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Em Pauta
Jovem para sempre

Postado em 01/04/2004

Dados disponíveis apontam que 350 mil pessoas se submeteram a cirurgias plásticas no Brasil, numa média de 207 operados para cada grupo de 100 mil, só no ano de 2001. Com as conquistas recentes da ciência aliada à tecnologia, além das pesquisas em andamento, começa a se tornar possível o ideal antigo do homem da busca pela eterna juventude. Em artigos exclusivos, o filósofo e professor de ética da Unicamp Roberto Romano e o diretor da Associação Brasileira de Cirurgia Plástica, Osvaldo Saldanha, discutem essa obsessão humana e os prós e contras da luta contra o tempo.

Guerra de Vênus - por Roberto Romano

Todo ser humano integra a natureza. Ela nos envolve e mantém. Um ponto fundamental dessa realidade é o esforço de cada ente vivo em perseverar no seu ser. Todos nós precisamos nos manter vivos (Spinoza: "O esforço para se conservar é o primeiro e único fundamento da virtude", Ética, livro 4, proposição 22, corolário). E como entra o elemento cosmético nesse aspecto? Quando o indivíduo se trata, se banha, cuida de suas feridas ou se maquila, ele garante seu lugar no espaço da sobrevivência e da vida, ao menos aparentemente. Trata-se de uma experiência psicológica importante, dado que o ser humano tem consciência da sua situação e percebe, com muita clareza, que a cada minuto ele morre, enfraquece. Com isso, ele corre o perigo de se aparecer na consciência dos outros como um ser feio. E o que é feio para o ser humano? É o que ameaça, possibilita a morte, horroriza , afasta pela repulsa . Dessa forma, quanto mais o indivíduo percebe-se na proximidade dessa classificação - o feio como algo a ser não cultuado, não festejado -, ele tende a introduzir entre a situação real do seu corpo e o olhar dos outros máscaras que garantam o reconhecimento e o acolhimento, pelo menos de forma momentânea. Quando se diz que o "cosmético" é o frívolo, isso não corresponde à verdade. Recorde-se que cosmético tem a mesma raiz de "cosmos", ou seja, trata-se da idéia arraigada de que o mundo é belo ou deve ser belo. E para ser belo, algo deve ser "natural". Tudo o que se afasta desse âmbito é sentido como "feio", "não natural", monstruoso. Assim, o impulso rumo aos tratamentos cosméticos revela algo profundo na psicologia humana.
É justamente a profundidade do sentimento ligado à necessária conservação de si pela beleza que indica ao mercado e aos investidores capitalistas o quanto essa experiência de milhões de seres humanos pode ser lucrativa. A indústria cosmética é uma das mais importantes do planeta, quase tão relevante quanto a indústria da morte. Assim como existe a venda de armas - ou seja, a expansão da morte -, tem-se igualmente um corretivo que o próprio mercado procura proporcionar: a continuidade da vida. É uma dança de morte e vida que atravessa o mercado capitalista. É importante ter isso em mente porque ninguém tem o direito de julgar uma mulher, uma jovem, um homem, enfim, quem quer que seja, dizendo que essa pessoa não tem o direito de aplicar recursos na produção da máscara que lhe garante alguma sobrevida e uma esperança de acolhimento pelos demais seres humanos.
Em outro aspecto, em relação aos limites em que isso acontece, surge a clássica pergunta: quem pode dizer o que é saudável e o que não é? Para um psicólogo social, "saudável" é o que não chega a agredir a estrutura inicial do corpo e da alma dos indivíduos. Por exemplo: uma pessoa tem um corpo jovem e um nariz considerado torto, por ela mesma ou pelos outros. Seria saudável fazer uma operação plástica para corrigir o nariz? Mas é nítido que a partir do momento em que a pessoa faz operação plástica e entra num círculo de ansiedade, querendo não apenas transformar o seu nariz mas seu corpo todo, surgem indícios de problemas de adequação psicológica. O mesmo ocorre com uma senhora de 80 anos de idade, outro exemplo. Ela possui uma estrutura física e psicológica que a impede de ostentar o rosto de uma jovem de 20. Todas as tentativas de fazer com que o viço da juventude retorne, através das operações plásticas, irão somente decepcioná-la e enganá-la. Inclusive armadilha essa que costuma capturar principalmente os incautos. A partir desse momento, já não mais ocorre um investimento saudável na sobrevivência e no reconhecimento alheio, mas a tentativa de enganar a si próprio, além de todo o limite. O que leva ao auto-engano e ao engano do público. Aí sim, lucra a indústria de charlatões que oferecem milagres e coisas impossíveis. É quando entramos no reino do Eldorado - local mítico onde haveria a fonte da eterna juventude. Tal lugar, justamente por ser um mito, sempre desgraçou os que o procuraram.
No entanto, essa distinção é muito delicada. Quando você coloca lado a lado uma jovem de 20 anos e uma senhora de 80, a distância cronológica, por ser muito grande, nos previne dos exageros de um lado e de outro. Mas quando você coloca uma senhora de 40 anos junto a uma de 45, a distância diminui. Nesse caso, são outros padrões que devem ser observados. Uma senhora que tem uma determinada estrutura corporal fora dos padrões estéticos definidos não seria bela, inclusive por preconceito social. Logo, é muito difícil que essa mulher chegue a ser uma estrela de cinema. E é nesse pequeno intervalo que se cria o tempo para que muitos charlatões ofereçam os seus serviços, com o incentivo da própria imprensa, que explora isso com fortes doses de marketing. Veja o caso da gordura. Nós temos um padrão grego de beleza, o qual determina que o homem deve ter determinada altura, dimensão e que a sua estrutura deve ser harmônica. A mesma coisa para a mulher. Dessa forma, temos a chamada Vênus Calipígia, a que tem belas nádegas. Ocorre, no entanto, que esse modelo se implantou em milênios de repetição e, além disso, temos, hoje, a indústria hollywoodiana que restaura aquele paradigma e determina a "mulher bela". O que, às vezes, revela uma certa ironia, porque, por exemplo, para fazer o filme Uma Linda Mulher, foi preciso pegar "pedaços" de corpos para compor a personagem de Julia Roberts quando ela apareceria na cama só com roupas de baixo. Julia Roberts é, sem dúvida, uma bela mulher, mas não tem os glúteos avantajados e nada do que seria necessário para a ocasião. Ou seja, quando você tem esse padrão, tão obrigatório quanto abstrato, você tende a dizer que uma mulher que não está nele incluída é feia.
Há uma filósofa chamada Elisabeth de Fontenay que tem um estudo sobre Diderot no qual mostra, por exemplo, que nos séculos 18 e 19 - sobretudo no 19 - na França, no que seria depois o Museu do Homem, houve a exposição de indivíduos considerados "inferiores" e "feios", com fins de "estudos" científicos. Uma negra hotentote foi chamada de Vênus Esteatopigia (com acúmulo excessivo de gordura nas nádegas). Essa mulher foi vendida para sábios franceses que, por sua vez, fizeram sessões com ela em 1815 no Museu de História Natural de Paris, para mostrar o quanto era um desvio da humanidade. O nome da hotentote, em sua língua natal, foi perdido. O seu nome europeu era Sara Bartmann, "batizada na Inglaterra, em dezembro de 1811, por uma permissão especial do bispo de Chester, morreu em Paris, no dia 1º de janeiro de 1816. Seu corpo foi doado ao Museu de História Natural, onde ele é conservado no esqueleto e sua moldura. Se você, leitor, nunca a viu, poderá observá-la longamente e à vontade numa vitrine daquele museu do homem, onde, nos domingos, em todas as estações do ano, bocejam as famílias livre-pensadoras e os positivistas (…) Os hotentotes eram mostrados no Jardin d´acclimatation em 1888 e mesmo mais tarde; eles eram exibidos nas Folies-Bergère…" (Elisabeth de Fontenay, O materialismo Encantado de Diderot). Trata-se, pois, quando se fala de "beleza" ou "feiúra", de juízos de valor que não pertencem apenas à psicologia ou medicina, mas apresentam um preconceito etnocêntrico herdado dos gregos e que passou pelos romanos, foi exercido pelos colonizadores europeus e hoje tornou-se um paradigma para a percepção do ser humano em Hollywood. São padrões que há 2500 anos vêm sendo repostos e que excluem seres humanos.
Uma coisa é o trabalho da pesquisa na medicina, que deve receber todo o incentivo e apoio; outra coisa é a apropriação da medicina e da pesquisa para fins de mercado. Não obstante, mesmo na apropriação do mercado é preciso distinguir aqueles que o fazem dentro de limites éticos e os que não têm esses limites.

Roberto Romano é professor titular de Ética e Filosofia na Unicamp


O Brasil e a cirurgia plástica - por Osvaldo Saldanha

A "eterna juventude" é o sonho que sempre vai acompanhar a humanidade, embora ela saiba que a única certeza que se tem na vida é a morte.
A cirurgia plástica acompanha a evolução do mundo, contribuindo cada vez mais com a tentativa de melhorar a expectativa de vida dos pacientes, com relação ao seu bem-estar físico e psíquico, proporcionando uma possibilidade de estar melhor consigo mesmo e com os demais que os cercam. É a busca da auto-imagem para melhor se relacionar com o próprio corpo.
Cada vez mais o ser humano "investe" em si próprio. É daí que tudo começa! Para melhorarmos nossos relacionamentos com os nossos semelhantes, é necessário que gostemos de nós mesmos em primeiro lugar, para, a partir desse ponto, podermos participar com mais disposição.
Mas o cirurgião plástico não tem poder de mágica, ele é humano e sujeito a limitações. É importante que na consulta fique bem claro para o paciente as limitações da cirurgia proposta, para que não haja desilusões pós-operatórias.
As mudanças que devem ocorrer com o paciente submetido a cirurgia plástica são mais pelo lado da auto-imagem e da autoconfiança.
Vaidade já teve uma conotação mais "pesada" na cirurgia plástica, mas já há muito tempo que esta especialidade conseguiu mostrar sua verdadeira função. Saúde quer dizer ausência de doença, e isto quer dizer bem-estar físico e mental.
A cirurgia plástica brasileira tem uma grande função social. São inúmeros serviços em todo o Brasil, atendendo pacientes vítimas de acidentes e queimaduras, além de deformidades congênitas (lábio leporino, ausência de orelhas, etc.), inclusive reconstrução mamária pós-cirurgia de tumor de mama. Não existe limite entre as cirurgias ditas "estéticas e reparadoras". A cirurgia plástica é uma só, indivisível.
Praticamente em todo o território nacional existem cirurgiões plásticos com ótima formação profissional. Isto se deve ao empenho da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, que possui setenta e quatro serviços formadores de especialistas em cirurgia plástica.
Inúmeros cirurgiões de todas as partes do mundo vêm ao Brasil não só para trazer informações, mas também para seu próprio aprimoramento profissional. A cirurgia plástica brasileira é uma escola muito forte no ensinamento da especialidade. Várias são as técnicas desenvolvidas em nosso país por inúmeros cirurgiões. O professor Ivo Pitanguy , sem dúvida, foi o maior formador dessa imensa parcela de cirurgiões plásticos e de diversas técnicas cirúrgicas, consagradas internacionalmente.
Por exemplo, a lipoabdominoplastia é uma técnica que desenvolvemos no ano 2000, que representa a evolução da cirurgia plástica abdominal e que tornou possível a aplicação segura da lipoaspiração no mesmo tempo operatório da abdominoplastia. Seu desenvolvimento e amadurecimento atual ocorreram pela contribuição de diversos cirurgiões de várias regiões do Brasil. Representa a união da cirurgia plástica brasileira, fruto do empenho e organização científicos da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. O livro Lipoabdominoplastia, que será lançado em São Paulo durante o V Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica, mostra a experiência de uma parcela de cirurgiões plásticos brasileiros que ajudaram no seu desenvolvimento.
A cirurgia plástica brasileira é a segunda no mundo em número de cirurgiões e de cirurgias realizadas, embora, proporcionalmente à população, é seguramente a maior.
O nosso país é tropical e o clima faz com que o corpo fique mais exposto no ambiente de praia, piscina ou mesmo em academias de ginástica. Dessa forma há a necessidade de uma evolução das técnicas cirúrgicas com cicatrizes menores e mais disfarçadas.
No momento atual em nosso Brasil, as pessoas que buscam a cirurgia plástica demonstram de forma muito clara seus desejos de buscar algo de forma objetiva e realista quanto às verdadeiras possibilidades que a cirurgia pode oferecer. Isto representa um alto grau de amadurecimento da nossa sociedade. Participam dessa evolução, os avanços das técnicas, os melhores materiais cirúrgicos, além da maior informação que possuem os pacientes, decorrente da divulgação pela mídia.
O compromisso com as verdadeiras informações que as pessoas precisam ter sobre a cirurgia plástica faz parte das metas que a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e seus membros têm com a população. Ela estará sempre à disposição para fornecer informações inerentes à especialidade.

Osvaldo Saldanha é cirurgião plástico e diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.


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