Postado em 04/09/2003
Especialistas debatem reformas tributária e previdenciária
O Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, reuniu-se no dia 11 de junho de 2003 para discutir os projetos de reforma do governo.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS – Nosso tema de hoje são os projetos de reforma tributária e previdenciária, aprovados recentemente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Não houve maiores problemas em relação à primeira, praticamente todos os deputados votaram pela constitucionalidade, embora com alguma crítica à nova sistemática do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). No caso da segunda, porém, quase 40% dos parlamentares deixaram de votar pela constitucionalidade, e creio que o embate será muito maior na comissão especial. A base partidária do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com grande número de servidores públicos, opõe-se nitidamente ao projeto de mudança da aposentadoria. Por outro lado, se não for possível reverter gradativamente o déficit previdenciário, o governo Lula terá terminado no primeiro ano. Teremos uma economia em recessão, com carga tributária ascendente, juros elevados e risco Brasil crescente, sob a ameaça de um calote mais adiante. E o projeto de reforma tributária, que provavelmente terá mais condições de passar, na minha opinião, vai provocar problemas maiores.
Vamos analisar os motivos apresentados pelo governo em favor da reforma tributária e posteriormente da previdenciária.
1. "O Brasil precisa da reforma para aumentar a eficiência econômica, estimular a produção e o investimento produtivo e gerar emprego e renda." O argumento é perfeito, o país necessita disso.
2. "A reforma tributária contribuirá para aumentar o emprego formal e a inclusão dos trabalhadores no sistema previdenciário." Isso não é verdade, pois ela não pode estimular o emprego formal ao mesmo tempo que eleva a carga tributária. Albérico Mascarenhas, coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), diz que a carga tributária deverá superar os 40%. Nesse patamar, duvido que tenhamos um aumento do emprego formal e a respectiva inclusão de trabalhadores no sistema previdenciário.
3. "A reforma dará mais segurança aos exportadores." Acredito que sim. Quando o mercado interno diminui e as empresas produzem, eliminando-se a não cumulatividade, ocorre um aumento da exportação.
4. "A reforma coibirá a guerra fiscal entre os estados, fortalecendo o pacto federativo e diminuindo a renúncia fiscal." Com os instrumentos de que dispõe, realmente ela coibirá a guerra fiscal. Se um estado conceder incentivos de ICMS, eles não serão reconhecidos em outro, e por isso não haverá interesse em oferecê-los nas operações interestaduais.
5. "A reforma aumentará a justiça tributária, tornando o sistema mais progressivo." A progressividade no Brasil é efetivamente uma vaca sagrada. Vamos considerar um trabalhador que recebe, por exemplo, R$ 11 mil e tem uma alíquota de Imposto de Renda de 35%, enquanto George Soros, no mesmo mês, ganha US$ 1 bilhão aplicando no Brasil e é tributado em 20%. Essa é uma justiça às avessas, que usa uma alíquota máxima para rendimento de capital de 20% e pretende adotar 35% sobre o trabalho. Da mesma forma, a empresa que recolhe sobre lucro presumido pagará menos do que um trabalhador que tem desconto em folha.
6. "A reforma reduzirá a sonegação, combatendo a concorrência desleal, que diminui a competitividade dos bons contribuintes." Com relação ao ICMS, provavelmente esse é um princípio correto. Tudo vai depender da legislação infraconstitucional.
7. "A reforma simplificará o sistema tributário, reduzindo o custo do cumprimento das obrigações e do controle da administração tributária." Nesse caso, tenho a impressão de que se trata de outro erro. Cada vez que se introduz o princípio da progressividade, surge um elemento complicador na administração do tributo.
8. "A reforma manterá a arrecadação dos entes federativos." A idéia é reter a arrecadação antecipadamente dos exportadores líquidos. Isso ocorre porque o governo propôs o sistema misto de ICMS, uma parte na origem e o complemento no destino, mas permitiu que esse regime pudesse ser alterado em lei complementar futura. Se estados importadores líquidos ganharem e estados exportadores líquidos perderem e forem compensados, a reforma não simplificará o sistema nem reduzirá o custo, mas complicará tudo, porque não há como cobrar no regime de destino: ou isso acontece na origem – e não existe interesse – ou no destino – e é impossível o controle.
9. "A reforma facilitará a cobrança do Imposto Territorial Rural (ITR), estimulando a produtividade da terra." Enquanto estiver sob a competência da União, esse imposto poderá ser transformado em regulatório. Se passar para a dos estados, que precisam de receita, certamente se tornará arrecadatório, incidindo sobre a propriedade produtiva. É uma desfiguração do ITR.
10. "A reforma cria um novo instrumento de desenvolvimento regional." Acredito que este possa ser estimulado, mas tudo vai depender de uma legislação infraconstitucional.
Vamos aos argumentos em favor da reforma previdenciária.
1. "Ela pode ser considerada o passo inicial para a construção de um regime básico público, universal e compulsório para todos os brasileiros." O princípio me parece correto.
2. "É preciso buscar o equilíbrio atuarial do sistema." A proposição também é adequada.
3. "É preciso transformar o sistema atual – complexo e, em alguns casos, até injusto – num conjunto de regras claras e isonômicas, sempre que possível." Concordo, mas lembro que estamos tratando de proposições.
4. "Não faz sentido um trabalhador aposentado ganhar mais que um trabalhador da ativa." Como princípio está correto.
5. "A criação de um sistema previdenciário complementar viabilizará poupança de longo prazo para financiar investimentos." Se for adotado um processo de nivelação sem que a União crie um sistema complementar para o servidor público, vamos ter o êxodo absoluto de funcionários e a contratação de candidatos de segunda categoria para o setor – ou um serviço público com grande vocação para a corrupção.
6. "A reforma beneficia os trabalhadores do setor privado, sem atingir significativamente a grande maioria dos servidores públicos." Convém lembrar que, dos 3 milhões de servidores públicos aposentados, 2,3 milhões aproximadamente recebem até dez salários mínimos de referência.
7. "A cobertura do vultoso desequilíbrio financeiro do sistema exige a contribuição de todos, particularmente dos que recebem benefícios mais elevados." Realmente, de alguma forma o desequilíbrio é causado por esses benefícios.
8. "A reforma da Previdência é fundamental para que estados e municípios voltem a investir na área social e de infra-estrutura." O que está acontecendo com a carga tributária? Grande parte é levada para juros, outra, para a administração esclerosada e uma terceira vai para a Previdência. Alguma coisa tem de ser feita.
9. "A proposta assegura a todos os servidores públicos titulares de cargos efetivos que reunirem, até a data da aprovação da reforma, condições de se aposentar pelas regras atuais os benefícios com base na legislação vigente." Neste caso, trata-se de cláusula pétrea, não pode mudar.
10. "É preciso sanear as contas públicas para que os juros caiam e a economia retome o crescimento." Estou convencido da veracidade desse argumento.
No caso da reforma tributária, expõem-se mecanismos de atuação, mas no da previdenciária só se mostram princípios. Antes de concluir para iniciarmos o debate, quero lembrar que a reforma previdenciária poderia ter adotado um sistema pro rata temporis em relação aos servidores sujeitos ao regime anterior e um sistema de contribuição acima do regime geral, para não termos de enfrentar a questão da imunidade, considerada cláusula pétrea. Outro ponto importante é o que define as chamadas carreiras de Estado, criando para a burocracia profissionalizada – magistrados, militares, pessoal do Itamaraty, eu diria inclusive polícia, fiscais – uma legislação própria. Eles deveriam contar com um tratamento diferenciado, pois não têm alternativas profissionais. Um professor de escola pública, por exemplo, também pode lecionar em instituições privadas. Não é o caso de magistrados, militares, etc.
De modo geral, considero positivos os princípios contidos na reforma tributária, com exceção do que se relaciona ao ICMS. No entanto, convém lembrar que a nação não agüenta mais nenhum aumento de impostos que porventura possa sobrevir. Já a reforma previdenciária pode reduzir os custos do déficit público da Previdência e facilitar para o governo a administração de suas contas.
NEY PRADO – Gostaria de começar com uma questão: qual é a finalidade da reforma tributária? Se partirmos do pressuposto de que tudo isso é um simulacro, e que o objetivo do governo é de fato aumentar os impostos, o caminho é um. Se entendermos que a proposta governista é simplificar o sistema, auxiliando o desenvolvimento do país, elevando a produtividade das empresas e atenuando a economia informal, o caminho é outro. O professor Ives abordou princípios, mas parece que no fundo ele pensa que o governo pretende mesmo aumentar a carga tributária. Se vai fazer isso, não temos mais nada a opor.
IVES GANDRA – Acho que no regime democrático temos de nos opor, sim. Nossa função é essa.
NEY PRADO – Podemos objetar, argumentar, etc. Mas o governo tem a maioria no Congresso, e, se ela estiver propensa a aceitar as regras do jogo, nossa discussão fica perfunctória. Antes de mais nada, gostaria de saber o que meus colegas pensam sobre esses pressupostos ou princípios favoráveis à posição do governo e que provavelmente ocultam a finalidade arrecadatória da reforma.
IVES GANDRA – Creio que ele está colocando uma questão de ordem fundamental. Peço que, muito rapidamente, cada um se manifeste.
SAMANTHA MEYER PFLUG – Penso que a reforma tem nitidamente cunho arrecadatório.
MÁRCIA MARTINS – Idem.
ANTÔNIO NICÁCIO – Acredito que sim.
WAGNER MAR – Quanto a essa questão, não tenho nenhuma dúvida.
ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL – Concordo com os senhores.
AMAURI MASCARO NASCIMENTO – Eu também penso assim.
DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS – Concordo plenamente com todos. Mesmo assim, creio que devemos continuar lutando, ainda que nos reste uma corda só, como aconteceu a Niccolò Paganini, há muito tempo: a orquestra entrou no palco e foi ovacionada pela platéia; então chegou Paganini e a festa foi total. A orquestra começou a tocar e, de repente, rompeu-se a corda do violino de Paganini. Os músicos pararam, o público ficou agitado, mas o mestre seguiu tocando. A orquestra se recompôs e as pessoas se aquietaram. Quebrou-se uma segunda corda e tudo se repetiu de maneira previsível, só Paganini continuava tirando sons maravilhosos de seu violino. Quando se rompeu a terceira corda, a platéia pensou: "O espetáculo terminou". Surpreendentemente Paganini prosseguiu com uma corda só a tocar a melodia que o fez famoso no mundo inteiro. Embora eu concorde plenamente que a idéia do governo é outra, temos de manter nossa posição, mesmo que seja com uma corda só.
IVES GANDRA – Edvaldo, na sua opinião, a reforma é regulatória ou arrecadatória?
EDVALDO BRITO – Acho que é arrecadatória.
MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES – Também penso assim, mas devemos discuti-la, pois a sociedade precisa tomar conhecimento disso.
NEY PRADO – Há também a questão do emprego; sabemos que a informalidade cresce à medida que a tributação aumenta. O problema da sonegação é um dado da economia informal: quanto mais se tributa, maior ela é. Estou convencido de que, quando o objetivo é um, os meios que a gente pode encontrar, por mais eruditos que sejam, se perdem ao longo do tempo.
WAGNER MAR – Penso como os senhores que a reforma é arrecadatória mesmo. Mas gostaria de me ater à questão da sonegação. Acho que a única forma de combatê-la é adotar uma alíquota relativamente decente e um sistema mais simples de apuração do tributo, para que todos possam compreender e calcular o que vão pagar.
CARLOS CELSO ORCESI DA COSTA – Nosso grande problema se refere à cobrança do ICMS na origem ou no destino. Uma mera proposta de destaque, uma emenda na redação do item 6, artigo 155, diz que o imposto será cobrado no estado de origem, ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas em lei complementar. Acho que vai haver um destaque, e vamos enfrentar essa questão que é a mãe de todas as batalhas da emenda constitucional.
IVES GANDRA – O governo passa a idéia de que não quer enfrentar o problema de origem ou destino agora. Mas transferiu para o legislador complementar definir as hipóteses de destino. E já temos a tradição no direito brasileiro de nulificar um dispositivo constitucional por meio de uma lei complementar, como aconteceu no caso da Lei Kandir (lei complementar 87) em relação aos produtos semi-elaborados para a exportação. Esse risco obrigará São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Minas Gerais a aumentar muito sua carga tributária a fim de compensar os 15% a 20% de arrecadação que vão perder e que os estados importadores líquidos vão ganhar. Ora, se uns ganham e outros não perdem, os únicos prejudicados certamente são os contribuintes.
ORCESI DA COSTA – O ICMS é um imposto nacional que não pode vestir uma camiseta estadual. Só isso. E nunca vai funcionar.
EDVALDO BRITO – Talvez essa reforma nem saia, afinal. O que temos pela frente é uma reformulação da distribuição de renda. Enquanto o governo federal tiver o que quer, vai brincar de esconder e não permitirá que a reforma se realize.
RODRIGUES DO AMARAL – O professor Ives comentou que o trabalhador pagaria mais imposto do que as empresas que recolhem com base no lucro presumido. Mas me parece que o raciocínio do governo não é esse, a idéia deles é passar a tributar os dividendos à alíquota de 35% na tabela progressiva, com um aumento absurdo da arrecadação das pessoas jurídicas. Penso que uma margem de 30% no setor de prestação de serviços é relativamente boa para uma empresa lucrativa. É isso que discuto muito com o pessoal do Partido dos Trabalhadores (PT). Acho que a idéia do governo é acabar com o lucro presumido, por isso não estou otimista.
IVES GANDRA – A idéia inicial do PT era aumentar a base de cálculo do lucro presumido.
RODRIGUES DO AMARAL – Já subiu três vezes e está em 32%.
IVES GANDRA – Subiu de 12% para 32%. Mas no setor de prestação de serviços, como advocacia, já estava em 32%, e não tivemos aumento. Agora, se eles aumentarem de 32% para 50%, 60%, 70%, o que vai ocorrer? Passa-se novamente para a informalidade.
RODRIGUES DO AMARAL – Essa era a seqüência do meu raciocínio.
IVES GANDRA – Eles estão percebendo o erro. O secretário da Receita, Jorge Rachid, sabe perfeitamente que, se o governo fizer isso, vai gerar informalidade e, conseqüentemente, receita menor, atrapalhando a relação do Banco Central com o sistema financeiro. Com um controle maior das contas bancárias, cada vez mais as operações passarão a ser feitas em dinheiro.
RODRIGUES DO AMARAL – O que me parece uma estupidez do ponto de vista técnico, político e econômico é essa alíquota de 35%. Assusta também termos 60% do mercado na informalidade, como o doutor José Pastore alertou recentemente, e 20% de desemprego no país. Em poucos meses de governo Lula, ocorreu um tremendo crescimento da informalidade, o que faz lembrar o embaixador Roberto Campos quando dizia que as aquisições do capital são muito maiores do que as pretensões ideológicas do pensamento das esquerdas.
IVES GANDRA – Ele afirmava que os ideais são melhores que os resultados para os socialistas, e os resultados, melhores que os ideais para os capitalistas.
AMAURI MASCARO – Retomando a questão da reforma previdenciária, creio que a sua finalidade está no item 10 da pauta de princípios: "É preciso sanear as contas públicas para que os juros caiam e a economia retome o crescimento". Como não existia uma política previdenciária no país havia tempo, muitos problemas devem surgir. Um deles está relacionado com as carreiras de Estado, que vão ficar praticamente destruídas por esse igualitarismo socialista que não é aceito por mais ninguém.
CÁSSIO MESQUITA DE BARROS JÚNIOR – A minha tese de doutorado na faculdade foi sobre previdência, portanto esse tema me fascina. O grande problema é o déficit orçamentário, que é da União, porque não há um orçamento próprio da Previdência Social, contrariando o texto da Constituição. Esse déficit de R$ 17 bilhões no setor privado é contestado, uma vez que não são considerados os déficits realmente existentes nem os valores corretos. Uma de suas causas deve-se ao aumento da expectativa de vida do brasileiro, que em 1960 era de 55 anos e hoje é de 80 anos. Também há erros na concessão de benefícios desde 1960, quando se estabeleceu uma diferença entre tempo de contribuição (30 anos) e tempo de serviço (apenas cinco anos). Assim, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) continha, até a última reforma, com a emenda constitucional nº 20, de 1998, dois grupos de aposentados: o daqueles que haviam contribuído apenas durante cinco anos e que contavam com os mesmos direitos dos do outro grupo, que haviam contribuído por longos 30 anos. Dos 20 milhões de aposentados, apenas 6 milhões pagaram. Enquanto tenta corrigir esse sistema defeituoso de arrecadação, a Previdência não produziu um elemento essencial para sua sobrevivência, que é a capitalização. Existem mais de 4 mil sistemas previdenciários, e a unificação disso tudo é muito difícil, porque há grupos que não foram formados por necessidade social, mas por prestígio político.
IVES GANDRA – Agora a professora Márcia falará sobre previdência complementar e, para encerrar, José Milton Dallari fará algumas considerações de natureza econômica.
MÁRCIA MARTINS – Entendo que a previdência complementar é relevante e independe da proposta do governo Lula de unificação dos regimes previdenciários, cujos reflexos já foram abordados aqui de maneira bastante feliz. No Brasil, a previdência complementar teve seu arcabouço legal definido no governo Fernando Henrique Cardoso, a partir da emenda constitucional nº 20. Além de garantir a sobrevivência de seus participantes após a aposentadoria e a manutenção de seu poder de compra, a previdência complementar permite também o acesso a financiamentos a taxas mais baixas que as dos bancos e cooperativas de crédito, a planos de saúde coletivos e promove o desenvolvimento da poupança de longo prazo, que dá credibilidade ao país.
O seguro social obrigatório, instituído no governo Getúlio Vargas, valorizava o trabalho e a estabilidade no emprego, gerando as contribuições necessárias para o custeio do sistema. Na segunda metade da década de 1960, rompeu-se o regime de estabilidade no emprego e foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), para assegurar poder aquisitivo aos trabalhadores demitidos, enquanto procuravam novo emprego. Surgiram então planos privados sob o regime de repartição simples, ainda concebidos em premissas de estabilidade e ascensão profissional constante, que previam que as gerações futuras pagariam os benefícios dos assistidos. Inovações legislativas foram sendo trazidas para a previdência complementar, visando à sustentabilidade, transparência crescente na gestão dos fundos e incluindo o sistema de capitalização, que teve início em 1977 com a lei nº 6.435, com resgate de contribuição vinculado à extinção do contrato de emprego.
A partir da emenda constitucional nº 20, seguiram-se as leis complementares 108 e 109, ambas de maio de 2001, e deliberações do Conselho de Gestão de Previdência Complementar, que é o órgão regulador. Hoje, uma empresa pode optar apenas pela previdência compulsória do INSS; rever seu plano de previdência complementar fechada já existente, ajustando-se às novas normas; comprar plano coletivo de previdência complementar aberta, os tais PGBLs e FGDs. A Força Sindical deu entrada na Secretaria de Previdência Complementar num fundo denominado Força Previ, que poderá beneficiar cerca de 5 milhões de trabalhadores.
Para concluir, ouso sugerir que as empresas e entidades representativas empresariais reflitam sobre as vantagens de se associar na criação de um fundo.
JOSÉ MILTON DALLARI – Existem alguns estudos disponibilizados pelo próprio Ministério da Previdência que mostram que a reforma não pode esperar mais. Há dois sistemas típicos de previdência: o de repartição simples, adotado pelo Brasil, e o de capitalização, que vigora no Chile. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para passarmos do primeiro para o segundo, gastaríamos aproximadamente 288% do PIB. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima essa despesa em 255% do PIB, e a Fundação Getúlio Vargas em 231%. Seja como for, para mudarmos para um sistema de capitalização, o custo é brutal. Com a diminuição dos ativos que entram no sistema e o aumento da longevidade das pessoas, ocorre um paradoxo econômico, e os cálculos atuariais não fecham essa conta. Assim, a previdência complementar seria uma alternativa interessante hoje. Mas ela também traz alguns riscos embutidos. Nos Estados Unidos, na Europa e inclusive no Japão alguns bancos encarregados de administrar esses fundos quebraram. Isso pode ocorrer aqui, e o governo não vai ter condições de cobrir o rombo.
Mesmo enfrentando muitas dificuldades diante dos diferentes grupos de trabalhadores, parece que este é o momento certo para o Brasil dar uma semi-arrumada nisso tudo. Creio que a reforma tributária também é essencial. Com renda per capita em torno de US$ 5 mil por ano, o país gasta 36% com tributação, enquanto nos Estados Unidos, que têm renda per capita anual de US$ 28 mil, esse índice é de 30,2%. Se o governo tributar ainda mais o setor de prestação de serviços, aumentará a informalidade. A reforma tributária vai mexer num ponto crítico, que é o ICMS efetivo, e, apesar de manter o sistema de origem, as cinco alíquotas e o regime único, acho que vai provocar muita discussão. Isso só se viabilizará se houver um fundo de compensação aprovado no bojo da reforma.