizia que para todos os problemas ambientais a única medida que daria certo seria criar uma forma de divisão de responsabilidades entre os países. Algo do tipo quem sujou mais paga mais. É o princípio do poluidor pagador. Ou seja, o ônus de evitar a mudança do clima deve ser distribuído entre os países na justa e exata medida de quanto cada um contribuiu para mudar o clima. As contas são as seguintes: se, hipoteticamente, determinado país contribuiu para uma mudança de 10°C no clima, então paga 10% da conta. Essa história pegou. E, ainda, recebeu o nome de Proposta Brasileira. Assim nasceu o artigo 12 do Protocolo de Kyoto, um mecanismo para conseguir uma compensação entre a redução de emissões de um projeto para outro. O nome correto para isso é custo marginal de redução. Com ele você considera as diferenças entre os países. Afinal, não há por que ser igual. Essa proposta permite que as próprias leis de mercado se encarreguem de fazer – naturalmente, sem burocracia do governo – com que haja um fluxo de recursos para os projetos em que o custo marginal de redução seja menor.
O astrofísico Gylvan Meira Filho esteve presente na reunião do conselho editorial da Revista E em 18 de fevereiro de 2005