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Música
Companheiro Violão

Postado em 01/01/2004

Turíbio Santos fala de como se tornou um dos mais premiados instrumentistas do mundo

Apesar da segunda-feira nublada e do horário complicado à maioria dos paulistanos, a fila em frente ao prédio do Sesc São Paulo na avenida Paulista estava longa. São 6 horas da tarde e, nessa época, por aqui, céu cinza a essa altura do dia pode ser sinônimo de caos. Mas para assistir ao Instrumental Sesc Paulista daquele início de semana a fila continuava aumentando. Ou São Pedro deixou avisado que o cinza era só para assustar ou naquele dia os amantes de um banquinho e um violão decidiram que temporal nenhum iria impedi-los de assistir a Turíbio Santos, um dos maiores violonistas do mundo. Alheio a toda movimentação, o músico já se encontra no camarim meia hora antes do show. Com a tranqüilidade típica dos mestres, ele contou sobre o encontro precoce com o violão, a vida na Europa, o sucesso estrondoso e a opção por uma carreira distante do glamour do show business. Apenas cinco minutos antes do espetáculo, pede licença para se concentrar e entrar no palco. Naquela segunda-feira de verão não choveu.


Tornar-se músico?

"Nasci no Maranhão em 1943. Eu era muito pequeno quando ouvi pela primeira vez o som do violão. Meu pai era seresteiro; então esse convívio sempre foi íntimo. Ele tinha discos de André Segóvia, Dilermando Reis, ou seja, desde cedo meus ouvidos foram acostumados tanto com o som do violão clássico como com o do violão popular brasileiro. Pouco depois de começar a estudar, eu e meu pai fomos à embaixada dos Estados Unidos, onde estava passando um filme sobre André Segóvia. Sai de lá completamente impressionado com o som daquele violão clássico. Aliás, até hoje seu som me mobiliza completamente, como algo mágico. Naquela época, fim dos anos de 1950, ninguém pensava em ser músico. Imagina, isso era uma audácia infinita! Então fui fazer arquitetura, pois era o mais próximo possível que eu chegaria da vida artística. Mas o violão foi invadindo meu espaço... Até que um dia eu voltei ao Maranhão e durante uma festa um amigo me convidou para tocar violão com ele. Surgiu então um convite para um recital. Foi inesperado, mas aceitei. O cachê? Uma passagem de ida e volta para mim e meu pai, que não visitava a terra dele já fazia alguns anos. O recital aconteceu no Teatro Artur Azevedo em 1962. Esse ano, aliás, foi cheio de boas surpresas para mim. Pouco tempo depois de voltar do Maranhão, Hermínio Bello de Caravalho, um produtor do Rio de Janeiro, organizou um concerto para eu tocar na Associação Brasileira de Imprensa. Ainda em 1962, conheci Arminda Villa-Lobos (viúva do maestro Heitor Villa-Lobos), que me convidou para participar do Festival Villa-Lobos e para gravar o primeiro disco do Museu Villa-Lobos. A única oportunidade que tive de estar com Villa-Lobos foi em 1958, quando ele fazia umas conferências sobre sua obra. Fui assisti-lo falar sobre violão e durante três horas ficamos eu, ele e mais poucas pessoas sentados ao redor de uma mesa falando sobre sua obra, sua vida e sua amizade com Segóvia. Anos depois, escrevi Villa-Lobos e o Violão, livro em que eu contei as histórias ouvidas nesse encontro. Ele faleceu um ano depois dessa ocasião e, em seguida, Arminda fundou o Museu Villa-Lobos. Minha relação com o museu começou nessa época e nunca imaginei que me tornaria diretor dessa instituição. Assumi o cargo em 1985, após Arminda falecer. Foi em 1962 que também lancei meu primeiro disco. Foi tudo num só pacote. Depois desse ano, vi que aquele negócio de arquitetura realmente não daria certo."

Paris, com muita audácia
"Em 1965, ganhei o Concurso Internacional da Rádio Televisão Francesa para violão clássico. Fui morar em Paris por um ano e acabei ficando por uma década. Em 1968, fui convidado para gravar o Concerto de Aranjuez, com o Colegium Musicum de Paris, para a Musidisc Europe. Esse disco me ajudou muito. Quando a gravadora me convidou, já sabia que o disco estava sendo feito para vender muito. Eles queriam um violonista jovem, desconhecido, e que aceitasse fazer tudo por mil dólares. Em contrapartida, o repertório do lado B seria todo escolhido por mim, desde que fosse música espanhola. Essa foi uma das maiores audácias da minha vida, pois a gravadora me procurou em dezembro para gravarmos em janeiro. Só que eles me perguntaram se eu já havia tocado Aranjuez e se já havia me apresentado com orquestra. Eu disse que sim, mas nunca havia feito nem um nem outro. Tive de aprender tudo em um mês. O disco vendeu 300 mil cópias a preços populares, o que acabou chamando a atenção da Erato, uma das maiores gravadoras francesas. Novamente pediram um disco de música espanhola, e então cometi a segunda grande audácia da minha vida. Disse a eles que queria gravar os doze estudos da obra de Villa-Lobos. Eles insistiram que não, mas eu também bati o pé e no final consegui o que queria. Imagina, era a maior gravadora da França, e eu apenas um menino de 24 anos! O disco foi muito bem aceito, pois era uma grande novidade, ninguém havia gravado Villa-Lobos na Europa. A Erato continuou insistindo em um disco de música espanhola, mas de novo não aceitei. Insisti para gravar o Concerto para Violão e Orquestra. A princípio, a gravadora resistiu, mas depois acabou topando. Após esse trabalho, assinei um contrato com a Erato, e o resultado disso foi que em dezoito anos gravei dezoito discos. Editei na França valsas e choros do Brasil e muitos outros repertórios. Tenho muito orgulho de ter gravado em primeira audição Andre Jolivet, Henri Sauguet e Darius Milhaud."

Sou do Brasil
"Depois de dez anos, em 1975, voltei ao Brasil para viver no Rio de Janeiro. Esse era meu prazo, pois eu sabia que, se ficasse mais tempo por lá, acabaria virando europeu, e isso eu não queria. Jamais abriria mão dos meus laços com a cultura brasileira; esse é um vínculo muito forte que determina muita coisa em mim. Durante o tempo no exterior, vinha ao Brasil todo o ano e estava sempre ligado aos compositores daqui. Mas, mesmo no Rio, até 1980, eu vivia viajando para tocar em todos os lugares do mundo. Passava praticamente oito meses por ano fora de casa. Só que o sucesso começou a tornar-se um peso, pois a loucura das viagens e o aspecto 'show bussiness' da profissão, além de cansar, tornava-me quase um estranho aos meus filhos. Então, resolvi parar com aquilo tudo e levar a vida e a carreira de uma maneira mais tranqüila. Por sorte tomei essa decisão ainda jovem, aos 37 anos, o que possibilitou que eu desse uma guinada na vida profissional. Abdiquei de uma carreira invejável, mas que estava me deixando muito aborrecido. Percorri o mundo inteiro com o violão, colecionava boas críticas, então quando parei com aquele tipo de vida profissional estava de barriga cheia. Mas, por outro lado, era uma situação que mexia com vaidade, cobiça, enfim tudo o que determinado tipo de sucesso pode trazer. Assim, resolvi abrir mão daquele mundo e desfrutar do outro lado maravilhoso da minha vida, que a fez ser como ela é hoje. Sou diretor do Museu Villa-Lobos, no Rio, fundei dois cursos de violão na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde dou aulas, fiz uma série de discos com compositores brasileiros e escrevi o livro Mentiras... ou não? (Jorge Zahar Editor/2002), em que conto todas as aventuras às quais o violão me levou. Posso garantir que foram muitas."

 

 

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