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Cultural
As mil faces de Lobato

Postado em 01/06/1998

Editor, tradutor, autor, empresário, artista plástico, fotógrafo.

O conhecido "pai da Emília" teve muito mais filhos além da inquieta bonequinha de pano e de seus amigos do Sítio do Pica-Pau Amarelo. E foi justamente essa característica de Lobato, a de ter várias características, que a exposição O Brasil Encantado de Monteiro Lobato montada no Sesc Pompéia pretendeu tornar conhecida do grande público. Em cartaz de 18 de abril a 31 de maio, a mostra trouxe, através das lúdicas instalações de Elifas Andreato e J.C. Bruno, um Lobato de raciocínio simples, objetivo e profundamente linear, como o das crianças à quais falava tão forte. Simples sem ser ingênua, a exposição conseguiu um clima que passa exatamente a atmosfera que rondava Lobato: ludismo e fantasia sempre presentes, mas com mensagens e ações fincadas numa realidade concreta e viável. Fundamentos e pistas de uma personalidade forte e que puderam ser sentidos por toda a trajetória de sua vida. A impressão, ao passear pelos corredores, formados por painéis informativos e elementos cenográficos, era a de que cada um desses módulos da exposição representou um canto de sua personalidade polivalente. A preocupação com a questão da educação, o interesse pelo petróleo, o bem-sucedido diálogo com as crianças e o patamar constantemente forrado pela polêmica no qual Lobato insistia em permanecer, são esferas que interferiram, no melhor sentido da palavra, no campo de visão dos todos visitantes.

Claudia Ortiz, assistente técnica do Sesc Pompéia e coordenadora de produção da exposição, explica que a instituição gostou muito da idéia, levada pela Fundação Banco do Brasil e pela Odebrecht, e resolveu participar de mais este projeto cultural educativo que teve objetivos comuns à filosofia da entidade. "Há um forte elo entre a proposta do Sesc e os pensamentos de Lobato em relação à cultura e ao lazer", analisa. "O Sesc tem um papel muito importante na sociedade como fomentador cultural, assim como Lobato o teve em sua época."

O encanto de lobato

Dos aproximadamente 4 mil metros quadrados da área de convivência do Sesc Pompéia, 2.200 estiveram ocupados pela exposição. Foram painéis informativos, livros ambientados, banners com frases emblemáticas de Lobato, reproduções de cartas recebidas de crianças e letras gigantescas escrevendo as palavras Monteiro, Lobato e Brasil, que, de maneira lúdica, contaram um pouco de sua trajetória de editor, artista plástico e fotógrafo, de seu envolvimento em campanhas de saneamento e saúde, voto secreto, ecologia e ainda revelaram uma de suas maiores paixões: a exploração de petróleo e do ferro, com a qual, segundo ele, "tudo mais virá natural e logicamente" para o Brasil. Tanta informação foi arduamente reunida em mais de dois anos de pesquisa do Empório Brasilis, uma instituição que se preocupou em reunir o que estava espalhado em arquivos, em museus e com a família de Lobato.

Carmen Lucia de Azevedo, Vladimir Sacchetta e Márcia Camargos foram os responsáveis por levar a conhecimento do público toda a relevância cultural e, de certa forma, até política, que a figura de Monteiro Lobato teve para a história de nosso país. Eles explicam que a exposição, juntamente com a publicação da biografia ilustrada e com projetos de outros programas que estão por vir, faz parte do Projeto Memória, que no ano passado homenageou a figura do poeta baiano Castro Alves e neste ano promove esse reencontro do Brasil com Lobato aproveitando o mote dos 50 anos de sua morte. Segundo Vladimir, algumas coisas já estavam estabelecidas logo que a idéia começou a nascer: "Quando nós pensamos na exposição, convidamos imediatamente Elifas Andreato para fazer os cenários porque tinha de ser ele, assim como também estava claro para nós desde o início que tinha de ser no Sesc Pompéia". Segundo Carmen, o tamanho da área de convivência da unidade e a possibilidade de explorar várias formas de comunicação convergem perfeitamente com as características de Lobato, que fez muitas coisas e acreditava que uma exposição tinha de ser realizada em um espaço grande, oferecendo oportunidade de mostrar o máximo possível de suas obras literárias e sociais. Os biógrafos de Lobato, como são conhecidos, também se dão o direito de passear fascinados pela exposição e se orgulham em apontar o fôlego da mostra: "Há espetáculos, várias oficinas, atores, monitoria. Olha, se você pegar a grade de programação feita pelo Sesc, verá que todos os dias, das dez da manhã às nove da noite, há pessoas comandando atividades que enriquecem ainda mais esse evento", comenta Vladimir.

A chave do tamanho

"Eu queria homenagear a escrita.". É assim que o jornalista, artista plástico e cenógrafo Elifas Andreato começa a explicar o conceito por trás de mais esse evento do Sesc. E, de fato, tudo na exposição remetia à paixão de Lobato pelo livro e ao mundo que ele sabia se esconder no meio das folhas do papel e entre as linhas de uma obra literária. Lobato é considerado o responsável pelo livro como objeto de desejo e consumo, ao torná-lo atraente e popular. O cenógrafo continua dizendo que seu primeiro anseio ao ser convidado a participar da exposição foi tentar passar aos adultos e crianças que visitassem a mostra todo o encantamento despertado pela letra. Isso, aliado a um aguçado senso de cenografia, inspirou-o a exagerar escalas para chamar a atenção de todos. Daí a idéia de letras gigantes revelando informações ao visitantes. "Toda vez que você exagera a escala de tamanho de alguma coisa, constrói um monumento a essa coisa. No caso desta exposição, um monumento à letra, ao Lobato e à escrita", explica.

Como a maioria das pessoas desconhecia as tantas facetas do pai da Emília, a exposição primou também por revelar um Lobato frasista e pensador. Um homem que dominava a palavra, escrita ou falada, e que fez dela sua ferramenta de transformação da realidade. "Com suas frases, a gente vai descobrindo um Lobato cuja obra era a de um homem inquieto, objetivo e instigante", aponta o cenógrafo. E foi justamente lançando mão desses petardos verbais que Lobato mirou para todos os lados que a mostra conquistou o público. Tais frases apareciam na exposição impressas em banners gigantescos, pendurados a vários metros de altura e, muitas vezes, acompanhadas de inúmeras caricaturas para as quais Lobato serviu de inspiração. Coisas como "um país se faz com homens e livros" ou "ainda acabo escrevendo livros onde as crianças possam morar" deixam claro que o norte de Lobato era um futuro para o país construído a partir do casamento entre as crianças e a cultura. "Quando você trabalha com o público, precisa criar um atrativo para passar uma informação. No mundo de Lobato havia todas as informações. Na verdade, as coisas da exposição estavam todas lá: os livros ambientados, o gigantismo das letras, as frases, tudo", confessa Elifas. Informações essas que encontraram no Sesc espaço perfeito para se movimentar. "Essa exposição só foi um sucesso porque a obra de Lobato é definitiva para este país e porque o espaço do Sesc é ótimo." afirma Andreato.

Segundo ele, o Sesc pode ser definido em três palavras fundamentais: know-how, história e espaço. Know-how em estruturar eventos culturais, uma história de promoção da cultura e "um espaço democrático de verdade", enfatiza o próprio cenógrafo. "Convivendo com o Sesc, vi que funciona e sei da seriedade do trabalho", conclui o cenógrafo.

Um monumento à cultura

Além da brincadeira com os tamanhos, conseguida através do jogo entre as letras gigantes, e da varanda do Sítio em tamanho natural, usada como palco para jogos e espetáculos, a exposição contava ainda com uma espécie de corredor cronológico, chamado Linha da Vida, onde documentos e dados biográficos de Lobato eram expostos em painéis sustentados por bases com as cores da bandeira brasileira. De 1882, ano de nascimento de Lobato, a 1948, ano de sua morte, a linha abordava tanto a ocasião em que Lobato montou o maior parque gráfico da América Latina em 1924, quanto a sua prisão, em 1941, decorrente de provocações a Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército. O final do corredor aguardava os visitantes para o momento mais dramático da exposição: uma estátua de três metros, com Lobato sentado, rodeado por seus personagens. Atrás da estátua, via-se uma bandeira do Brasil, remetendo ao amor de Lobato pela pátria e esperança que ele tinha em seu futuro.

Tentando resgatar esses valores tão celebrados por Lobato, o Sesc, num trabalho que envolveu cerca de 300 pessoas, proporcionou ao público a oportunidade de tomar contato com a vida e a obra de um dos mais importantes brasileiros deste século. Nas palavras de Vladimir Sacchetta, com certeza o Lobato do céu, hoje, está muito feliz.

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