Postado em 01/06/1998
Paulo Ricardo Martin
Brasil tem uma longa tradição de agressão ao meio ambiente. A indiferença com que a maioria da população encara a destruição de nossos recursos naturais tem dado lugar, em vários momentos da história, a um entusiasmado apoio a campanhas de desbravamento (leia-se desmatamento) de novas regiões, sempre apresentadas como passos decisivos para nossa redenção econômica, nossa definitiva afirmação no concerto das nações, etc., etc.
É verdade que, até a primeira metade deste século, essa era a regra em todo o mundo. Mas o mundo mudou e o Brasil, para variar, teima em não mudar. Apesar da preocupação de personalidades públicas e órgãos de comunicação em expressar posições politicamente corretas sobre o assunto, a maioria da opinião pública brasileira ainda acha que Búfalo Bill é um modelo de herói. Enquanto isso, lá fora, os heróis de hoje se chamam Jacques Cousteau, Chico Mendes... Espere aí! Mas esse não é brasileiro? É, mas só virou notícia em português depois que seu assassinato despertou uma onda de indignação pelo mundo afora.
O exemplo de Chico Mendes mostra que não somos insensíveis às opiniões externas. Ao contrário, poucos povos se preocupam mais do que nós com o que é que os outros vão dizer. Mas essa preocupação se manifesta de forma peculiar, que muitas vezes revela como realmente nos sentimos em relação às críticas, que nos reprovam por mau comportamento em relação às florestas.
Quando, por exemplo, um jornal suíço diz que a fumaça dos incêndios na Amazônia forçou a interdição do aeroporto internacional do Rio de Janeiro, ficamos indignados, mas não com nossos patrícios, que atraem contra nós a pecha de incendiários, e sim contra esses estrangeiros arrogantes e ignorantes (que ainda se acham o Primeiro Mundo!) que não sabem nem onde fica o Rio, nem, muito menos, que as matas que sobraram em volta de nossas grandes cidades há muito não são queimadas, mas derrubadas para abertura de loteamentos clandestinos. Ah, se eles conhecessem aquelas simpáticas estatísticas que, todo fim de tarde, nos informam quantos quilômetros de congestionamento teremos que enfrentar para chegar em casa, talvez nos respeitassem mais....
Mas, nesse quadro desanimador, remando contra a maré, avançam, aos poucos, os defensores do meio ambiente. Enfrentam, além das resistências externas, problemas gerados no seio do próprio movimento ambientalista, dos quais o principal, me parece, tem a ver com sua origem, eminentemente urbana. Na verdade, a preservação das áreas verdes só foi reconhecida como necessidade por parcelas significativas da população a partir das desastrosas experiências urbanas dos anos 60 e 70 (que, com menor intensidade, continuam até hoje). Naquela época, parques, praças e avenidas foram destruídas em escala inédita e substituídas por vias expressas, elevados, terminais de ônibus, monstrengos como o Minhocão (Elevado Costa e Silva) e a Praça Roosevelt. Encarados, de início, como sinais de progresso, logo se viu que a cidade que eles anunciavam seria um pombal inabitável, árido e perigoso.
Que eu me lembre, o primeiro movimento coletivo de valorização do verde foi desarticulado, espontâneo e pulverizado. Falo da febre, no final dos anos 70, de cultivar plantas dentro de casa, da qual o personagem central foi, sem dúvida, a samambaia, elevada a um status comparável aos animais de estimação, e transformada até em interlocutora (ou melhor, em ouvinte) por admiradores mais radicais.
Essa origem, fundada numa necessidade de compensar o efeito neurotizante das condições de vida na metrópole, marca até hoje as campanhas ambientalistas com um tom emocional, eficaz para levar as pessoas a darem um abraço na Lagoa Rodrigo de Freitas, mas impotente para reverter o quadro de agressões à Mata Atlântica e à Floresta Amazônica.
Responsáveis por inegáveis avanços na forma como os brasileiros tratam a terra em que vivem, o movimento ambientalista deve incorporar, de forma cada vez mais decidida, a noção de desenvolvimento sustentável e incentivar práticas que recompensem, não só espiritual mas também materialmente, o comportamento preservacionista das populações que vivem em contato direto com as florestas. Somente quando preservar for garantia de subsistência digna, e destruir acarretar prejuízo e castigo (e para isso já contamos com as leis necessárias) é que as florestas deixarão de arder no Brasil.
Paulo Ricardo Martin Sesc Bertioga