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Esportes
Mundo ativo

Postado em 01/06/1998

Júlio Cesar, famoso imperador romano, é também dono da bélica frase ‘dividir para governar’. Mesmo não havendo ligação aparente entre essa estratégia militar e a saúde do organismo, dividir o tempo, reservando alguns minutos diários para uma atividade física, pode ser o caminho para um adequado governo do corpo. Cuidar do organismo, entendê-lo e, a partir daí, dominar seus limites, como o célebre monarca costumava fazer com seu império, é chave para aliar definitivamente o esporte à saúde.

De olho nos ‘preguiçosos convictos’, as secretarias de saúde, as instituições dos mais diversos tipos, médicos e professores de educação física, difundem cada vez mais noções de prática esportiva. Isso pode nem ser novidade. Mas ao contrário do que se costumava ver, a atividade física associada a atletas ideais, ou fitness victims (pessoas de corpos perfeitos e obsessão por academias de ginástica), hoje os incentivadores de uma vida saudável trazem o esporte para a vida real. Rejeitam a competição e a malhação desenfreada como modelos e dizem: "caminhar pode salvar sua vida".

O médico fisiologista Victor Matsudo é coordenador de um bem-sucedido programa de saúde pública, o Agita São Paulo. Uma iniciativa do Governo do Estado, do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs), e vinculado a mais de 90 instituições, encabeçadas pelo Sesc. Um programa que mobilizou a população. "A idéia atrai e convence porque funciona", assegura o médico. Houve muita pesquisa antes de soltar a campanha e concluiu-se, a partir de experiências passadas, que propor atividade física praticada durante tarefas simples do dia-a-dia, como empurrar um carrinho de supermercado, teria maior poder de convencimento, justamente por estar mais próxima da realidade das pessoas. "Já tentaram usar o apelo da figura do Pelé, que é um dos atletas mais completos da história do esporte, já quiseram colocar a atriz americana Jane Fonda para levar o público a malhar, já fizeram mil e uma coisas, mas nós sabemos que isso não representa o cidadão comum", garante Dr. Matsudo. "Foi por isso que nós resolvemos lançar o slogan que é a grande mensagem do programa: "Pelo menos 30 minutos de atividade física moderada ou leve na maior parte dos dias da semana (se possível todos), de forma contínua ou acumulada".

O médico explica que dados científicos comprovam que os tais 30 minutos funcionam mesmo e é ainda mais categórico ao afirmar que "isso pode significar um carimbo no passaporte da saúde". Esses 30 minutos não significam exatamente parar meia hora do dia para ir a uma academia, correr no parque ou procurar a piscina mais próxima; uma vida longe do sedentarismo pode ser conquistada com alguns minutos caminhando até o trabalho, empurrando o próprio carrinho no supermercado, em vez de pagar àquele solícito garotinho de plantão, cuidar do jardim ou mesmo lavar o carro. "A atividade física pode reduzir em 51% o risco de morte natural", estima o médico, que também é conselheiro da Organização Mundial de Saúde (OMS). "Só o fato de a pessoa deixar de ser sedentária já diminui esses riscos em 45%."

Dos dias 7 a 11 de outubro desse ano, a OMS promoverá um Simpósio Internacional de Ciências Esportivas, cujo tema será Atividade Física: Passaporte para a Saúde. Haverá uma reunião, nos dois primeiros dias do evento, que celebrará os quase dois anos que o Agita São Paulo estará fazendo na ocasião e discutirá a questão da atividade para benefício de profissionais e interessados. Victor Matsudo arremata ressaltando a importância do acontecimento: "O grande diferencial é que o Brasil receberá o maior órgão mundial de saúde para algo bem mais relevante que uma mera visita". Isso serve como estímulo e reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelo programa, que tem como compromisso a melhoria da qualidade de vida das pessoas. "Objetivo que temos em comum com todas as instituições conveniadas, principalmente o Sesc", completa o médico.

O Sesc e a Saúde

Tendo o esporte, o lazer e a cultura como grandes objetivos de trabalho, o Sesc consegue ser uma das poucas instituições a promover a difusão da atividade física primando pela informação e pela saúde em detrimento de princípios como competição e performance. Uma das provas disso é o Challenge Day (Dia de Desafio), um evento que tem o objetivo de reunir a comunidade para um grande dia de atividades físicas. O intuito é motivar os cidadãos a participarem de uma atividade qualquer por pelo menos 15 minutos contínuos, competindo com outra comunidade do mesmo porte. Competição, é claro, visando exclusivamente a sociabilização entre as pessoas. O espírito do evento não é o de provocar uma acirrada disputa entre os competidores; os jogos levam a todos um contato com a atividade física, pautada pela recreação e a qualidade de vida. A comunidade se transforma em uma grande sede esportiva que, através de estratégias de motivação e divulgação do evento, contribui para que a população adquira a consciência da importância da prática física. O evento acontece uma vez por ano e procura sempre ultrapassar a marca de pessoas atingidas no ano anterior. Em 1997, o Challenge Day mobilizou 5 milhões de pessoas. Neste ano, tendo em vista as 149 cidades que participaram desse dia em prol da atividade física em todo país, com certeza essa marca foi superada. "Devemos ter atingido 9 milhões de pessoas", estima João Gambini, coordenador do evento. "O grande diferencial é que as pessoas se envolvem mesmo pelo conceito, não por questões políticas, religiosas ou seja láo que for", conclui. No trabalho, em casa ou em instituições esportivas, o grande mote desse desafio é fazer com que as pessoas se movimentem, e façam de suas atividades profissionais ou de lazer um caminho para uma condição de vida mais saudável, ao menos nesse dia.

Além de eventos que reúnem multidões em dias específicos, o Sesc, através de sua unidades, coloca sempre à disposição dos interessados equipamentos e profissionais habilitados. Os monitores e instrutores de esportes das unidades são profissionais sempre preparados a oferecer qualidade na prestação da assessoria esportiva, mantendo todos os usuários bem longe dos excessos e equívocos durante as práticas. "Os alunos do Sesc acabam sendo as pessoas que têm uma consciência dos próprios limites e sabem das atividades que devem ou não praticar", explica Ricardo Gentil, instrutor de esportes do Sesc Ipiranga. O instrutor conta, também, que está havendo, nos últimos anos, um feliz encontro entre a medicina e o esporte; a prova disso é que tem aumentado a procura de atividades físicas por recomendação médica. Segundo Ricardo, um indício de que os médicos têm se conscientizado da importância dos exercícios físicos.

A grande escolhida das pessoas que abandonam o sedentarismo por motivos de saúde é a hidroginástica. Aconselhável a pessoas de todas as idades, a atividade apresenta baixíssimo risco, em virtude do pouco impacto oferecido pela água. "As pessoas se sentem bem por estarem na água. É agradável e leve", garante Ricardo. "A hidroginástica é muito procurada porque é uma atividade que trabalha com a resistência da água", completa Cleverson Rago Ferreira, monitor de esporte do Sesc Consolação. "Ela produz mais efeitos que se fosse no ar. Além da própria água diminuir o impacto dos movimentos." Daniele Batista, monitora de esportes do Sesc Pompéia, analisa ainda que, aliada à recomendação médica, a mídia influencia a escolha dos interessados em entrar em forma. "As atividades mais procuradas acabam sendo as praticadas no meio líquido", pondera. E como a natação é mais específica e exige mais treino e tempo, a hidroginástica termina por ser mesmo a grande preferida. Mas Daniele ressalta: "De certa maneira essa questão é discutível, não acredito em uma atividade ideal para todos. Cada corpo tem suas próprias características físicas e emocionais". Qualquer atividade física, prescrita ou não, deve levar em conta o ritmo e o metabolismo de cada um, pois praticada em excesso pode interferir de maneira negativa na vida de um indivíduo. "Portanto, o ideal é procurar uma orientação profissional antes de iniciar uma atividade", aconselha Daniele.

Cuidados, orientação e, principalmente, prazer e espontaneidade são os segredos de uma atividade física saudável e livre de qualquer risco. Dentro dessa filosofia, a ginástica voluntária do Sesc atende a todos esses princípios e encontra um grande número de interessados. "A grande filosofia de trabalho, no que concerne à atividade física, pode ser traduzida nos preceitos da ginástica voluntária", assegura Cleverson. "Trata-se de mais que uma simples atividade, é uma metodologia de trabalho que visa unir os princípios de diversas outras atividades, mas sempre levando em consideração os limites de cada um e o prazer ao realizá-la", completa. De fato, os grupos reunidos nas aulas de ginástica voluntária são sempre reconhecidos pelo relaxamento e descontração. Dona Florinda Givan Firmino, de 65 anos, não perde uma aula. Garante que nem sente que está "malhando", mas confessa os resultados: "Eu não sei se é pela motivação do pessoal, mas sei que me sinto bem melhor depois que comecei a praticar." Entre os jovens, Cláudia Macedo, de 29 anos, não se importa com os que dizem que ginástica voluntária é uma atividade para pessoas mais velhas: "Eu não penso assim. É certo que o público de maior idade é grande, mas é porque eles são espertos", brinca.

Conheça os riscos

Esporte é saúde. Certo? Talvez. Longe de querer dizer que o mundo dos esportes tem ganho mais pontos contra que a favor na luta pela qualidade de vida. Mas tomar como referência o condicionamento físico e os objetivos de um atleta profissional na hora de escolher um treinamento pode ser um erro. O médico fisiologista Fernando Torres explica o porquê: "O atleta busca a perfeição e o ser humano não é perfeito. Ele busca transpor limites e o ser humano é cheio deles. O atleta é obrigado a extrapolar para atingir seus objetivos. O treino de saúde não tem nada a ver com isso, o objetivo nesse caso é justamente preservar e respeitar esses limites." Dr. Torres explica que esporte profissional e saúde nem sempre andam juntos. E isso vale para a chamada "malhação". A máxima no pain no gain (sem dor não há resultado), cunhada pela primeira vez nas academias norte-americanas, já deixou de ser uma verdade há muito tempo, e agora conta com comprovações médicas apontando a fragilidade da afirmação. Segundo o médico, a questão do chamado limiar anaeróbio é parte responsável por isso. Há um limite para o indivíduo entrar na sua zona anaeróbia, que é o ponto em que o excesso começa a acusar os sintomas. Enquanto uma pessoa desenvolve uma atividade física dentro de seus limites, ela está usando o oxigênio como fonte de energia para isso. Quando esse limite é ultrapassado (leia-se: quando a pessoa faz mais exercício que o indicado para seu metabolismo), ela atinge sua zona anaeróbia, ou seja, aumenta sua oxigenação, eleva também o consumo desse oxigênio, porém este não é mais suficiente para produzir energia. "Essa pessoa começa a, cada vez mais, precisar de seu metabolismo anaeróbio, e a produção de energia começa a vir da queima de açúcar", explica o médico. "Na ausência de oxigênio, essa queima induz a produção de ácido láctico, que se infiltra na musculatura, causando dores e cansaço". O ponto a favor da saúde é que esse limite pode ser percebido antes que a dor chegue. Basta passar por uma avaliação física antes de uma prática esportiva, qualquer que ela seja, e deixar que o profissional diga onde se deve parar. "Hoje nós já temos condição de medir melhor esse limite e sem dor nunca, se for necessário", assegura Dr. Torres.

Segundo os profissionais ligados à área de condicionamento físico, um dos grandes inimigos de um exercício moderado e saudável é a ansiedade. Tal fator pode ter vários motivos. Entre eles a vaidade, a falta de tempo e a pressa. O médico conta que todos devem evitar o perfil de atleta sazonal, ou seja, aquele que procura a academia, ou a prática de uma atividade, de acordo com a época que lhe convém. Geralmente as estações quentes, como o verão e a primavera, quando as festas de final de ano, as praias e o carnaval insistem em exigir o carimbo do "corpo perfeito" no passaporte do lazer. "Querer entrar em forma rapidamente é impossível, a pessoa só vai se machucar, ultrapassando seus limites", diz Dr. Torres. Outro exemplo de "atletas de ocasião" pode ser encontrado entre aquelas pessoas que usam o domingo para longas e forçadas corridas ou uma sofrível partida de futebol. Segundo a opinião médica, tal atitude, além de expor o indivíduo a riscos de torções e tendinites, é inútil. Principalmente se o intuito for a tão ansiada boa forma. Dr. Torres explica que não adianta passar um dia inteiro da semana se derretendo em jogos e exercícios, porque a prática esportiva precisa de uma sequência ótima para que o organismo responda com os benefícios. "Quando você dá um estímulo muito concentrado num determinado dia, seja com uma corrida ou o futebol etc., e deixa de praticá-los por um tempo muito longo, há uma supercompensação." Em outras palavras, a pessoa volta à condição física que tinha antes da prática.

Por fim, pode-se encontrar aqueles que lutam contra o tempo, seja pela já citada pressa dos resultados ou pela correria do dia-a-dia. "Tem gente que nos chega e diz que tem meia hora por dia para treinar", começa a explicar Rita de Cássia Silva, professora de educação física na Fórmula Academia. "É melhor ter meia hora que nada, mas os resultados demoram mais para aparecer para aqueles que querem conseguir melhorar o corpo através da atividade física". Segundo a professora, é comum que as pessoas, em vez de aproveitarem esse pouco tempo procurando a orientação de um profissional, tentem usar os aparelhos de ginástica e assistir às aulas por conta própria, esquecendo-se de que mesmo estando em uma academia entre centenas de outras pessoas, um indivíduo é único e com aptidões e necessidades diferentes dos outros. "O ano passado eu dei aulas de alongamento para um aluno assim", conta Rita. "Ele não treinava há quatro meses e resolveu fazer musculação com a carga que o amigo, mais em forma, estava usando. No outro dia ele chegou travado", conta.

Para os interessados, os profissionais dão uma dica: mesmo tendo como objetivo conquistar a forma física tão valorizada nos tempos de hoje, o importante é levar em consideração que atividade física é qualidade de vida. O que conta é a manutenção dos exercícios e não a quantidade. Como finaliza Dr. Torres: "Praticar esporte é cultivar benefícios. Como cuidar de uma planta, se você pára aquilo morre."

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